Mudança para dieta vegetariana pode cortar pela metade emissões globais e salvar milhões de vidas
Estudo mostra que reduzir o consumo de carne e laticínios até 2050 pode evitar 15 milhões de mortes anuais e manter o aquecimento abaixo de 1,5°C

Um novo relatório da Comissão EAT-Lancet aponta que uma mudança global para dietas mais ricas em vegetais e com menor consumo de carne e laticínios poderia evitar até 15 milhões de mortes prematuras por ano e reduzir mais da metade das emissões do sistema alimentar até 2050.
A conclusão reforça o papel crucial da alimentação na luta contra a mudança climática e na promoção de um planeta saudável e justo.
A pesquisa, publicada nesta semana, alerta que os sistemas alimentares insustentáveis permanecem como a principal causa da transgressão de cinco dos nove limites planetários, que incluem o clima, a biodiversidade, o uso de terras, a água doce e a poluição por nitrogênio e fósforo.
Dieta planetária e metas climáticas
A Comissão EAT-Lancet, formada por especialistas em nutrição, clima, economia e agricultura de mais de 35 países, já havia proposto em 2019 a chamada “Dieta da Saúde Planetária”, um modelo alimentar predominantemente vegetal, com porções moderadas de carne e laticínios, capaz de garantir segurança alimentar a uma população global estimada em 9,6 bilhões de pessoas em 2050.
De acordo com o novo relatório, transformar os sistemas alimentares para aderir a essa dieta poderia reduzir em mais de 50% as emissões ligadas à produção e ao consumo de alimentos, que hoje representam cerca de 30% das emissões globais de gases de efeito estufa.
Os autores alertam que, se nada mudar, as emissões da alimentação serão tão altas até 2050 que poderão sozinhas ultrapassar o limite de 1,5°C de aquecimento global, mesmo que o mundo abandone completamente os combustíveis fósseis.
Desigualdade e impactos globais
Menos de 1% da população mundial vive hoje no que os pesquisadores chamam de “espaço seguro e justo”, um equilíbrio entre direitos humanos, necessidades alimentares e limites ecológicos.
O relatório revela ainda que os 30% mais ricos da população são responsáveis por mais de 70% dos impactos ambientais associados à comida, enquanto quase um terço dos trabalhadores do setor recebe abaixo do salário digno e mais de um bilhão de pessoas continuam subnutridas.
A Comissão defende que a transição alimentar precisa ser acompanhada por distribuição mais justa de recursos, benefícios e custos.
Segundo as estimativas, os ganhos econômicos de um sistema alimentar sustentável poderiam chegar a 5 trilhões de dólares por ano, dez vezes mais que o investimento necessário para promover a transformação.
Saúde, clima e equidade
Além de evitar milhões de mortes prematuras, o equivalente a 40 mil por dia, a adoção de dietas mais saudáveis traria ganhos expressivos à saúde pública e à resiliência climática.
“O que colocamos no prato pode salvar vidas, reduzir bilhões de toneladas de emissões, frear a perda de biodiversidade e criar um sistema alimentar mais justo”, afirmou Johan Rockström, co-presidente da Comissão e diretor do Instituto Potsdam de Pesquisa de Impacto Climático.
A análise reuniu os resultados de 13 grupos de modelagem independentes, que avaliaram o impacto da transformação alimentar em cinco limites planetários: clima, uso da terra, água doce, poluição por nutrientes e novas entidades, categoria que inclui pesticidas, antimicrobianos e microplásticos.
Os resultados mostraram um padrão global preocupante: dietas pobres em frutas, legumes, grãos integrais, nozes e leguminosas, e excessivas em carne vermelha, laticínios, açúcar e produtos ultraprocessados.
Caminhos para a transição alimentar
O relatório sugere oito soluções-chave para garantir uma alimentação saudável e sustentável para quase 10 bilhões de pessoas até meados do século.
Entre elas estão a proteção de dietas tradicionais e nutritivas, incentivos econômicos para alimentos saudáveis, redução do desperdício de comida e condições dignas de trabalho ao longo de toda a cadeia produtiva.
A Comissão também pede a suspensão da conversão de ecossistemas naturais em áreas agrícolas, o apoio a práticas agrícolas regenerativas e a revisão de subsídios e incentivos financeiros que hoje favorecem a produção intensiva de carne e derivados animais.
Um ponto de virada global
Para os cientistas, a transformação alimentar é o novo ponto de virada da luta climática, tão decisivo quanto a transição energética.
A mensagem é clara: sem mudanças profundas na forma como o mundo produz e consome alimentos, as metas do Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável não serão alcançados.
“Estamos em uma encruzilhada global. Governos, empresas e cidadãos precisam agir juntos para alinhar os sistemas alimentares ao bem-estar das pessoas e do planeta”, afirmou Walter Willett, professor de nutrição da Universidade Harvard e coautor do estudo.