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Por Coluna
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Sem medo do boi

O frango capão pode ser uma alternativa ocasional para quem gosta de comer bem, mas está com receio da carne bovina

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 20h59 - Publicado em 21 mar 2017, 18h42

Já que a carne anda fraca, depois do escândalo envolvendo alguns frigoríficos que davam propina aos fiscais do Ministério da Saúde para vendê-la sem condições sanitárias, que tal um frango capão? Certo, o escândalo foi localizado e repercutiu mais do que devia, com consequências desastrosas na economia brasileira. Vai passar, pois a qualidade e a sanidade da carne bovina nacional se mostram  inquestionáveis. Mas o frango capão seria uma opção ocasional à suculenta picanha assada e ao filé mignon ao molho madeira na mesa das pessoas que ficaram com medo do boi.

Quando bem preparado, vira iguaria para ser saboreada com talheres de ouro. Os bons apreciadores, porém, gostam de usar as mãos e lamber os dedos. Para muitos brasileiros maduros, é um comfort food, a comida de valor nostálgico ou sentimental. Antigamente, não faltava na ceia de Natal do Centro-Oeste, do Sudeste e do Sul do país. Agora, cedeu o lugar ao peru. Referimo-nos ao galináceo do sexo masculino, castrado jovem e superalimentado, a fim de ganhar peso até o limite, ter carne gorda e suculenta. Hoje, não desfruta da mesma popularidade nacional, virou preciosidade em declínio.

Os grandes produtores de aves não se interessam por ele, pois requer cuidados enormes e a baixa rentabilidade não os atrai. Em São Paulo, entretanto, há frango capão no Mercado Municipal, o Mercadão, em casas de carnes especiais ou, então, pode ser encomendado do Nordeste, sobretudo do Piauí e do Maranhão, onde ainda desfruta de enorme prestígio popular.

Uma das versões para a descoberta do produto, que também é chamado só de capão, diz que aconteceu por acaso. Na Roma Antiga, durante o período republicando (509 a 27 a.C.), dois cônsules exerciam o poder executivo. Eleitos anualmente, convocavam o senado e os comícios, comandavam o exército e selavam acordos internacionais.

O cônsul Caio Escribônio Curião, um deles, era grande dorminhoco. Como o canto do galo atrapalhasse seu sono na madrugada, fez o senado aprovar uma lei banindo a ave barulhenta de Roma. Os criadores da ave, porém, driblaram a proibição. Simplesmente mandaram castrar os galos. Desvirilizados, eles não cantavam mais para mostrar aos rivais quem dominava aquele território e era seu verdadeiro macho. Evidentemente, desinteressavam-se das galinhas.

Em compensação, começaram a se alimentar compulsivamente e a engordar demais. Imitaram os seres humanos em situações nas quais a libido esmorece: transferiram o interesse sexual para a comida. Os criadores romanos descobriram que, quanto mais cedo for realizada a castração, melhor será o seu sabor. Desviriliza-se o frango aos 60 ou 70 dias, para consumi-lo com 210 ou 240 dias. “Capão com oito meses, para a mesa de reis”, diz a voz do povo.

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Na Europa, continua a ser iguaria natalina. Em Freamunde, freguesia portuguesa localizada perto do Porto, realiza-se a 13 de dezembro a feira anual do frango capão. É tradição vinda do tempo de d. João V, soberano lusitano de 1706 a 1750, em cujo reinado foi assinado o Tratado de Madrid, responsável pela definição das fronteiras do Brasil.

Entretanto, uma das maiores feiras de frango capão do mundo acontece em Villalba, município na província de Lugo, na Galícia, Espanha. Realiza-se a 19 de dezembro e chega ter 15 mil aves à venda. Adquiridas por interessados de todo o país, saem dali etiquetadas com denominação de origem.

Os romanos descobriram que, se for desvirilizado, deixa de cantar
Os romanos descobriram que, se for desvirilizado, deixa de cantar (Galo/Divulgação)

A castração favorece o aumento da gordura superficial e intramuscular. Com 210 ou 240 dias, a ave pesa entre 2,5 e 4 quilos. A carne se apresenta macia e delicada. “Do frango capão, a perna e da galinha caipira, o peito”, diz o provérbio popular. Excelente assado, com ou sem recheio, coleciona apreciadores ilustres. O novelista lusitano Camilo Castelo Branco, autor de “Amor de Perdição” (1862), aconselhava-o ligeiramente flambado com aguardente velha e entronizado na mesa com a pele estaladiça.

