O leitor confunde metáfora com metonímia e desperta os instintos da “Escolinha do Professor Tio Rei”. Serei o seu Virgílio no Círculo do Inferno das figuras de linguagem
O leitor Pedro Oliveira, naquele primeiro post sobre Gilberto Dimenstein e sua abordagem machista e misógina, escreve-me o seguinte (segue conforme o original). Comento depois: Reinaldo, Talvez eu esteja, assim como na música dos Titãs, ficando “Burro, muito burro demais”. Só que a música se refere á televisão e eu aqui me refiro aos blogs. […]
O leitor Pedro Oliveira, naquele primeiro post sobre Gilberto Dimenstein e sua abordagem machista e misógina, escreve-me o seguinte (segue conforme o original). Comento depois:
Reinaldo,
Talvez eu esteja, assim como na música dos Titãs, ficando “Burro, muito burro demais”. Só que a música se refere á televisão e eu aqui me refiro aos blogs. Mas eu não entendi aquele parágrafo do Dimenstein citado acima, assim como você entendeu não. Aliás, o autor não produziu uma metáfora, mas sim uma figura de linguaguem chamada metonímia. Segundo o professor Othon Moacir Garcia na metáfora “se percebe duas frases ligadas sem sentido mas com proximidades semânticas” e na metonímia “se observa duas ideias que não se superpõem como na metáfora, nem necessitam de algum significado de intersecção”.
Eu entendi que o autor quis destacar foi a “falta de vontade”, a falta do entusiasmo da primeira conquista e por não ter conquistado o cargo desejado (Presidência da República), vê-se obrigado a tentar voltar para o cargo que já foi dele (Prefeitura de São Paulo).
REINALDO RESPONDE
Se você está ficando burro ou não, Pedro, não sei. Como não o conhecia antes desse texto, não tenho como avaliar. Pode até ser que, apesar de seus erros, esteja ficando mais inteligente, entendeu?
Vamos lá. Se você conhece mesmo o que escreveu Othon M. Garcia, não entendeu o que leu. Mas receio, sinceramente, que não conheça. Esse “Moacir” é o indício — parece pesquisa de Internet. Qualquer pessoa da área o trata segundo o modo como assina seus livros, com o “Moacir” abreviado: “M.” Mas posso estar errado, claro! Isso me lembra alguém que, certa feita, tentando me impressionar, disse ser fascinada por “William Shakespeare”. Eu diria que correria o risco de ter mais intimidade com o autor quem o chamasse de “Bill”… De toda sorte, não é o fundamental.
Você está errado. Muito errado! E demonstra não saber a diferença entre uma metáfora e uma metonímia, ainda que esta tenha sempre um conteúdo metafórico. Acho que Othon M. Garcia não escreveu o que você pôs entre aspas, não com aquele erro crasso de concordância da voz passiva sintética. O fato é, Pedro, que você não entendeu o que quer que tenha lido a respeito.
Quanto ao machismo, o que você quer que eu diga? Por que Dimenstein não fez a associação com a falta de entusiasmo da mulher que se casasse com o ex-marido? Respondo: porque tal imagem não derrivaria do preconceito preguiçoso do homem caçador de novidades e da mulher como caça.
Mas não quero abandoná-lo no círculo infernal das figuras de linguagem e vou orientá-lo, como Virgílio fez com Dante.
Se alguém diz:
“Chalita é um boneco de Temer”, há aí uma metáfora. Note bem: entre “Chalita” e “boneco”, originalmente, não existe qualquer relação de semelhança. Essa é uma associação arbitrária, feita pelo emissor, com base numa semelhança que ele estabeleceu: assim como o boneco é um brinquedo, algo que se manipula, esse emissor pode estar sugerindo que o pré-candidato do PMDB se presta a esse papel nas mãos do presidente do partido. É metáfora. Entendeu?
Se alguém diz:
“Dilma vai tomar um copo de cerveja no estádio”, eis um caso de metonímia. Todos sabem que Dilma tomará a cerveja do copo, não o copo de cerveja. Uma palavra é empregada em lugar da outra porque existe uma contiguidade entre elas, que está no mundo objetivo, que não depende de uma associação arbitrária do emissor — ainda que essa arbitrariedade já tenha caído no gosto popular e virado um clichê.
Lembra quando Churchill, em famoso discurso, afirmou: “I have nothing to offer but blood, toil, tears and sweat.”? Pois é… Metonímia, amigão! Se o “suor” ou as “lágrimas” valessem por seu valor referencial, ele enviaria para a guerra esportistas e carpideiras. Eram palavras sendo usadas em lugar de outras em razão da óbvia contiguidade entre elas, ampliando-lhes o sentido: “suor = luta”; “lágrimas = sofrimento”.
Se alguém disser: “Dilma tomará um copo de cerveja depois de ter engolido sapo da Fifa”, aí é sinal de que ela usará o líquido da metonímia para ajudar a digerir o sapo da metáfora — uma metáfora que já é clichê.
Mas atenção, Pedro:
Se o José Dirceu, o “chefe de quadrilha” (segundo a PGR), num de seus rasgos literários, afirmar algo assim: “Não adianta o meu ‘sangue, suor e lágrimas’, e sempre desconfiarão da minha inocência”, aí o conjunto de metonímias originais de Churchill terá sido transformado numa metáfora de Dirceu, com óbvia perda de significado, não é?
O “dar-se um pé no traseiro”, no conjunto, é uma metáfora de “mexer-se”, “fazer alguma coisa”, “tomar uma atitude”, “parar de pisar no próprio saco” (ooopsss!). E é também uma metonímia. Alguém que leva um pé no traseiro — nas nádegas propriamente — não deve mexer só as próprias e sair por aí dançando o “créu” ou “rebolando na boquinha garrafa”. Deve é mover o corpo todo, de preferência aquela parte do corpo que encima o pescoço, caso o peso das orelhas (metáfora, mas também metonímia para designar o asno todo) não atrapalhe.
O que vocês acham? Esses assuntos podem ser fascinantes, sabem?
E isso aí, Pedro. Espero ter sido útil.
PS: Tio Rei é um Paulo Freire às avessas. Ele queria educar para “petralhar”. Eu acho que a educação deve contribuir para o “despetralhamento” enquanto instrui. Ele queria construir uma “ideologia libertadora”. Eu quero libertar da ideologia a liberdade…