Ouvidor da polícia quer PMs mais ‘diplomáticos’ na USP
Luiz Gonzaga Dantas discutirá com reitor formas de reduzir a tensão entre alunos e agentes. E garante: questionar convênio com PM está fora de questão
“O policial foi treinado para agir com a razão frente ao cidadão, mesmo diante de um cidadão que diga algo que ele não goste, como aconteceu neste caso da USP”
A atuação da Polícia Militar dentro da Universidade de São Paulo (USP) será colocada em debate pela ouvidoria das polícias do estado. O foco das discussões não será a retirada dos agentes do câmpus – ideia pleiteada por um grupo minoritário, porém ruidoso, de alunos e funcionários ligados a sindicatos – mas sim uma revisão do perfil dos agentes que fazem a segurança da universidade. Em entrevista ao site de VEJA, o ouvidor das polícias de São Paulo, Luiz Gonzaga Dantas, defendeu que os policiais sejam mais diplomáticos no trato com os estudantes. “Queremos discutir com o reitor a presença da polícia na USP e não questioná-la”, disse Dantas.
Ficou claro na segunda-feira que o clima de animosidade entre alguns alunos e a PM persiste na USP. Um vídeo divulgado por alunos (veja abaixo) mostra um policial agredindo e apontando a arma para um estudante dentro da Cidade Universitária. O caso ocorreu enquanto a PM tentava fechar o prédio que abrigava a sede do Diretório Central dos Estudantes (DCE) Livre da USP. Os conflitos começaram em 27 de outubro, quando alunos causaram um tumulto para tentar impedir que a polícia levasse para a delegacia três estudantes que fumavam maconha no câmpus. Desde então uma fração dos estudantes e funcionários da USP fomenta confrontos com a PM.
A presença da Polícia Militar no câmpus é assegurada por um convênio assinado pela corporação com a reitoria em setembro de 2011, depois que um aluno de Ciências Atuariais foi morto no estacionamento da universidade. E Dantas garante: retirar os policiais da universidade está fora de questão.
Abaixo, os principais trechos da entrevista concedida por Dantas, ouvidor das policias Militar e Civil há dois anos e especialista em segurança pública:
Como o senhor vê o caso ocorrido na segunda-feira na USP? Segundo o convênio feito entre a reitoria da USP e a Polícia Militar, os agentes designados para a segurança do câmpus seriam policiais mais diplomáticos, com maior facilidade de lidar com os alunos. Não estou discutindo a existência do convênio. Isso é uma questão entre reitoria e PM. O que houve na segunda-feira na USP foi uma ação condenável e os policiais jamais poderiam ter agido de forma agressiva. Eles infringiram as normas de segurança e a Constituição Federal, que prevê que a polícia faça a prevenção do crime ou que reprima o crime. O sargento não estava diante de nenhuma das duas situações.
O que a ouvidoria das polícias fará a respeito? A ouvidoria tem o dever de fiscalizar a ação dos policiais. O conselho da ouvidoria decidiu realizar uma reunião com o reitor da USP, João Grandino Rodas. Nosso objetivo é levar ao conhecimento do reitor a preocupação da ouvidoria com a tensão entre estudantes e policiais, assim como as denúncias que recebemos envolvendo as duas partes. Queremos discutir com o reitor a presença da polícia na USP e não questioná-la.
Como seriam esses policiais mais diplomáticos? A nossa polícia foi criada na época do Império e tinha função similar a de um exército, ou seja, de reprimir movimentos populares. Esta polícia não atende mais às demandas da sociedade. É necessário reformar a polícia para que ela cumpra o seu principal compromisso: proteger o cidadão. A sociedade é civil, logo é preciso uma polícia civil para protegê-la. Isso não é uma ideia minha. Essa decisão foi tomada na Conferência Nacional de Segurança Pública de 2009. Na conferência, foi votada uma reforma da polícia. Está escrito na Constituição que a função do estado é proteger o cidadão, e não reprimi-lo. A força bruta é incompatível com a natureza da universidade, que é um espaço de sabedoria e conhecimento. É preciso outra polícia para tratar de situações como essa.
Em que circunstâncias um policial pode sacar a arma, como o que aconteceu na USP? O policial agiu totalmente contra o que manda a formação da própria polícia e o que manda a lei. A lei diz que o policial só deve usar a arma em última instância, ou seja, se for agredido e correr risco de vida. Estes policiais jamais poderiam agir daquela forma porque ali eles representam o estado. Naquele momento, quem estava agredindo o estudante era o estado. Não interessa que o policial estava sob forte emoção. A formação dele é para agir conforme a razão. Ele foi treinado para agir com a razão frente ao cidadão, mesmo diante de um cidadão que diga algo que ele não goste, como aconteceu neste caso da USP.
O senhor conversou com esses policiais? Eu liguei para o comandante da Polícia Militar, coronel Álvaro Camilo, que me disse que soube do ocorrido pelo Youtube.
Então os policiais não comunicaram o ocorrido? Exatamente. Ele me disse que, tanto o sargento como o soldado, foram buscados em suas casas e estavam sendo ouvidos pelo comando. O coronel me disse que a corregedoria abriu dois processos: um administrativo e um penal. De acordo com o apurado pela Polícia Militar iria-se delimitar a pena dos dois policiais envolvidos no caso.