Em crônica inspirada sobre o frango capão, publicada no “Livro de Comer Bem” (Assírio & Alvim, Lisboa, 1987), o jornalista e crítico gastronômico português José Quitério lamenta que o frango capão tenha sido atropelado pela industrialização. No passado, havia o galo e a galinha, o frango e a franga. Eram aves criadas soltas no quintal, que ciscavam à vontade. Comiam milho, verduras, frutas, pasto, sementes, minhocas e bichinhos que lhe apeteciam.

Cada uma possuía uma destinação culinária. Com finalidades particulares, desvirilizava-se um franguinho aqui, para engorda forçada; e um galo velho ali, para o coq-au-vin. Na metade do século 20, o mercado foi invadido por frangos produzidos em alta escala, nos aviários enormes, à base de ração. Alimentam bilhões de pessoas, mas estão longe de ter o mesmo sabor.

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José Quitério atira uma pedra com seu estilingue: “Se o atual frango de aviário descende ou não, em linha bastarda, desta estirpe, é controvérsia ainda inconclusa”.

 

RECEITA – FRANGO CAPÃO COM CASTANHAS PORTUGUESAS

RENDE 10 PORÇÕES

 

INGREDIENTES

FRANGO E RECHEIO

  • 1 frango capão com cerca de 5 quilos, limpo e com os miúdos
  • 100g de toucinho cortado em cubos
  • 100g de manteiga (extra) sem sal
  • 200g de linguiça de lombo moída
  • 300g de carne de vitelo moída duas vezes
  • 100g de cebola branca finamente picada
  • 50g de cebola roxa finamente picada
  • 30g de alho amassado
  • Os miúdos do frango capão picados
  • 100g de presunto (com a capa de gordura)cortado em cubos
  • 300g de castanhas portuguesas (cozidas, descascadas e picadas)
  • 200g de farinha de pão (miolo de pão dormido, passado em peneira fina)
  • 2 colheres (sopa) de salsinha picada
  • Sal grosso e pimenta-do-reino em grãos machucados no pilão a gosto
  • Sal fino e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

 

CALDA DE LARANJA

  • 200ml de suco de laranja
  • 100ml de vinho branco seco
  • 50g de mel de engenho
  • 50g de manteiga
  • 1 maço pequeno de ervas frescas : sálvia, tomilho, alecrim e louro (finalização)

PREPARO

FRANGO E RECHEIO

1. Tempere o frango capão com o sal grosso e a pimenta-do-reino, esfregando a mistura por dentro e por fora.

2. Em uma frigideira previamente aquecida, doure bem o toucinho. Descarte a gordura excedente , adicione a manteiga, a linguiça e a carne de vitelo. Refogue bem, junte as cebolas e o alho.

3. Acrescente os miúdos, o presunto, tempere com uma pitada de sal fino e pimenta moída na hora.  Retire do fogo e introduza as castanhas portuguesas, a farinha de pão e a salsinha. Recheie o capão com essa mistura, pressionando, para que fique com bastante recheio.

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CALDA DE LARANJA

4. Reduza o suco de laranja pela metade, adicione o vinho branco, o mel e a manteiga.

Finalização

5. Pincele o capão com a calda e, sobre ele, distribua as ervas.

6. Em uma assadeira, asse-o em forno médio, preaquecido a 180°C.  Cubra-o com papel-alumínio e asse-o por cerca de 3 horas, regando-o seguidamente com o caldo que se forma na assadeira e pincelando-o com a calda de laranja.

7. Aumente o forno para 220°C, retire o papel-alumínio e asse o capão por mais 1 hora, aproximadamente, sempre regando, para que adquira uma coloração dourada. Para fatiá-lo, use de preferência uma faca serrilhada ou elétrica.

 

Receita do chef Maurício Ganzarolli, de São Paulo, SP.

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