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Os desbravadores da Via Láctea

VEJA conversou com três dos maiores caçadores de exoplanetas, William Borucki, Stéphane Udry e Geoffrey Marcy. Eles vasculham a galáxia em busca de resposta para a seguinte questão: estamos sozinhos?

Por Marco Túlio Pires
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h35 - Publicado em 26 Maio 2012, 21h07

“Ficaríamos muito surpresos se a vida não existisse em outros lugares fora do Sistema Solar” – William Burocki, cientista-chefe da missão Kepler

William Borucki, Stéphane Udry e Geoffrey Marcy. Certamente, esses não são nomes muito conhecidos. Contudo, se um planeta idêntico à Terra for encontrado num futuro próximo, a descoberta provavelmente será assinada por um deles. Por quê? A ciência já confirmou a existência de 767 exoplanetas, como são chamados os mundos fora do Sistema Solar. Mais da metade deles foi descoberta por esses três astrofísicos. Eles operam os mais modernos instrumentos, dentro e fora da Terra, para responder à seguinte questão: estamos sozinhos no universo?

A caçada por exoplanetas começou como um movimento teórico na década de 1970, ganhou força na década seguinte e deslanchou de vez em 1995, quando o astrofísico suíço Michel Mayor encontrou um exoplaneta orbitando uma estrela parecida com o Sol, o 51 Pegasi b, feito inédito até então. Desde então, vários equipamentos foram construídos para encontrar esses mundos distantes.

De todos os maquinários construídos para caçar planetas em atividade, é possível destacar um no espaço e dois em terra. Orbitando o Sol, no mesmo caminho que a Terra percorre todos os anos, encontra-se o telescópio espacial americano Kepler. Aqui na Terra, dois detectores de exoplanetas – HARPS e HIRES – estão instalados no telescópio de La Silla, no Chile, e no telescópio Keck, no Havaí, respectivamente.

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51 PEGASI B

51 Pegasi b foi o primeiro exoplaneta descoberto orbitando uma estrela parecida com o Sol. Ele está a 50 anos-luz da Terra na constelação de Pégasus. É o primeiro mundo de uma nova classe chamada ‘Júpiters quentes’, gigantes gasosos que estão bem próximos de suas estrelas-mãe.

CANDIDATO VS. CONFIRMADO

Um exoplaneta é ‘candidato’ quando sua existência carece de confirmação por meio de técnicas complementares. Um candidato encontrado pelo telescópio especial Kepler, por exemplo, normalmente é confirmado por outro equipamento, como o HIRES, no telescópio Keck, no Havaí. Isso acontece porque a descoberta de um exoplaneta pode ser um ‘falso positivo’, quando os dados apontam para a existência de um mundo, mas na verdade trata-se de outra coisa a ser investigada.

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COMO OS EXOPLANETAS SÃO ENCONTRADOS?

São duas as principais técnicas para encontrar exoplanetas. A técnica de trânsito, utilizada pelo telescópio espacial Kepler, mede a variação na luminosidade da estrela quando um planeta passa em frente a ela. A técnica de velocidade radial, utilizada pelo HARPS e pelo HIRES, calcula a perturbação que um planeta causa ao orbitar uma estrela.

Leia mais: Saiba como os exoplanetas são encontrados

O desbravador- William Borucki é o cientista-chefe da missão Kepler. É também uma espécie de desbravador entre os caçadores de planetas. Não fosse sua teimosia, é possível que nenhum dos candidatos a exoplanetas apontados pela missão estivesse sob o escrutínio da comunidade científica.

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Foi Borucki quem insistiu na construção de um telescópio espacial para encontrar exoplanetas. No fim da década de 1980, Borucki defendeu a ideia em uma complicada apresentação em que descreveu como construir uma sonda para encontrar exoplanetas. Na opinião de um proeminente pesquisador que estava na plateia, o plano era loucura. “O senhor cometeu um erro, isso nunca vai funcionar”, disse.

Borucki insistiu mesmo assim, e o projeto acabou servindo de base para a construção do telescópio espacial Kepler. O “erro” permitiu a descoberta, até o momento, de 2.321 candidatos a exoplanetas, 60 deles confirmados, de acordo com o Nasa Exoplanet Archive, um dos grandes bancos de dados que fazem a contagem dos novos mundos fora do Sistema Solar.

