Moradores resistem a deixar as áreas de risco
Defesa civil ainda tenta convencer quem não acredita no perigo. Na semana que vem, a desocupação entra na fase final, e pelo menos mil casas serão demolidas
“Esse documento é nada para mim. Vou consertar a minha casa e pular para dentro. Quero ver um macho me tirar depois”
“Vou reconstruir e voltarei. Não vou ficar como cigano.” O caseiro Devair Santos Pinto, de 42 anos, estava revoltado com a interdição de sua casa pela Defesa Civil de Teresópolis, feita na última quinta-feira. Com o laudo da prefeitura em mãos, onde constava que o seu barraco, no bairro Campo Grande, não poderia ser habitado novamente, ele gritou. “Esse documento é nada para mim. Vou consertar a minha casa e pular para dentro. Quero ver um macho me tirar depois. Esse papel é uma posição? Qualquer um rabisca. Isso aqui tem que pegar e rasgar”, esbravejou em alto som para que ninguém ao seu redor deixasse de escutar – inclusive os homens da Defesa Civil.
A casa de Devair é uma das quatro mil casas interditadas depois da trágica madrugada do dia 12 de janeiro, quando a chuva matou 355 pessoas na cidade, deixando em seu rastro de destruição 6.700 desabrigados e mais de nove mil desalojados. Foi uma medida emergencial, que abrangeu diversos bairros, sem análise da situação de cada imóvel. Agora, o trabalho está entrando numa fase decisiva. Há uma semana, a prefeitura começou a ir a cada localidade do município para fazer uma inspeção detalhada e dar, ou não, o “termo de interdição”. As equipes, em um total de cem homens, se dividem por bairro, para que todos sejam visitados, uma vez que não se sabe mais o que é área de risco após a forte chuva que castigou Teresópolis. Ao final dessa etapa, a Defesa Civil interditará definitivamente as casas que não têm mais condição de ser habitadas – e pelo menos mil delas serão demolidas. Mas ninguém quer acreditar que a sua estará nessa lista. Muitos dos que saíram enxotados pela enchente acabaram voltando. “O mais difícil agora é fazer a pessoa entender que não pode ficar em casa”, diz o secretário de Meio Ambiente e Defesa Civil da cidade, coronel Flávio Castro.
O trabalho é difícil para os técnicos da Defesa Civil. Eles tentam confortar o morador, dizem que o laudo não é definitivo, que outra equipe vai voltar para nova verificação. Fazem comentários genéricos, para não ser o portador da notícia de que o interlocutor passará da condição de desalojado à de desabrigado. A impressão de que a fala do engenheiro não seria um ponto final deixou a vizinhança menos tensa. “A área está toda interditada. A olho nu dá para ver que é arriscado morar aqui”, diz o engenheiro da prefeitura André Luiz Garbelotto, diante da reclamação de que ele deu um laudo sem entrar na casa.
Na semana que vem, a Empresa de Obras Públicas do Estado começará a ir até as casas para ver se o dono prefere candidatar-se a receber aluguel social, ser indenizado ou partir para a compra assistida – programa de reassentamento em local seguro, com ajuda do governo do estado. Assistentes sociais entrarão em campo para convencer os moradores a deixar suas moradias, e o conselho tutelar levará as crianças. Se ainda assim, não saírem, a polícia vai retirá-los.
A expectativa de todos para que um novo grupo chegue para vistoriar e dizer que a moradia está liberada acabará logo. Após a força-tarefa montada pelos órgãos públicos, o momento mais difícil ainda estará por vir. No final da próxima semana, as demolições começarão. E todas as esperanças irão se somar às pedras que rolaram das montanhas, aos móveis estragados e aos pedaços da estrutura das casas que caíram anteriormente. Tudo para o chão.