A tropa de choque a serviço da comunicação
Bem treinados, secretário e cúpula da segurança do Rio sobreviveram intactos à saraivada de entrevistas em cadeia nacional sobre a ocupação do Alemão
“Quem quiser se entregar que faça-o agora”, sugeriu o comandante da PM, criando um epíteto da ocupação do Complexo do Alemão
As imagens de traficantes em fuga, homens fortemente armados e veículos militares galgando posições na favela vão ficar gravadas na memória de quem acompanhou a batalha do Alemão. Nunca o trabalho da polícia foi tão explorado em imagens, com direito a transmissão em cadeia nacional de TV e um contingente de comentaristas capaz de expor ao vivo os sucessos e fracassos da operação. Enquanto 2.700 homens conquistavam o Alemão, uma tropa de não mais que meia dúzia de policiais era escalada para uma missão não menos complexa: explicar para o grande público e um pelotão de jornalistas os movimentos da maior ação policial de que se tem notícia no Brasil.
Para quem estava acostumado a ver policiais assassinando plurais e chamando criminosos de “meliantes”, a tropa da comunicação surpreendeu. E sobreviveu, com algumas frases que, ao lado das imagens fortes, concorrem para entrar para a história da ocupação do Alemão. “Quem quiser se entregar que faça-o agora”, sugeriu o comandante da PM, coronel Mário Sérgio Duarte, pouco antes da invasão, criando uma espécie de epíteto para a tomada das favelas.
Quando não estava presente o comandante, o microfone era do também coronel Lima Castro, relações públicas da PM, e do tenente-coronel Paulo Henrique Moraes, comandante do Bope. Com os delegados Allan Turnowski, chefe de Polícia, Ronaldo e Rodrigo Oliveira, estava formado um pequeno e afinado coral, que se revezou diante das câmeras sem escorregões e aparentemente blindados contra a saraivada da imprensa. Lima Castro, sem sombra de dúvida, o mais solicitado, mantido em uma espécie de plantão na Rede Globo, de onde reproduziu com fidelidade a ordem de rendição do chefe, em uma entrevista.
Entrevistas, aliás, passaram a integrar os treinamentos da tropa de comunicação. Em simulações de situações embaraçosas, os homens da linha de frente da PM começaram mergulhar em uma espécie de ‘mídia training’ – o processo de treinamento de presidentes e executivos de grandes empresas para enfrentar entrevistas.
Direitos humanos – Lima Castro serviu três anos e meio em missões de paz da PM. Esteve em Moçambique em 1993 e 1994, e no Timor Leste em 2000 e 2001, onde também comandou a polícia das Nações Unidas. “Poucos brasileiros sabem que desde 1993 a PM trabalha em missões de paz pelo mundo. Neste momento mesmo, policiais estão derramando seu sangue fora do país, lutando por outros povos”, afirmou, no domingo, dando provas de que conhece a diferença entre um interlocutor fardado e aqueles armados com gravador, caneta e bloquinho.
O atual comandante do Bope também pode ser considerado escolado em respeito aos direitos humanos – área sensível para o batalhão que tem uma caveira como símbolo. Paulo Henrique Moraes, antes de assumir o posto atual, frequentava gabinetes em que o idioma está mais para diplomacia que para ordem unida: era ele o responsável pela segurança dos juízes do Tribunal de Justiça do Rio. Enquanto os blindados da Marinha manobravam para subir o Alemão na manhã de domingo, Moraes encontrou tempo para explicar, para uma repórter da Globo, se havia o risco de confrontos no morro. “Vamos entrar para resolver. Vamos usar força máxima”, traduziu.
Força máxima, no Alemão, tem significado preocupante. Há três anos e meio, uma ação na favela terminou com 19 traficantes mortos. Enquanto a contagem de corpos ainda era concluída, o secretário de Segurança José Mariano Beltrame cunhava a frase que viria a repetir sempre que se viu diante do risco de confronto sangrento. “Os que resistirem serão vítimas das suas próprias escolhas”, afirmou, a um batalhão de jornalistas, para explicar que a polícia, quando atacada, pode ser mortal.
Os delegados de polícia que falaram pela instituição não perdem em termos de experiência com a mídia. Rodrigo Oliveira, o careca de preto que comandou a ocupação da primeira parte do Alemão, o Areal, é um dos personagens de um documentário sobre a polícia do Rio – Dancing with the Devil, dirigido pelo documentarista Jon Blair. Coube a ele, antes mesmo das autoridades máximas, a declaração de que “o estado” – e não a Polícia Civil ou um grupamento, como de costume – estavam no controle da situação. “O Complexo do Alemão é do estado”, disse, por telefone, a uma rede de TV.
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