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Para crescer, Brasil terá de apoiar os ‘indie’ games

Em entrevista a VEJA.com, especialista canadense diz que não adianta trazer para o país os grandes estúdios. O futuro, garante ele, está nas startups

Por Renata Honorato
10 dez 2012, 10h38

O mercado de tecnologia vem testemunhando uma importante quebra de paradigma. As últimas grandes revoluções surgiram de quartos universitários e de cabeças muito, muito jovens. Com os games não é diferente. Um dos fenômenos mais recentes, o Angry Birds, nasceu em uma startup modesta, na Finlândia, e hoje é umas das marcas mais populares no país – à frente da Coca-Cola e Pepsi. Para o canadense Jason Della Rocca, especialista no setor de jogos, consultor e ex-diretor da International Game Developers Association (IGDA), uma das comunidades globais mais importantes do segmento, o futuro do mercado está nesses pequenos estúdios. Della Rocca passou pelo país para participar do Brazilian International Game Festival, o Sundance dos jogos, onde atuou como consultor e mentor dos desenvolvedores independentes. Em entrevista a VEJA.com, ele detalhou o ecossistema necessário para se criar um ambiente propício à criação de novos títulos, explicou porque Montreal, no Canadá, se tornou um importante polo mundial de desenvolvimento e adiantou que pretende criar na cidade o mesmo ambiente colaborativo do Vale do Silício, mas desta vez para startups de games. Confira:

Qual a importância de um festival de jogos independentes para o setor de desenvolvimento de games no país? Um evento do tipo é importante por várias razões. A primeira é oferecer um espaço para que todos os desenvolvedores se encontrem, compartilhem experiências e aprendam juntos. Esse é um espaço dinâmico para o aprendizado. Ele é muito importante para a inovação e para o desenvolvimento da indústria. São nesses eventos que as novas ideias circulam. Outra coisa interessante é permitir que os desenvolvedores mostrem seus trabalhos para o público, que inclui desde visitantes, até governo, publishers, mentores e empresas que acreditam no setor.

Promover um festival de games no país também ajuda o Brasil a ser visto no exterior como um mercado potencial de desenvolvimento? Esses eventos servem como uma ótima “desculpa” para que especialistas estrangeiros visitem o país e conheçam a produção local de perto. Eles chamam a atenção de toda a cadeia, desde o desenvolvedor até a empresa que publica o jogo. É uma boa “desculpa” para promover o contato entre diferentes profissionais, que não só podem trocar conhecimento, como também fazer amigos.

O senhor acha que o primeiro passo para desenvolver uma indústria de games forte é apoiar o desenvolvimento independente? Com certeza. O que tenho feito nos últimos anos é criar estratégias junto ao governo de vários países em todo o mundo para o apoio da indústria independente. O mercado de games é tão interessante quanto outros setores como o de energia limpa ou biotecnologia. Esse mercado é interessante para a economia de um país. Na maior parte do mundo, a indústria de games aparece entre os cinco setores mais rentáveis para se investir. Muitas gente pensa que o mais importante é atrair grandes companhias como Electronic Arts ou Ubisoft, mas eu afirmo que esse não é o melhor caminho. O mais importante é apoiar os empreendedores e os talentos que surgem nas universidades. São eles que podem criar novos conteúdos e novos games. O ideal é criar um ecossistema que apoie a criação de novas empresas e de títulos inéditos. A Finlândia, de onde veio o Angry Birds, é um exemplo. A Rovio, desenvolvedora do jogo, é uma companhia com quase 10 anos. O seu sucesso fez com que mais de 4.000 startups de games surgissem no país só no ano passado. Isso representa 75 milhões de dólares em investimentos na Finlândia. Nenhuma multinacional do setor teria feito o mesmo pelo país no mesmo período.

Como Montreal, no Canadá, se tornou um importante destino para os estúdios de games? Montreal tem uma longa história com excelência em tecnologia e criatividade. O Cirque du Soleil nasceu lá e isso serviu para que a área de simulação e técnicas gráficas se desenvolvessem muito na região. Temos muitos engenheiros e especialistas em animação 3D, uma tecnologia usada em filmes e games. Quando os estúdios de jogos começaram a mirar Montreal, eles perceberam que, além de boas universidades, todos os profissionais da cadeia de desenvolvimento já estavam lá. Algumas companhias, inclusive, começaram a operar em Montreal no início da década de 1990. O mercado se desenvolveu muito quando a Ubisoft, de olho na América do Norte, se instalou na cidade em 2005. Claro que esse foi um passo lógico para a empresa francesa em razão do idioma. O governo ficou muito animado com a chegada da companhia e então passou a oferecer incentivos fiscais para encorajar a vinda de outras multinacionais do setor para o país. Hoje, o estúdio da Ubisoft tem mais de 2.000 funcionários em Montreal e desenvolve os principais títulos da produtora. O governo canadense, então, foi além e passou a oferecer incentivos fiscais para qualquer pessoa que tivesse interesse em trabalhar com games. Isso fez com que outras companhias, como EA e THQ, se instalassem na cidade.

