Como a mudança do clima impacta (e pode piorar) a vida no Brasil
Novo relatório do IPCC mostrou que a América do Sul está altamente exposta, vulnerável e fortemente impactada pelas mudanças climáticas
A mudança do clima causada por ações humanas já afeta a vida de bilhões de pessoas. O aumento de ondas de calor, secas e inundações vem excedendo os limites de tolerância de plantas e animais, o que causa a mortalidade de diferentes espécies. Se nada for feito para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, o cenário vai piorar. O IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, trouxe mais um alerta sobre a crise climática com a publicação do relatório do Grupo de Trabalho II sobre impactos climáticos, adaptação e vulnerabilidade, que compõe o sexto Relatório de Avaliação do IPCC.
Em um comunicado, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, afirmou que “o relatório do IPCC é um atlas do sofrimento humano e uma acusação condenatória de liderança climática fracassada”. A publicação analisou os ecossistemas, a biodiversidade e as comunidades humanas nos níveis global e regional. O painel também mensurou as vulnerabilidades e as capacidades e limites do mundo natural e das sociedades humanas para se adaptar às mudanças climáticas.
Atualmente, a temperatura está 1,1ºC acima dos níveis pré-industriais. O Acordo de Paris, principal tratado global para frear a mudança do clima, prevê limitar o aumento da temperatura em 1,5ºC e evitar que ultrapasse 2ºC. No entanto, as novas informações do IPCC mostram que o mundo enfrenta vários riscos climáticos inevitáveis nas próximas duas décadas com o aquecimento global de 1,5°C.
De acordo com analistas do Instituto ClimaInfo, organização que atua na divulgação de informações relacionadas à mudança do clima, há pontos do documento que evidenciam situações específicas sobre o Brasil. Por exemplo, caso o ritmo de emissões não diminua, o calor e a umidade afetarão diretamente a saúde humana.
No Brasil, as mortes por calor podem aumentar em 3% até 2050 e em 8% até 2090. Com a redução das emissões, o aumento pode ficar limitado a 2%. Segundo a análise do ClimaInfo, ao considerar o efeito de ilha de calor urbano, moradores das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo ficarão mais expostos às condições que geram riscos à saúde.
Segundo o diretor da organização 350.org na América Latina, Ilan Zugman, o relatório é um alerta fundamental sobre a urgência de o Brasil se preparar para as mudanças que virão. “O IPCC destacou que cerca de 3,5 bilhões de pessoas vivem em regiões de alta vulnerabilidade aos impactos da crise climática, incluindo diversos locais na América do Sul”, disse.
Há diferentes maneiras de fortalecer a adaptação à mudança do clima. “Seja investindo em melhores políticas de habitação, produção de alimentos, infraestrutura e prevenção de desastres, seja contribuindo de forma muito mais intensa para a substituição do petróleo, do gás e do carvão por fontes limpas e socialmente justas de energia”, afirmou Zugman.
Outro ponto do relatório que mostra impactos diretos no Brasil é a alteração nos padrões de secas e enchentes. Entre 2010 e 2019, as áreas do Nordeste sujeitas à seca aumentaram em 65% em comparação ao período entre 1950 e 1959 — além disso, se as emissões continuarem elevadas, as chuvas no Nordeste podem diminuir em 22% ao longo deste século. Por outro lado, regiões como Acre, Rondônia, Sul do Amazonas e Pará vão sofrer os efeitos de inundações mais frequentes.
Nesse sentido, os desastres relacionados às chuvas no início de 2022 evidenciam a fragilidade de algumas regiões e a vulnerabilidade aos efeitos do clima. Para a especialista em Mudanças Climáticas do WWF-Brasil, Renata Camargo, outro ponto a ser combatido no Brasil é o desmatamento. “Se o governo Bolsonaro deixar como legado um arcabouço legal que favoreça o desmatamento em uma nova escala de grandeza, como estamos vendo durante sua gestão, ele estará nos legando também um futuro no qual desastres como o que vimos em Petrópolis, no Rio de Janeiro, serão cada vez mais frequentes e destruidores”.
Em seu comunicado, o secretário-geral das Nações Unidas foi direto: “adaptação salva vidas” e “atraso significa morte”, disse ele. O novo relatório é mais um documento que não apenas reforça o que cientistas climáticos vêm demonstrando ao longo das últimas décadas, como demonstra que o desafio é maior do que o imaginado. Por isso, a janela de ação é curta.
Na divulgação do relatório, o biólogo marinho Hans-Otto Pörtner, que copreside o Grupo de Trabalho II do IPCC, afirmou: “a evidência científica é inequívoca: a mudança climática é uma ameaça ao bem-estar humano e à saúde do planeta. Qualquer atraso adicional em uma ação global coordenada perderá uma janela breve e de fechamento rápido para garantir um futuro habitável”.