Floresta em chamas: como El Niño e a mudança climática devastam a Amazônia
Seca no estado do Amazonas, que decretou situação de emergência, já é considerada uma das piores da história
A combinação entre as mudanças climáticas, o fenômeno natural El Niño e a irresponsabilidade humana fez o Amazonas mergulhar num inferno ambiental nas últimas semanas.
Com 6.991 focos de incêndios registrados somente em setembro, o Amazonas enfrentou o pior mês em área queimada de 2023.
Os dados foram divulgados pelo Programa Queimadas, criado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Se forem considerados os dados históricos coletados pelo instituto desde 1998, os números colocam esse período como o segundo pior mês de setembro no total de focos de queimadas no Amazonas que se tem notícia.
As imagens do filmmaker @nettodg mostram como tem sido o cenário de Manaus nas últimas semanas. A seca dos rios e a fumaça que invadiu a capital do Amazonas produziram cenas apocalípticas. Já tivemos índices de qualidade do ar piores que cidades da China, Índia e Paquistão. pic.twitter.com/TSefXqVWP8
— Mário Adolfo Filho (@marioadolfo) September 29, 2023
Ainda considerado recorde, setembro de 2022 contabilizou 8.659 focos.
Os últimos dois anos também tiveram área queimada muito acima da média, que para o mês de setembro é de 3.003 focos.
O mês de agosto também registrou trajetória de alta, com 5.474 focos, contra uma média de 3.532.
Efeito direto das queimadas, a qualidade do ar em Manaus foi considerada péssima nos últimos dias.
A metrópole com 2 milhões de habitantes ficou encoberta por uma nuvem tóxica de fuligem.
O elevado número de queimadas esta época do ano tem como explicação a estratégia de limpar o solo depois que uma área é desmatada para, em seguida, ser usada como pasto ou plantio.
Este ano, porém, o fogo tem se propagado com maior velocidade graças à seca severa que castiga a região Norte.
A estiagem já é considerada uma das piores que se tem notícia.
No final de setembro, o governador amazonense, Wilson Lima, decretou situação de emergência ambiental. A medida ficará em vigor por ao menos 90 dias e também já foi seguida pelo Acre.
Dos 62 municípios do Amazonas, 17 já estão em situação de emergência e 38, em alerta.
De acordo com Lima, mais de 100.000 amazonenses já são severamente afetados pela estiagem .
E o número deve piorar até o final de outubro, podendo alcançar meio milhão de pessoas sem acesso a alimentos e água potável.
Lima também afirma que a seca provavelmente vai se estender ao longo de 2024, ganhando ainda mais intensidade até o próximo ano
O agravamento, diz o governador, se dará graças ao baixíssimo nível dos rios atualmente.
Lima acredita que o próximo período de chuvas, entre novembro e março, vai ser insuficiente para recuperar a bacia hidrográfica.
Como resultado, centenas de localidades estão isoladas pelas águas cada vez mais rasas dos rios, impedindo o abastecimento de produtos básicos.
Entre as medidas já colocadas em prática está a distribuição de kits de higiene pessoal e a renegociação de dívidas de produtores rurais.
A Defesa Civil, por sua vez, está fazendo a capacitação de agentes municipais e estaduais para atender a população.
Também vem realizando a entrega de purificadores de água e aquisição de caixas d’água para a população.
O governo federal enviou uma força-tarefa para a região para ajuda humanitária.
Além disso, anunciou que vai liberar 140 milhões de reais para dragar os rios Solimões e Madeira, ambos utilizados como vias de transporte e escoamento de mercadorias.
Desde o início de 2023, quando surgiram os primeiros indícios de formação do El Niño, climatologistas de todo o mundo avisam para as consequências do fenômeno sobre a floresta amazônica.
Fenômeno que consiste no aquecimento das águas do Oceano Pacífico ao largo da costa do Peru, o El Niño altera o padrão de circulação atmosférica, o que interfere na distribuição de chuvas e na temperatura em várias partes do planeta.
Normalmente, o El Niño provoca acentuação de chuvas no Sul e Sudeste do Brasil, sudeste dos Estados Unidos, no Chifre da África e na Ásia Central.
Ao mesmo tempo, desencadeia estiagens na Austrália, Indonésia, no sul da Ásia e na região Norte do Brasil.
Ou seja, a região da Amazônia se torna mais quente e seca em períodos de El Niño.
Para efeito de comparação, durante o último El Niño, entre 2015 e 2016, cerca de 2,5 bilhões de árvores morreram devido a estiagem prolongada, o que representa 1,2% de toda florestal tropical.
Cientistas alertam que o desenvolvimento do atual El Niño pode ser ainda pior, já que acontece em meio a uma escalada nos termômetros provocada pelo aquecimento global.
O somatório dos dois fenômenos trouxe recordes de temperatura ao longo do verão do Hemisfério Norte.
Ainda de acordo com pesquisadores, devido às mudanças climáticas, a Amazônia já está 1,5ºC mais quente na comparação com o período pré-Revolução Industrial.
Além disso, possui períodos de seca maiores na comparação com os padrões da década de 1970.