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Oscar 2017: Jackie

O figurino é lindo, mas vem manchado de sangue

Por Isabela Boscov Atualizado em 3 fev 2017, 17h41 - Publicado em 3 fev 2017, 17h39

Três grandes símbolos das décadas de 50-60, Grace Kelly. Elizabeth Taylor e Marilyn Monroe, andaram, nos últimos anos, servindo de pretexto para filmes banais ou ruins mesmo (Grace de Mônaco, Liz & Dick, Sete Dias com Marilyn), que pegam – ou tentam pegar – carona na celebridade delas sem oferecer em troca nenhuma substância ou insight. Nem pense, porém, que é mais do mesmo que você vai ver em Jackie. Pela primeira vez desde A Rainha, com Helen Mirren, um diretor e um roteirista de primeira categoria se unem a uma atriz num desempenho quase transcendental para tentar entender, de dentro para fora, uma mulher icônica do século 20 – Jacqueline Bouvier Kennedy, vista aqui nos quatro dias seguintes ao assassinato do seu marido, o presidente John Kennedy, em 1963. O chileno Pablo Larraín dirige, o roteiro é do americano Noah Oppenheim (que hoje é editor de telejornal), e a indicada ao Oscar Natalie Portman interpreta (ou, como disse um amigo, incorpora). É um arraso.

Leia, a seguir, a resenha completa:


Uma coadjuvante no centro do palco

Em Jackie, Natalie Portman e o diretor Pablo Larraín reconstituem a luta da protagonista para garantir um lugar na posteridade para seu marido, o presidente assassinado John Kennedy

No carro funerário da Marinha, com o caixão contendo o corpo do marido quase encostado nos seus joelhos, Jacqueline inquire o motorista e a enfermeira: eles sabem dizer quem foi James Garfield? Ou William McKinley? Os dois balançam a cabeça – não fazem ideia. “E Abraham Lincoln?”, ela insiste. Aí, sim; ambos sabem muito bem quem foi o presidente que entrou numa guerra civil para abolir a escravatura. Jacqueline, pálida, com a maquiagem borrada pelas lágrimas, instiga o cunhado Bobby (Peter Sarsgaard), que a acompanha nesse trajeto trágico: a posteridade é tudo, diz ela. E, no exíguo tempo que resta até o encerramento dos ritos fúnebres, é preciso garantir que John Kennedy fique inscrito no futuro. Atordoada porém surpreendentemente lúcida naquele 22 de novembro de 1963, em que seu marido se tornara o quarto presidente americano assassinado no exercício do cargo (a tiros, assim como Lincoln, Garfield e McKinley), Jacqueline Bouvier Kennedy migra da margem para o centro em Jackie. Com cautela, para não abrir nenhuma rachadura na fachada de mulher-ornamento e esposa perfeita, mas com ferocidade praticada sob o abrigo do luto, a Jackie interpretada por Natalie Portman (muito justamente indicada ao Oscar) é a guardiã de uma chama que, ela acredita, pode inspirar por muito tempo ainda os rumos da nação – e também dar um sentido pessoal às suas tribulações como primeira-dama e, agora, como viúva.

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(bill@graypictures.com/Divulgação)

A socialite de gostos sofisticados. A debutante de enunciação cultivada, mas com um quê de infantil. O ícone fashion que lançou mil febres da década de 60 em diante. A primeira-dama que deu forma de conto de fadas à família ocupante da Casa Branca. E também a figura em frenesi, subindo pelo capô do conversível enquanto o marido, alvejado, tomba morto no banco de trás; ou a mulher em choque, com o olhar vazio e o vestido cor-de-rosa manchado de sangue, que transmite a Presidência ao vice, Lyndon Johnson (John Carroll Lynch), ainda dentro do Air Force One. Tudo o que Jackie Kennedy (e depois Onassis) viria a simbolizar para o século XX confluiu naquele dia do mais rude despertar americano, o do assassinato de John Fitzgerald Kennedy durante uma carreata em Dallas, no Texas. O que teria pensado Jackie desde as 12h30, quando os tiros de fuzil atingiram JFK, até a tarde de 25 de novembro, quando, depois de uma procissão solene pelas ruas de Washington – por deliberação de Jackie, copiada do funeral de Lincoln –, ele foi enterrado no Cemitério de Arlington? Quais seriam o peso real e as repercussões concretas das decisões que ela tomou nesse intervalo, e que espécie de pessoa os que conviveram de perto com ela vieram a conhecer nesse momento crucial? Em Jackie, o roteirista Noah Oppenheim – que é editor-chefe do telejornal Today, da rede NBC – e o cineasta chileno Pablo Larraín fazem uma costura fascinante entre registro público e confidência íntima, e entre documento e especulação.

