Glamour nunca mais
Os anos dourados que a Casa Branca viveu no governo do presidente John F. Kennedy, cujo centenário do nascimento é comemorado em 2017
Assassinado a tiros em 1963, quando desfilava em automóvel conversível na cidade de Dallas, no Texas, John F. Kennedy, 35º presidente dos Estados Unidos estaria completando 100 anos de vida em 2017. Com ele não morreu apenas uma era de esperança, prosperidade e respeito aos direitos civis e sociais de todos os habitantes do seu país, nascidos ali ou forasteiros. Encerraram-se anos dourados, um período até hoje sem igual em glamour e estilo na Casa Branca – a residência oficial e local de trabalho do presidente dos Estados Unidos, em Washington.
Kennedy e a mulher, Jacqueline B. Kennedy, transformaram o edifício de estilo georgiano, construído entre 1792 e 1800, em epicentro social e cultural, a serviço das relações políticas e diplomáticas. No tempo em que viveram ali, de janeiro de 1961 a novembro de 1963, convidaram para almoços e especialmente jantares personalidades internacionais. Ofereciam-lhes comida e bebida do mais alto nível, junto com entretenimento cultural, que envolvia concertos e espetáculos de dança.
Na primeira recepção oficial da Casa Branca, em 19 de janeiro de 1961, homenageando empresários e celebridades que haviam ajudado na campanha eleitoral de Kennedy, ele e Jacqueline pediram a Letitia Baldrige, secretária da primeira-dama, para se esforçar bastante na organização. Saiu tudo certo, ocorrendo só um problema. Em lugar do ponche fraco e monótono do governo anterior, à base de frutas, servido numa tigela comunitária, havia cognac e brandy no final da refeição.
O presidente anterior tinha sido Dwight D. Eisenhower, fã de Coca-Cola. No dia seguinte, a imprensa reagiu escandalizada. “Bebida alcoólica na Casa Branca”, exclamava a manchete de um jornal. A inflexível bancada evangélica criticou o casal presidencial. Mas o cognac e o brandy continuaram encerrando os jantares, antecedidos por champagnes e vinhos de altíssima qualidade, sobretudo franceses.
Quem contou essa e outras histórias foi Letitia, no livro “In the Kennedy Style – Magical Evenings in the Kennedy White House” (No Estilo Kennedy – As Noites Mágicas dos Kennedy na Casa Branca), lançado em 1998 pela Doubleday, de Nova York. A secretária teve a contribuição de René Verdon, o tarimbado chef francês que comandava a cozinha da Casa Branca. Contratado por Jacqueline, ele recebeu sucessivos bilhetes da primeira-dama, depois dos almoços ou jantares, elogiando a comida. O próprio presidente às vezes entrava na cozinha, para cumprimentá-lo. “O tempo em que trabalhei na Casa Branca, com os Kennedy, foi o melhor da minha vida”, afirmou Verdon.
Uma recepção inesquecível acolheu o príncipe Rainier III e a princesa Grace Kelly, de Mônaco, no dia 24 de maio de 1961. A convidada e a anfitriã eram as mulheres mais cultuadas no mundo, pela beleza e elegância. Admiravam-se reciprocamente, apesar da pouca convivência. Conheceram-se em 1954, quando Grace cintilava como uma das maiores estrelas do cinema americano e Jacqueline estava casada há um ano com o então senador democrata Kennedy. O cardápio assinado pelo chef Vernon alinhava quatro pratos, acompanhados pelo vinho branco Poligny-Montrachet 1958, o tinto Château Corton Grancey 1955 e o champagne Dom Pérignon 1952.
Na sobremesa, uma preferência de Jacqueline: os Morangos Romanoff ou Romanov. É receita simples e saborosa. Macera-se os morangos em açúcar, suco e raspas de laranja, licor Curaçau ou Grand Marnier, kirsch ou vodca; depois, as frutas são dispostas em camadas numa taça transparente, entremeadas por chantilly aromatizado com essência de baunilha. Curiosamente, é receita russa – e os Kennedy viviam em plena Guerra Fria, o período histórico de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os Estados Unidos e a União Soviética.
Os Morangos Romanoff homenageiam a dinastia de czares do mesmo nome. Ela governou a Rússia por mais de 300 anos e só deixou o poder em 1917, quando os comunistas derrubaram Nicolau II e depois o assassinaram brutalmente, com toda a família. Alguns autores creditam a autoria da receita aos pâtissiers do czar Pedro I, o Grande, cujo reinado transcorreu entre 1682 e 1725. Ele realmente adorava creme de leite em doces ou salgados.
O chef Verdon continuou na Casa Branca durante o governo de Lyndon B. Johnson, vice e sucessor de Kennedy. As refeições solenes continuaram a ter pratos de qualidade, porém convencionais. O refinamento só voltou a cintilar um pouco no governo de Barack Obama. Já Donald Trump, expulsou a sofisticação da Casa Branca aos pontapés.
O atual presidente americano, apesar de ter cinco chefs de cozinha à disposição, satisfaz o apetite com comida congelada, Pizza Hut, frango frito da rede KFC, batata frita e hambúrgueres do McDonald’s (“O quarterão é excelente”, elogiou ele). Para completar, não dispensa Coca-Cola diet. As noites mágicas dos Kennedy estão cada vez mais longe de voltar.
RECEITA: MORANGOS ROMANOFF – RENDE 4 PORÇÕES
INGREDIENTES
- 500g de morangos frescos, lavados e escorridos
- 3 colheres (sopa) de açúcar
- 2 colheres (sopa) de Curaçau, Grand Marnier, kirsch ou vodca
- Raspas e suco de 1 laranja
- 1/4 (litro) de creme de leite fresco
- Algumas gotas de essência de baunilha
PREPARO
1. Depois de escorridos, passe os morangos para uma tigela.
2. Em outro recipiente, misture duas colheres do açúcar com o Curaçau, as raspas e o suco de laranja. Coloque essa mistura sobre os morangos, na tigela, e deixe-os tomar gosto, na geladeira, por duas horas.
3. Bata o creme de leite em chantilly, com o açúcar (uma colher) que sobrou e as gotas de baunilha.
4. Disponha a mistura de morangos em taças, ou copos, alternando-os com o chantilly.
5. Sirva imediatamente.