Baía de Guanabara renasce, embalada pelos investimentos feitos pelo capital privado
Depois de anos de promessas vazias e gastança de dinheiro público, enfim, aparecem sinais de vida

Não tem sido fácil. O biólogo carioca especializado em fauna marinha Ricardo Gomes intensificou nos últimos meses uma experiência que até pouco tempo atrás parecia um atestado de insanidade: mergulhar na Baía de Guanabara. Há anos, o belo cartão-postal da capital fluminense é considerado impróprio para banho por abrigar águas poluidíssimas. Recentemente, porém, a volta da vida marinha tem dado sinais de que finalmente, depois de muita promessa das autoridades, quimeras que soavam como disco riscado, a célebre enseada parece renascer. Na Praia de Botafogo é possível notar numerosos cardumes de badejo e garoupa. No Flamengo e na Urca assiste-se à multiplicação de tartarugas e cavalos-marinhos, baiacus e carapebas. Mas vem da Ilha do Governador, a maior surpresa. Ali, pela primeira vez, foi detectada a presença de um polvo pigmeu, atestado de boa qualidade da água, já que o molusco costuma ser avesso a qualquer tipo de impureza. “É emocionante presenciar tudo isso”, diz Gomes. “Nos últimos trinta anos, vimos a baía quase morrer.”
A impressionante mudança é resultado direto do aumento das obras de coleta e tratamento de esgoto na região metropolitana do Rio, que aos poucos vão pondo fim ao despejo clandestino de dejetos no mar. O impulso só se tornou possível graças à aprovação do Marco Legal do Saneamento Básico, em 2020, que incentiva a participação do setor privado na prestação desse tipo de serviço. Outra medida a fazer a diferença foi a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), em 2021, que levou dinamismo e eficiência à operação. Assim, a desigual mancha urbana ao redor da Guanabara, onde cerca de 10 milhões de pessoas convivem alojadas em barracos e condomínios de luxo, passou a ser de responsabilidade da Águas do Rio. A empresa traçou um arrojado plano de recuperação que prevê investimentos da ordem de 12 bilhões de reais até 2033 para coletar e tratar o esgoto de 90% dos moradores — até agora, cerca de 3,5 bilhões de reais já foram empenhados. “O estado não tem capacidade de investir os recursos necessários” afirma Luana Pretto, presidente do Instituto Trata Brasil. “Somente com a participação do capital privado podemos resolver esse gravíssimo passivo ambiental.”

As mudanças a olhos vistos ocorrem graças a reformas perceptíveis apenas para quem acessa o subterrâneo da cidade. O Interceptor Oceânico, um túnel de 9 quilômetros de extensão, responsável por recolher grande parte do esgoto da Zona Sul da capital, ganhou capacidade máxima depois de um processo de limpeza que retirou mais de 3 000 toneladas de detritos. Com isso, o curso do fétido Rio Carioca, que antes despejava 300 litros de excremento por segundo na Praia do Flamengo, passou a ser captado. O resultado é que essa faixa de areia, há décadas vetada para banho, permaneceu balneável durante todo o mês de janeiro, transformando-se numa das praias mais concorridas do verão, graças ao mar calmo e à vista deslumbrante do Pão de Açúcar. Ali do lado, a franja de Botafogo ainda alterna períodos próprios e impróprios por conta do Rio Banana Podre, que desemboca no oceano, mas já houve uma redução de 90% no despejo de coliformes. “Mais de 100 milhões de litros de esgoto pararam de cair na baía todos os dias”, diz Anselmo Leal, presidente da Águas do Rio. “Nossa meta é quadruplicar esse número.”
Segunda maior baía do país, com 412 quilômetros quadrados, a Guanabara é alvo de um programa de despoluição desde 1994, que já consumiu mais de 4,5 bilhões de reais sem, no entanto, apresentar grandes resultados. A ineficiência do modelo de gestão e a falta de capacidade das estações de tratamento falaram mais alto. Os Jogos do Rio, em 2016, representaram outra grande oportunidade perdida. Agora, sob administração privada, usam-se até satélites para identificar vazamentos. As obras têm efeito quase imediato graças à dinâmica da baía que renova suas águas em trocas constantes com o mar aberto a cada duas semanas.
A situação é mais crítica nos pontos em que ela avança em direção ao continente, onde se concentram os municípios da Baixada Fluminense e de São Gonçalo, que despejam o esgoto in natura. A ampliação da rede de estações de tratamento promete mudar o quadro. Na Ilha do Governador, a estrutura, que operava abaixo da capacidade, está sendo recuperada e o sistema de São Gonçalo deve ser inaugurado neste ano. Na Ilha de Paquetá, a meta de coletar e tratar 100% dos dejetos já foi cumprida. “Teremos praias limpas mesmo em regiões críticas”, diz Leal. Falta muito trabalho ainda, mas já podemos comemorar: a Baía da Guanabara volta, enfim, a respirar.
Publicado em VEJA de 21 de fevereiro de 2025, edição nº 2932