A celebridade – Geoffrey Marcy, maior usuário (o astrônomo com maior tempo disponível) do HIRES, é a estrela, com o perdão do trocadilho, dos caçadores de planetas. Dos 100 primeiros encotrados pelo homem, 70 estão na conta de Marcy. Seu grupo, na Universidade da Califórnia em Berkeley, já encontrou 200 exoplanetas. Para ele, o mais interessante é o Kepler-10 b, o primeiro exoplaneta rochoso e que orbita uma estrela parecida com o Sol confirmado pela ciência. O astro foi apontado pelo telescópio Kepler e confirmado pelo HIRES, em 2011.

Os astrofísicos acreditam que o Kepler-10 b é uma espécie de elo perdido entre os planetas rochosos e os gigantes gasosos. “Não sabemos se ele sempre foi um planeta rochoso”, diz Marcy em entrevista a VEJA. O exoplaneta é apenas 40% maior do que a Terra, mas possui 4,5 vezes a sua massa. Isso quer dizer que ele é muito mais denso que o nosso planeta. “É possível que o Kepler-10 b seja o núcleo de um planeta que um dia foi gasoso, como Netuno”, diz.

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O eficiente – Dos 767 exoplanetas confirmados até agora, apenas quatro são potencialmente habitáveis. Ou seja, esses mundos orbitam suas estrelas a uma distância tal que permite a existência de água na forma líquida em sua superfície, ingrediente necessário à vida como a conhecemos. Três desses mundos foram descobertos pelo astrofísico suíço Stéphane Udry, diretor do Observatório da Universidade de Genebra.

Udry é o maior usuário do HARPS. Em 2007, Udry publicou a descoberta do primeiro planeta orbitando a zona habitável de uma estrela, a Gliese 581 a 20 anos-luz da Terra na constelação de Libra. O terceiro planeta orbitando a estrela, chamado Gliese 581 d, se encontra na região mais quente da zona habitável. “Se a atmosfera do Gliese 581 d for rarefeita, é possível que esse planeta tenha condições necessárias à formação de vida”, diz Udry.

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Milênios – Ainda que a caçada por exoplanetas inspire números cada vez maiores de cientistas – o campo conta com 92 missões em terra e 27 no espaço, vigentes e futuras – é possível que os frutos dessa empreitada sejam colhidos apenas por gerações daqui a milhares de anos. “Estamos vencendo apenas o primeiro degrau de uma escada longa, muito longa”, reflete Burocki.

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“Precisamos definir qual é a frequência de exoplanetas parecidos com a Terra em nossa galáxia. Se esse índice for de 10% ou 30%, por exemplo, quer dizer que a vida existirá em abundância na nossa galáxia”, diz. “Por outro lado, se encontrarmos apenas uma ou duas gêmeas da Terra entre as centenas de milhares de estrelas que estamos investigando, isso significará que o nosso caso é uma raríssima exceção.”

Arte VEJA – Planetas potencialmente habitáveis ()

O primeiro degrau da escada é definir a frequência de planetas que têm um tamanho parecido com o da Terra e orbitam as zonas habitáveis de suas estrelas. O segundo é determinar quais desses planetas têm atmosferas com gases com oxigênio ou nitrogênio. “Em seguida, enviaremos uma sonda até lá”, diz Burocki.

Para tanto, a tecnologia ainda deverá evoluir muito. Há 40 anos, o homem enviou a mais moderna sonda da época, a Voyager, para investigar os limites do Sistema Solar. Em quatro décadas, ela mal deixou o “bairro” – viajou, em escala astronômica, apenas 0,001 ano-luz. “Pensar em uma sonda que vai chegar a uma estrela, por exemplo, a 20 anos-luz da Terra, é algo inconcebível para qualquer de nossos filhos, netos ou bisnetos”, diz Burocki. “Levará milênios.”

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Vida – A procura por exoplanetas é uma tentativa de entender a formação do Sistema Solar e da própria Terra. Ao estudá-los, amplia-se o conhecimento sobre o nascimento, desenvolvimento e morte de outros sistemas planetários, o que pode dizer muito sobre o passado, presente e futuro dos terráqueos.

Mas os cientistas não estão buscando, nesse exato momento, vida microscópica ou inteligente fora do Sistema Solar. Essa busca está sendo feita primeiro em Marte, o vizinho mais próximo da Terra. É o que atual tecnologia de exploração espacial permite. O que os caçadores de exoplanetas estão procurando é, antes, mundos fora do Sistema Solar capazes de suportar a vida.

Tem cientista que descarta a existência de vida – pelo menos vida inteligente – fora da Terra. Mas para os três astrofísicos, a busca é promissora. “Os processos para a formação de vida ocorrem aos montes e existe uma infinidade de exoplanetas”, afirma Udry. “Basta juntar uma coisa com a outra”, diz Burocki. “Ficaríamos muito surpresos se a vida não existisse em outros lugares fora do Sistema Solar”.

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