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José Nêumanne: A pane mental no Texas

Na ditadura havia crime e corrupção como agora, mas a censura impedia que o país soubesse

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h41 - Publicado em 7 nov 2017, 14h23

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou que o ataque a tiros que deixou 26 pessoas mortas numa igreja no Texas no domingo, é uma questão de “saúde mental” e o acesso às armas nos EUA não é o problema. Ele também enviou suas condolências aos parentes das vítimas e ressaltou que os EUA “sempre são mais fortes quando estamos unidos”. Se o diagnóstico for certo, seu autor e propagador tem cometido graves erros. De acordo com o despacho da correspondente do Estado, Cláudia Trevisan, as vítimas frequentavam a Primeira Igreja Batista de Sutherland Springs, comunidade de 640 habitantes a 50 quilômetros  de San Antonio. O número de mortos representa 4% da população local. Outras 20 pessoas estão em hospitais da região com ferimentos de distinta gravidade. Segundo a polícia, a idade dos mortos varia de 5 a 72 anos.

Salta da frase do republicano a evidência de que ele pretendeu, em primeiro lugar, descaracterizar a chacina como ato terrorista e, em segundo lugar, desconectá-lo da possibilidade de ter resultado da liberdade que qualquer  cidadão tem de adquirir armas de fogo no país. Feita no Japão, no outro lado do mundo, contudo, a frase só expressa mesmo a indiferença do chefe de governo da maior potência militar, política e econômica do planeta à morte dos cidadãos, que são o núcleo e a essência da democracia, sob cuja vigência atuam governo e sociedade civil com regras de convívio estabelecidas desde a chamada Revolução Americana, realizada, assim como a Revolução Francesa, no século 18, mas de natureza completamente oposta a esta. Hoje há até mesmo uma tendência dos historiadores e cientistas políticos a marcar uma diferença fundamental entre ela e a Inglesa, do século 17, de um lado, e, de outro, a citada na França e a da Rússia, cujo centenário não foi celebrado na pátria-mãe do socialismo no dizer de Stalin, mas o está sendo por comunistas do resto do mundo.

A insensibilidade do bilionário Trump na chefia da nação foi várias vezes citada em episódios como o da viúva do herói de guerra, que detectou não ódio, mas algo do mesmo gênero – descaso e desinteresse –, no telefonema que o inquilino da Casa Branca lhe deu para, em tese, lamentar a terrível perda. Nem por isso convém desperdiçar a oportunidade de notar e registrar que a forma como o presidente combate o terrorismo é absolutamente inadequada, seja no quesito direitos humanos, seja na eficácia dos métodos empregados para deter o passo dos inimigos.

O mais gélido dos chefes de governo – mas não ele – daria mais valor à perda de vidas humanas do que à natureza do atentado que as vitimou. Há algo que, certamente, escapa à percepção monolítica do mais poderoso político mundial. O assassínio dos ciclistas em Manhattan foi de inspiração terrorista fanática e, como tal, assusta muito, pois demonstra a fragilidade das defesas de uma potência como a americana em relação a esse tipo de prática suicida de inspiração religiosa fundamentalista. Outra coisa é a atitude tresloucada do atirador do Texas, um veterano de guerra, em mais uma demonstração do efeito arrasador das intervenções militares americanas no planeta sobre a população do país. O resultado de ambas, contudo, é devastador, seja pela loucura, seja pelo fanatismo. E o aspecto espetaculoso de chacinas sempre produz um efeito cascata macabro.

Quando comentei no Jornal Eldorado o atentado contra a ciclovia em pleno centro da metrópole das metrópoles, cosmopolita por definição e natureza, critiquei duramente a reação, que considerei inábil e inadequada, de Donald Trump reforçando a ideia de que o melhor caminho para combater o terrorismo é a retaliação, o olho por olho, dente por dente da Bíblia, a lei de talião. Muita gente me criticou mais duramente em respostas nas redes sociais, dizendo que ele está certo e que há que ser duro com o terror. É claro que há que ser duro contra o terror, mas não ser duro de forma indiscriminada contra todos os cidadãos muçulmanos, porque o terror mais comum pode até ter hoje inspiração fundamentalista muçulmana, mas não é só por isso e nem sempre foi assim.