Há muitos estúdios independentes em Montreal? Em Montreal não, mas em Toronto há muitos estúdios independentes. Toronto não possui grandes companhias, porque a cidade é um pouco mais cara, mas há vários pequenos desenvolvedores criando seus games em garagens. Em Toronto há uma grande comunidade indie. Como os grandes estúdios estão em Montreal, a maioria dos desenvolvedores acaba sendo absorvido pelas empresas. Se você é um desenvolvedor é muito fácil conseguir um emprego nessas multinacionais. A dinâmica é diferente.

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O senhor é fundador da Perimeter Partners, uma consultoria especializada na indústria de jogos eletrônicos. Quem são seus clientes? A empresa, em outras palavras, sou eu mesmo. Por muitos anos eu fui diretor executivo da International Game Developers Association (IGDA) e há quatro anos decidi montar uma consultoria. Meus clientes, no geral, são governos de diversos países do mundo interessados em expandir seus mercados de games. Ajudo no desenvolvimento de estratégias de fomentação de um ecossistema propício para essa nova economia. Também trabalho para produtoras na criação de modelos de negócio. Ajudei na concepção de um museu de games em Roma totalmente patrocinando pelo governo italiano. Já no Peru trabalhei em um projeto voltado à educação. Recentemente, me envolvi em um programa de arrecadação de investimentos para a incubação e para a aceleração de startups de games independentes em Montreal. Estamos tentando conseguir esses aportes com angels e venture capitals.

Uma espécie de Vale do Silício para os games? É mais ou menos isso. Buscamos pequenos – mas diversos – investimentos para novas startups. É muito difícil saber qual game se transformará em um grande título. O ideal é apostar em todas as companhias para saber qual delas vai fazer sucesso. Em Montreal é muito fácil ser contratado com um bom salário por uma EA ou por uma Ubisoft, então queremos criar um ambiente diruptivo para que possamos incentivar o empreendedorismo.

O senhor já trabalhou diretamente no desenvolvimento de um game? Não, não. Antes de ir para a IGDA eu trabalhei em companhias de softwares, onde lidava com desenvolvedores de jogos, mas nunca estive diretamente ligado à produção de um título específico. Nos últimos 17 anos tenho atuado mais nos bastidores dessa indústria.

Em qual país do mundo está a maior concentração de estúdios de games independentes? Depende muito da forma como vamos abordar o que é “indie”. Para alguns especialistas, a estética é o que faz de um jogo “indie”. Esse é o caso, por exemplo, dos games autorais, mais filosóficos e voltados à arte. Há ainda quem considere “indie” as empresas independentes, como a Valve, desenvolvedora do Half-Life.

Onde estão os estúdios que desenvolvem esses jogos autorais? Toronto, no Canadá. Também temos muitos estúdios “indie” na Escandinávia (Suécia, Finlândia e Dinamarca). Há muita produção desse gênero nos países nórdicos. Já na Ásia é mais raro encontrar esses games autorais. Encontrei alguns estúdios no Brasil, mas é nos Estados Unidos onde está a maior quantidade de desenvolvedores independentes.

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O que é necessário fazer no Brasil para aumentar o número de desenvolvedores locais? Para se criar um ecossistema vibrante no país é preciso que exista colaboração e comunicação entre três setores: indústria, governo e academia. Cada um desses três personagens precisa conversar entre si. Eu acho que no Brasil esse ecossistema ainda não existe, mas há potencial. Por causa das novas plataformas, como smartphones e tablets, a indústria em todo o mundo está passando por muitas mudanças. O mercado precisa se renovar, porque o cenário é diferente do que víamos poucos anos atrás. O Brasil precisa de apoio do governo, de investimento para as novas startups e também de ambiente mais propício ao empreendedorismo. Porque se um game falhar, tudo bem. Muita coisa foi aprendida nesse processo. É preciso que se crie uma conexão com as universidades, porque trabalhar em uma startup não é a mesma coisa que trabalhar na EA. Esses profissionais precisam ser treinados para essa nova dinâmica. O governo pode apoiar essas novas empresas levando os profissionais para eventos como a Game Developers Conference (GDC), que acontece anualmente em São Francisco, para fechar negócios, ou mesmo para encontros na Europa. O mais importante, contudo, está na descoberta de novos talentos e no desenvolvimento de novas propriedades intelectuais (IP).

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