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O adeus a Claudio Abbado, o CEO da excelência musical

Morte do maestro italiano é lamentada por músicos e admiradores

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 20 jan 2014, 19h16

No cenário da música clássica, o nome do maestro Claudio Abbado, morto nesta segunda-feira de um câncer no estômago, aos 80 anos, sinaliza respeito e admiração. O regente italiano, natural de Milão, comandou algumas das orquestras mais relevantes do mundo, entre elas a Filarmônica de Berlim, para muitos considerada a mais importante entre todas, e deixou um legado a ser lembrado pela história da música erudita. Não apenas por seu talento com as batutas, mas também por sua habilidade em gerir pessoas dentro de um meio marcado por altos níveis de excelência e de exigência e povoado por egos muitas vezes difíceis de domar — nos anos 1990, por exemplo, um trompista foi ameaçado com faca pelo colega que o substituiu em uma apresentação, num dia de folga, tudo porque disse ao rival que ele havia tocado alto demais alguns trechos de uma peça. Abbado sabia não apenas comandar trupes inteiras de músicos — e foram muitas as que dirigiu –, como também garantir que mantivessem a qualidade.

“A perda de Abbado é irreparável”, escreveu Norman Lebrecht, escritor e crítico cultural britânico especializado em música, em uma homenagem feita em seu site oficial ao maestro. “Ele alcançou os maiores postos da alta cúpula musical da Europa e marcou cada orquestra em que atuou com as qualidades da sua personalidade.”

A opinião de Lebrecht, uma das maiores autoridades em música erudita, é compartilhada pelo maestro brasileiro Jamil Maluf, apresentador do programa Intérprete na rádio Cultura FM. “A principal contribuição de Abbado à música clássica foi o respeito que ele tinha pela obra do compositor, pela partitura, pela proposta original de cada obra”, diz Maluf.

História – Filho de um professor de violino e de uma pianista, Claudio Abbado teve sua iniciação musical aos 8 anos, quando aprendeu a tocar o instrumento do pai. O amor pela regência surgiria pouco depois, no início da adolescência, quando o italiano, natural de Milão, assistiria a uma apresentação da orquestra do teatro Scala, uma das mais famosas casas de ópera do mundo, que ele viria a dirigir em 1972. Além do Scala de Milão, o maestro colocaria em seu currículo a Ópera de Viena, a Orquestra Sinfônica de Londres e a ilustre Filarmônica de Berlim.

Sua carreira começou a tomar forma nos anos 1960, quando venceu um concurso que o levaria a trabalhar por dois anos como assistente do maestro Leonard Bernstein, na Filarmônica de Nova York. Em 1965, ficou conhecido internacionalmente por sua atuação no Festival de Salzburgo, em que dirigiu uma execução da Segunda Sinfonia de Mahler realizada pela Filarmônica de Viena.

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O sucesso da apresentação o levou de volta em definitivo à Europa, onde em 1968 ele assumiu a orquestra do Scala de Milão e lá ficou por quase 20 anos. No período em que comandou o grupo, acumulou funções em diferentes orquestras pelo mundo, como a Orquestra Juvenil da União Europeia (1978), a Orquestra Sinfônica de Londres, entre 1983 a 1986, e a Orquestra Juvenil Gustav Mahler (1986), confirmando a sua habilidade na gestão dos complicados profissionais que podem ser os músicos. “Ele era um maestro efetivo em qualquer tipo de orquestra, desde as mais experimentadas até as mais jovens no mundo”, conta Maluf.

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Com o fim do mandato no teatro de Milão, Abbado assumiu a direção da Ópera de Viena, onde ficaria até 1989, quando aceitou o convite para dirigir a Filarmônica de Berlim, após a morte de Herbert Von Karajan. “Um dia, um representante da filarmônica alemã ligou para a minha casa perguntando o que eu faria se fosse eleito regente da orquestra”, contou Abbado em entrevista exclusiva à revista VEJA, em 2000. “Disse que gostaria de fazer música de alta qualidade e acrescentei que abominava a figura do regente general. Não sei se foi por isso que ganhei o cargo.”

De fato, o italiano desde o início se impôs como o oposto de Karajan, maestro famoso por sua rigidez, que em certa ocasião chegou a dizer aos músicos que gostaria de jogar gasolina em todos e queimá-los vivos. Abbado desembarcou em Berlim pedindo para ser chamado pelo primeiro nome, Claudio, e prometendo uma relação mais horizontalizada, na medida do possível, com os músicos. Irritou-os, porém, por não se fazer entender sempre e por investir menos nas gravações de discos, que serviam de complemento salarial para a orquestra. Desgastado, pediu para sair em 2002.

Ao sair por vontade própria, ele se tornou o primeiro regente a deixar o cargo na orquestra alemã. Seus antecessores morreram no posto. “Ele ficou conhecido por deixar empregos por princípios musicais. Muito ainda será dito sobre a qualidade da música que ele fez”, pontuou Lebrecht no texto publicado em seu site.

