Como as cidades podem ajudar na conservação da biodiversidade global
Com a crise climática, pensar no papel dos grandes centros urbanos para as próximas décadas é uma tarefa imprescindível na promoção da biodiversidade

O surgimento de golfinhos nadando no Grande Canal de Veneza surpreendeu o mundo no início do ano. Mas a cidade italiana não foi a única a receber animais silvestres dentro de seus limites. Ainda em 2020, uma Coruja-das-neves foi vista dentro de um campo de beisebol, no Central Park, em Nova York. A última vez que um avistamento do tipo ocorreu na ilha de Manhattan foi em 1890. Neste ano, o famoso parque nova iorquino também recebeu a visita de um coiote. Enquanto isso, em Santiago, no Chile, um puma surgiu caminhando pelas ruas desertas da cidade.
Apesar das áreas urbanas serem consideradas uma terra arrasada para a biodiversidade, cientistas vêm mostrando que regiões do tipo exercem um importante papel na conservação de várias espécies. É o que pesquisadores do Instituto do Estuário de São Francisco, nos Estados Unidos, chamam de “falácia dos desertos biológicos”, em um artigo recém-publicado no periódico BioScience.
“As cidades estão inseridas e ecologicamente ligadas às paisagens circundantes. Embora a urbanização represente uma ameaça substancial à biodiversidade, as cidades também abrigam muitas espécies, algumas das quais têm populações maiores, taxas de crescimento mais rápidas e maior produtividade nas cidades do que fora delas”, pontuaram.
De fato, um outro estudo, comandado por Emily Oliveira Hagen, do Instituto de Ciências da Sustentabilidade, na Suíça, analisou 529 espécies de pássaros em todo o mundo e descobriu que 66 são encontrados apenas em áreas urbanas. Na lista, além de pássaros urbanos clássicos, como pombos, também constam corujas e uma variedade de espécies nativas das regiões.
Já um trabalho do cientista ambiental norte-americano Damon Hall mostrou que diversas espécies de abelhas persistem em grandes cidades ao redor do mundo. Em muitos casos, populações mais diversas e abundantes preferem os grandes centros urbanos aos ambientes rurais mais próximos. Na Austrália, as pesquisadoras Kylie Soanes e Pia E Lentini, da Universidade de Melbourne, identificaram 39 espécies ameaçadas, como tartarugas, caracóis e orquídeas, que residem e sobrevivem em habitat urbano.
De acordo com os pesquisadores de São Francisco, “as adaptações a temperaturas mais elevadas em áreas urbanas têm o potencial de criar populações que podem ser mais capazes de tolerar as condições futuras causadas pelas mudanças climáticas e podem atuar como populações-fonte para colonização de áreas rurais no futuro”. Segundo eles, nas próximas décadas, à medida que as emissões de CO2 e o impacto das mudanças climáticas se aceleram, pensar no papel das cidades é uma tarefa imprescindível para a conservação da biodiversidade global.