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O atentado terrorista de um nacionalista sérvio provocou a 1ª Grande Guerra Mundial. Os separatistas bascos aterrorizaram a Espanha por anos. Albert Camus escreveu textos antológicos e atuais contra o terror anticolonialista de sua pátria, a Argélia. A retaliação proposta por Trump é estulta por isso tudo e também porque – repito o que disse na rádio e por isso fui repelido – ela parte da ignorância da situação. E joga, sim, gasolina na fogueira. O correto é ser duro contra o terror, mas sem abrir mão da tolerância religiosa, da liberdade individual e de outras conquistas da civilização ocidental. Os ventos fortes que o governo Trump está plantando têm produzido de volta tempestades que atingem cidadãos americanos aleatoriamente, seja por novos atentados terroristas, seja produzidos por loucura pessoal. Não venho aqui afirmar: eu avisei. Apenas reforçar minha opinião de que a truculência covarde do terrorismo aleatório não será contida com a incompetência aleatória de quem usa como arma de guerra apenas o “quem com ferro fere com ferro será ferido”.

Acho também que as condenações que recebi por ter criticado Trump podem dar uma excelente oportunidade para discutirmos essa onda de direita radical que toma conta da política brasileira, como nunca antes tinha acontecido no País. E ela leva ao paroxismo de uma nostalgia da ditadura militar, que sempre chamo de longa noite do arbítrio.

Tive oportunidade de ver análises objetivas, tranquilas e lúcidas  produzidas sobre o tema por Fernando Gabeira em seus artigos neste Estado na sexta-feira e no Globo de domingo. Ele mostrou como a insensatez populista, oportunista e criminosa do PT de Lula e Dilma terminou produzindo uma reação inusitada no lado oposto do espectro ideológico por uma direita cega, vingativa e muito pouco inteligente.

Domingo tive a oportunidade de ver na GloboNews que essa direita pouco afeita à lógica e à leitura chama de globolixo, um debate esclarecedor no programa de debates Painel, apresentado por William Waack e com a participação dos intelectuais Roberto Romano e Luiz Felipe Pondé, filósofos, e Luiz Sérgio Henriques, tradutor de Antonio Gramsci, o italiano que fez a cabeça dos comunistas brasileiros dos anos 40 aos 60. Aconselho que esquerdistas, direitistas e liberais lúcidos (que os há) o procurem no Google para assistir e se informar. Aprendi muito no debate.

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Em seguida, tive a oportunidade de ver, no mesmo canal, um documentário sobre a brutalidade com que os ditadores militares brasileiros dizimaram, sem nenhum motivo justo ou até lógico, um dos poucos exemplos de capitalismo bem-sucedido nestes tristes trópicos, a Panair do Brasil. Essa obra nefasta do regime autoritário tecnocrático militar levou 5 mil famílias brasileiras ao desemprego. A ditadura reprimiu, torturou e derramou sangue de inimigos e de inocentes. É lamentável que ainda haja quem tenha saudade disso, como se fosse a panaceia para os males trazidos à sociedade brasileira por filhos dessa própria ditadura.

E também que tenha, neste momento de paroxismo da violência e da decadência do Rio levado à disputa da prefeitura daquela cidade em segundo turno por fenômenos da utopia regressiva religiosa de Crivella e da outra do legado revolucionário obsoleto e ineficiente de Freixo. Agora as pesquisas aparecem com a repetição desse mesmo antagonismo apontando um falso, mas perigoso, momento decisivo entre Lula e Bolsonaro. O caminho para escapar dessa assustadora fuga pelo regresso está no abandono da egolatria e da estadolatria e no avanço da sociedade na solução dos problemas, que são imensos. Lembro, como fez Luiz Sérgio Henriques no Painel, o exemplo luminoso do dirigente Lula Maranhão, do Partido Comunista Brasileiro, propondo e fazendo profícuo e democrático diálogo com e entre os cardeais dom Eugênio Sales, conservador do Rio, e dom Paulo Evaristo Arns, progressista de São Paulo.

A diferença mais notória entre a ditadura e hoje é que agora temos violência nas ruas e corrupção na máquina pública. Na ditadura também havia crime comum, mas associado ao pior de todos, a truculência do Estado. O exemplo da Panair, lembrando na canção Conversando no Bar, de Milton Nascimento e Fernando Brant, é apenas um. Os que ora sonham com esse inferno feito paraíso não sabem porque não viveram ou porque, se testemunharam, não ficaram sabendo, por causa da mão pesada da censura.

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