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https://youtube.com/watch?v=QAMxkietiik%3Frel%3D0

Filarmônica de Berlim

Fundada em 1882, a Filarmônica de Berlim é a mais respeitada orquestra do mundo. Por ela, passaram grandes nomes como o austríaco Herbert von Karajan, maestro autoritário que é considerado um dos mais importantes do século XX, e que a conduziu entre 1955 e 1989. Nesse período, a filarmônica alcançou um nível de excelência único, reconhecido até hoje em todo o mundo. Sua qualidade excepcional é resultado dos rígidos processos de seleção de seus profissionais e de uma rotina diária de ensaios extremamente rigorosa, que leva o grupo de mais de 100 músicos a beirar a perfeição na execução das obras. Com Karajan, a orquestra se dedicou a levar suas performances para discos e CDs e registrou o repertório clássico em gravações antológicas. Claudio Abbado sucedeu Karajan e ficou à frente da filarmônica de 1990 a 2002. Embora tenha reduzido as investidas em gravações, o italiano teve seu trabalho à frente da orquestra registrado em discos incríveis como Mahler: Symphony No 3, de 1999, e Schumann: Scenes from Faust, de 1994.

https://youtube.com/watch?v=VwXeu77_Vf8%3Frel%3D0

Scala de Milão

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O Teatro alla Scala foi inaugurado em 1778, em Milão. Criado para executar óperas italianas, a partir do início do século XX, sob a direção de Arturo Toscanini, o teatro e sua orquestra foram abrindo espaço para o trabalho de compositores de outras nacionalidades e para obras sinfônicas e balés, o que fez da diversidade uma de suas características mais importantes. O Scala recebeu os principais músicos e intérpretes da história da música clássica, como a soprano Maria Callas e o bailarino Rudolf Nureyev. Claudio Abbado assumiu a direção musical do teatro em 1968 e, além de vasculhar o repertório clássico italiano, fez a casa acolher compositores contemporâneos, como Schoenberg e Stockhausen. A orquestra do Scala é formada por 135 músicos e já foi conduzida por alguns dos maestros mais importantes das últimas décadas, como o próprio Toscanini, Herbert von Karajan e Leonard Bernstein. Em 1982, Abbado fundou a Filarmônica do Scala para desenvolver o repertório sinfônico da casa.

https://youtube.com/watch?v=BLSGFNGhnYU%3Frel%3D0

Orquestra Sinfônica de Londres

Reconhecida por sua diversidade e flexibilidade, interpreta de compositores clássicos a contemporâneos e é responsável pela gravação original da trilha de filmes como Guerra nas Estrelas, composta por John Williams, compositor americano especializado em trilhas para o cinema. Leonard Bernstein foi intimamente ligado à LSO (sigla para a orquestra em inglês) da década de 1960 até sua morte, em 1990, e Abbado foi o principal condutor do grupo de 1979 e 1987, período em que excursionou constantemente, incluindo uma turnê mundial em 1983. O italiano também foi seu diretor musical entre 1984 e 1987.

https://youtube.com/watch?v=ZPJ1cMSqhKw%3Frel%3D0

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Ópera de Viena

Um das principais casas de ópera do mundo, ela data do século XIX. Ao contrário do Scala de Milão, que expandiu seu repertório para incluir concertos sinfônicos, a Ópera de Viena seguiu se dedicando a óperas e balés. Em sua história, a orquestra foi conduzida por grandes nomes da música como Gustav Mahler  (1897–1907) e Herbert von Karajan (1956–1964). Abbado foi seu diretor musical e maestro entre 1986 e 1991. 

Pós-filarmônica – A saída da Filarmônica de Berlim coincidiu com a descoberta do câncer no estômago. A doença, no entanto, não o impediu de continuar a criar e liderar talentos em diferentes lugares do mundo. Entre seus últimos feitos, está a direção da Orquestra Juvenil Simón Bolívar, na Venezuela, em 2010. Até o ano passado, comandava a orquestra Mozart de Bolonha, criada por ele em 2004.

Abbado também é visto na Itália como revolucionário por seus projetos para levar a música clássica a prisões e hospitais. Uma de suas preocupações era divulgar o estilo fora de teatros elitizados, para que jovens e marginalizados fossem atingidos.

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Para selar tal desejo, o maestro abdicou de seu salário parlamentar, oriundo de sua nomeação como senador vitalício em agosto de 2013 pelo presidente da Itália, Giorgio Napolitano, para dedicar o valor ao financiamento de bolsas de estudos para jovens músicos de uma escola de Fiesole, na região da Toscana.

“O legado que Abbado deixa para a música clássica é a prova de que é possível conjugar tradição com modernidade”, diz Leonardo Martinelli, compositor e professor da Escola Municipal de Música, do Theatro Municipal de São Paulo. “Ele trouxe um colorido mais intenso para o estilo e instaurou uma nova era na regência orquestral do século XX.”

(Colaborou Juliana Zambelo)

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