Enquanto bombas caem em Trípoli, briga política esquenta
Prédio próximo à casa de Kadafi é destruído. Países brigam em torno de trégua já desmentida. E a ONU pede à comunidade internacional que adote 'voz única'
De acordo com os EUA, “não há indícios de vítimas civis” nas regiões da Líbia atacadas por aviões e mísseis da coalizão, ao contrário do que afirmam os líbios
Fortes explosões marcaram a noite de domingo e a madrugada desta segunda-feira em Trípoli, onde um edifício do complexo residencial do ditador Muamar Kadafi foi destruído por um míssil da coalizão ocidental. A ofensiva estrangeira teve seu início no sábado, com o objetivo de conter os ataques contra a população civil nas zonas rebeldes. O céu da capital foi tomado por aviões da coalizão procedentes de bases na Itália e pelos disparos da defesas antiaérea líbia. Um porta-voz das forças militares líbias chegou a anunciar um cessar-fogo no domingo, atendendo a um pedido da União Africana (UA). A coalizão ocidental, porém, desmentiu a existência de uma trégua.
O conselheiro de Segurança Nacional do presidente americano Barack Obama, Tom Donilon, afirmou que o anúncio líbio é “uma mentira” e que já tinha sido violado pelas próprias forças de Kadafi. De acordo com os americanos, o bombardeio que atingiu o prédio do complexo de Kadafi, no bairro de Bab el Aziziya, em Trípoli, não foi uma tentativa de matá-lo – segundo a Casa Branca, essa não é uma das metas da operação. O prédio, situado a cerca de 50 metros de uma tenda onde Kadafi costuma receber seus convidados mais importantes, foi totalmente destruído. O porta-voz líbio Musa Ibrahim confirmou aos jornalistas estrangeiros que o local foi atingido por um míssil.
“Foi um bombardeio bárbaro, que poderia ter atingido centenas de civis congregados na residência de Muamar Kadafi, a cerca de 400 metros do prédio atingido”, disse ele. “Os países ocidentais dizem querer proteger os civis, mas atacam uma residência onde sabem que há civis.” No Pentágono, o vice-almirante Bill Gortney garantiu que o objetivo dos ataques da coalizão não é o coronel Kadafi. “Posso garantir que ele não figura na lista dos nossos alvos. Não visamos sua casa.” De acordo com o militar, “não há indícios de vítimas civis” nas regiões da Líbia atacadas por aviões e mísseis da coalizão, ao contrário do que afirmam os representantes do regime do ditador.
O ataque ao prédio próximo à casa de Kadafi não foi o único no bairro de Bab el Aziziya. O bombardeio sacudiu essa região da capital na noite de domingo. As forças britânicas confirmaram participação em um “ataque contra sistemas líbios de defesa antiaérea”, lançando, a partir do Mediterrâneo, mísseis Tomahawk. Segundo o almirante Gortney, os ataques tentam acabar com a defesa antiaérea líbia, que foi “fortemente atingida” pelos aviões e mísseis da coalizão. Eliminando as defesas antiaéreas, a coalizão conseguirá, de fato, instalar a zona de exclusão aérea sobre o país, como pede a resolução aprovada na semana passada pelo Conselho de Segurança da ONU.
Voz única – Apesar dos pesados bombardeios, a Itália negou que a coalizão internacional tenha iniciado uma guerra contra a Líbia. “É só a aplicação, na íntegra, da resolução da ONU”, disse o ministro das Relações Exteriores italiano Franco Frattini antes de uma reunião dos chefes da diplomacia dos países da União Europeia (UE). No domingo, o secretário-geral da Liga Árabe, o egípcio Amr Musa, havia criticado os bombardeios da coalizão internacional, por considerar que eles se afastaram do objetivo inicial de impor uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia. A Alemanha, que não participa da operação, reiterou que tem sérias dúvidas sobre os bombardeios ao país.
Preocupado com a clara divisão da comunidade internacional em torno da situação na Líbia, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, afirmou nesta segunda-feira, no Cairo, que as divergências precisam ser rapidamente resolvidas. De acordo com ele, “é importante que a comunidade internacional fale com apenas uma voz sobre o cumprimento da resolução da ONU” – uma referência direta às brigas e discordâncias sobre como garantir o cumprimento do texto aprovado no Conselho de Segurança. A resolução afirma que os outros países estão autorizados a intervir militarmente na Líbia com o objetivo central de proteger os civis inocentes das retaliações do regime de Kadafi.
(Com agência France-Presse)
Leia no Blog de Nova York, por Caio Blinder:
Não sabemos ainda, é claro, qual será o resultado desta intervenção na Líbia. Faltou combinar com o inimigo para que houvesse uma rápida campanha e sua saída do poder, de preferência morto ou deposto num golpe palaciano. Isto evidentemente é possível. Houve uma aposta precipitada que os rebeldes marchariam para Trípoli. Isto ainda pode acontecer. Mas quanto mais se prolonga o conflito, mas difícil será manter a coalizão e o sonho de Obama é cair fora o mais cedo possível. Afinal, a Líbia talvez não seja a única Líbia nos próximos tempos.