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Por Sérgio Praça
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Como Macron navegará o semi-presidencialismo francês?

As eleições parlamentares na França, mês que vem, são cruciais para Emmanuel Macron

Por Sérgio Praça 7 Maio 2017, 19h33

 

Emmanuel Macron acaba de ser eleito presidente da França. Pelo currículo, é uma espécie de mistura de Henrique Meirelles (ex-banqueiro), João Doria (outsider com foco em gestão) e Marina Silva (organizador de um novo movimento político para apoiar sua candidatura). Mas, como afirmou o cientista político John Carey, as eleições mais importantes serão as legislativas, no mês que vem. O presidente francês tem certos poderes constitucionais, inclusive o de nomear o primeiro-ministro. Mas não pode vetar leis nem demitir o primeiro-ministro. E isto o torna dependente de uma maioria legislativa, sob pena de se tornar um fantasma com mandato fixo de cinco anos ou governar com a oposição. Quem acha que o resultado de hoje significa estabilidade política para a França está enganado.

Atenção demais costuma ser dada às eleições presidenciais em sistemas semi-presidencialistas, provavelmente porque é o tipo de eleição mais intuitivo para quem mora na América Latina ou Estados Unidos. Mas o sistema francês é, como caracterizou o cientista político Maurice Duverger em 1980, semi-presidencialista: i) o presidente é eleito por sufrágio universal – ou seja, não pelo Legislativo; ii) o presidente tem poderes constitucionais “consideráveis” e iii) exercem o poder, junto com ele, um primeiro-ministro e ministros com poderes governamentais. O presidente pode permanecer no poder apenas se o Legislativo não se opõe a eles. É o presidente, como já disse acima, que nomeia o primeiro-ministro. Ele levará em conta, ao fazer essa nomeação, a capacidade de o primeiro-ministro convencer uma maioria a apoiá-lo. O paradoxo é interessante: o primeiro-ministro não é eleito pelo Legislativo, mas imposto aos parlamentares – que podem demiti-lo.

Neste cenário, todos precisam antecipar reações. O presidente deve intuir qual primeiro-ministro vai agradar a maioria parlamentar. Os deputados precisam saber trabalhar junto com o presidente, em certa medida, caso não queiram instabilidade governamental (que é ruim para todos). É possível que uma maioria parlamentar não apoie o presidente e ele seja forçado a nomear um primeiro-ministro da oposição.

Esse tipo de governo é chamado de coabitação e, para funcionar, precisa da moderação de todos os atores políticos. Isso implica que nem o presidente poderá implementar suas políticas públicas prediletas (e provavelmente desejadas pela maioria dos cidadãos) nem o parlamento poderá exagerar com medidas indesejadas pelo presidente. Afinal, o maior poder presidencial é a capacidade de dissolver o parlamento e convocar novas eleições. Mas, em períodos de coabitação, o primeiro-ministro tende a liderar as iniciativas enquanto o presidente apenas assiste. Ué, mas ele não pode convocar novas eleições? Sim, e os mesmos parlamentares podem ser reeleitos! Essa queda-de-braço tende a ocorrer quando mandatos presidenciais estão no fim. (Antes, o mandato presidencial era de 7 anos, e o dos deputados era de 5. Agora ambos têm 5 anos, o que diminui as chances de governo dividido.)

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Esse desenho institucional peculiar foi instituído em 1962, durante a presidência de Charles de Gaulle (eleito indiretamente em 1958 por deputados federais e representantes legislativos locais). A França era um parlamentarismo puro até então. Mas instável. De 1946 a 1958, a França teve 29 diferentes governos. O mais longevo durou 16 meses. (Os dados estão em “Rationalizing Parliament”, de John Huber.) Essa instabilidade ocorria por conta do número de partidos políticos e da falta de poderes constitucionais para o primeiro-ministro. De Gaulle foi eleito presidente em 1958 para resolver este problema.

Criou uma Constituição que não só dá poderes fortes para o presidente, mas também dota o primeiro-ministro (que, como vimos, não necessariamente será um aliado do presidente) de poderes relevantes. O mais interessante é o definido pelo artigo 49.3: a guilhotina . Nada a ver com decepar cabeças. Trata-se de um procedimento que acaba com o debate parlamentar de uma proposta legislativa econômica ou social. Autorizado pelo ministério, o primeiro-ministro pode implementar a proposta unilateralmente e ela será considerada aprovada desde que os parlamentares não se oponham em um período de 24 horas. Ou seja: o governo não sofrerá de inação (como ocorria entre 1946-1958), mas tem que calibrar o conteúdo de sua proposta com o que é desejado (ou tolerado) pela maioria parlamentar. Caso a maioria se oponha, novas eleições serão convocadas e todos perdem os cargos.

Com frequência, o perigo de coabitação não existe. Nas eleições de 2012, o povo francês deu um claro mandato para os socialistas, elegendo tanto o presidente François Hollande quanto 48,5% dos deputados desse partido. O sistema eleitoral francês privilegia os maiores partidos. Não é o caso do movimento liderado por Macron. A estabilidade e sucesso de seu governo dependem de os eleitores repetirem, daqui a poucas semanas, a insatisfação com tudo-que-está-aí.

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