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(Bruno Calvo/Divulgação)

Larraín desde cedo se mostrou um diretor de deliberação marcante na condução de suas tramas, ao mesmo tempo que as prefere repletas de facetas que ora se complementam, ora se contradizem. Seus filmes sobre o Chile da ditadura Pinochet e sobre o período pós-Pinochet (Tony Manero, Post Mortem, No e O Clube) são um exemplo instingante de como abordar conjunturas ou fatos históricos por vias oblíquas, para então atingir em cheio uma tese central. Ostensivamente, Jackie teria mais em comum com A Rainha, de Stephen Frears, do que com esses trabalhos anteriores. Assim como o filme escrito por Peter Morgan (criador também da série The Crown), Jackie concentra-se em um punhado de dias decisivos na vida de uma nação e na trajetória de uma personalidade pública. O embate de Elizabeth II com a reação emotiva de seus súditos à morte da princesa Diana rendia um enunciado objetivo: a reinvenção de uma monarca guardiã da tradição para uma era em que a mídia reina absoluta. Em Jackie, porém, tudo é subjetivo, fugidio, intangível. A começar por sua protagonista.

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(Bruno Calvo/Divulgação)

Primeira-dama pioneira no cultivo da imagem, Jacqueline Kennedy foi e continua sendo uma esfinge. Dezenas de biografias, documentários, reportagens, programas de TV e aparições públicas pouco fizeram por iluminar a pessoa real sob tantas camadas simbólicas. E é assim que Larraín prefere sua Jackie: impalpável, variando de instante a instante entre uma mulher atônita, furiosa, determinada, renitente ou enlutada – mas sempre convencida de que aqueles dias em que sua proximidade do poder lhe fugia com rapidez é que iriam constituir o coração da presidência do marido.

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(bill@graypictures.com/Divulgação)

Nessa reconstituição impressionista, mas muito bem urdida, Jackie ao mesmo tempo desmorona e se fortalece. Uma atriz de si mesma, que dominava como nenhuma outra seu papel, ela se recusa a despir o célebre tailleur ao estilo Chanel com extensas manchas de sangue até estar de volta à Casa Branca; que todos vejam o que fizeram, diz. À medida que Jackie confidencia a um padre (John Hurt) sua ambivalência a respeito do marido, ou concede uma entrevista ao jornalista interpretado por Billy Crudup (baseado em Theodore H. White, que transformou a conversa em um artigo célebre para a revista Life), os fragmentos vão-se unindo. Mas que não se espere um retrato nítido. No medo de terminar na penúria – como a viúva de Lincoln – e na raiva de ter de ceder seu lugar na Casa Branca, Jackie é cruamente humana. Na concepção de um ritual para entronizar John Kennedy e cimentar um mito, ela é uma artífice perspicaz. E, como emblema da transição de um sonho para uma realidade, e para um novo tipo de poder feminino, ela é um prisma: dependendo da faceta pela qual se olhe, uma nova Jackie surge, em infinitas permutações. Dar coesão a tanta variedade é o feito do filme.

Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 01/02/2017
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2017

Trailer

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JACKIE
Estados Unidos/Chile/França, 2016
Direção: Pablo Larraín
Com Natalie Portman, Peter Sarsgaard, Billy Crudup, John Hurt, Greta Gerwig, John Carroll Lynch, Richard E. Grant, Max Casella
Distribuição: Diamond

 

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