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O que a estratégia de propaganda do Estado Islâmico tem a ensinar

Muito já foi dito sobre a eficiência do Estado Islâmico, o exército terrorista que comanda vastos territórios da Síria e do Iraque e que possui filiais em diversos países da África, em usar as redes sociais online para difundir suas mensagens, angariar apoiadores e organizar atentados no exterior. A prisão de doze brasileiros que juraram lealdade […]

Por Diogo Schelp Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 jul 2020, 22h09 - Publicado em 6 ago 2016, 07h56
Isis

Nesta cena de vídeo divulgado pelo Estado Islâmico foi feita uma alteração digital para dar a impressão de que os terroristas eram muito mais altos do que suas vítimas, cristão coptas

Muito já foi dito sobre a eficiência do Estado Islâmico, o exército terrorista que comanda vastos territórios da Síria e do Iraque e que possui filiais em diversos países da África, em usar as redes sociais online para difundir suas mensagens, angariar apoiadores e organizar atentados no exterior. A prisão de doze brasileiros que juraram lealdade ao grupo pela internet, no mês passado, foi só mais um episódio a comprovar essa realidade. Evidentemente, é preciso saber como o grupo age para poder combatê-lo. E apenas monitorar as redes sociais para pegar os radicais “no pulo”, ou seja, durante a preparação de um atentado, como faz a Polícia Federal e outras forças de segurança ao redor do mundo, não é o suficiente. É preciso quebrar ou enfraquecer a estratégia de propaganda do grupo.

Uma longa e interessante reportagem da revista Wired, escrita por Brendan Koerner, dá algumas pistas das lições objetivas que os governos podem tirar da estratégia de propaganda do Estado Islâmico (também conhecido pelas siglas Isis ou EI):

1) O EI representa uma ameaça menor do que aparenta. O fato de usar Twitter, Facebook, Whatsapp, Telegram e outras redes sociais e serviços de trocas de mensagens aos quais qualquer pessoa tem acesso reforça a percepção de que o grupo está próximo, de tocaia, e de que tem grande capacidade de ação. Os terroristas podem fazer ataques-surpresa em praticamente qualquer lugar público com esquemas de segurança frouxos? Claro que sim, mas a probabilidade de morrer em um atentado desses ainda é menor do que a de ser vítima de um acidente de carro. A presença massiva do EI nas redes sociais dá a impressão contrária, de que os terroristas representam um risco iminente para qualquer pessoa, especialmente nos países que já foram alvos desse tipo de ataque. Como escreve Koerner: “Seu poder reside na habilidade de inspirar o terror numa proporção superior à ameaça que eles realmente apresentam.”;

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2) A operação de mídia do grupo terrorista é descentralizada. O EI mantém centrais de produção de conteúdo para a internet não apenas na Síria e no Iraque, mas também em inúmeros outros países, da Líbia à Nigéria, do Egito à região do Cáucaso. Esse “conglomerado” de mídia produz, em média, 38 novas peças de propaganda por dia — vídeos curtos e longos, fotos, áudios, memes, artigos e até uma revista eletrônica em pdf chamada Dabiq. Esse conteúdo não é distribuído diretamente para o grande público, pois dessa forma seria muito fácil rastrear sua origem. Em vez disso, primeiro é enviado para alguns apoiadores de confiança, verdadeiros ratos de internet, que por sua vez abrem o material em seus perfis nas redes sociais. Quando Twitter ou outras empresas de internet bloqueiam um desses perfis, inúmeros outros já estão prontos para substituí-los, e seus posts continuam sendo replicados milhares de vezes por seus seguidores;

3) O conteúdo é segmentado, não procura agradar ao grande público. Para ilustrar este ponto, vale a pena contar a história da discussão que houve doze anos atrás entre dois dos piores terroristas deste início de século: o egípcio Ayman al-Zawahiri, então o número 2 da Al Qaeda, e o jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, chefe da filial da Al Qaeda no Iraque. O primeiro escreveu, em 2004, uma carta para o segundo reclamando dos vídeos de decapitação de reféns que haviam sido divulgados pela filial iraquiana. “Eu lhe digo que estamos em uma guerra, e que mais da metade dessa guerra é travada nos campos de batalha da mídia. E essa batalha de mídia é para conquistar os corações e mentes da Umma (a coletividade islâmica)”, escreveu al-Zawahiri. O jordaniano ignorou a orientação do chefe. Mais recentemente, e sob outra liderança, a Al Qaeda no Iraque se desgarrou da sua organização original e se proclamou Estado Islâmico.

Pois bem. A Al Qaeda, apesar de toda a crueldade dos seus atos, achava que as imagens cruas de decapitação poderiam espantar apoiadores entre a população muçulmana de maneira geral. O grupo tinha a ilusão de que poderia atrair simpatia de um grande número de pessoas se tomasse esse cuidado. O Estado Islâmico, por sua vez, mira em um público mais segmentado, que se sente motivado exatamente pela extrema crueldade do grupo. E essa estratégia de propaganda violenta traz um bônus: afeta psicologicamente o inimigo, que passa a ver o Estado Islâmico como uma tropa sem freios morais, e portanto invencível. Foi exatamente por isso que, quando o EI invadiu a cidade de Ramadi, em 2015, precisou apenas de algumas centenas de homens para a missão, enquanto os milhares de soldados iraquianos fortemente armados que deveriam defender a cidade preferiram bater em retirada;

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4) As mensagens do EI alimentam uma ideologia de código aberto. Da mesma forma que um programa de computador que pode ser adaptado e redistribuído livremente por qualquer usuário, o culto à morte difundido pelo Estado Islâmico pode ser facilmente absorvido e imitado por indivíduos desesperados e frustrados em busca de um propósito na vida ou de atenção. Isso significa que qualquer desajustado com tendências suicidas e um ressentimento pessoal em relação à sociedade pode achar apropriado, ainda que não siga a religião islâmica com severidade, atrelar suas motivações à bandeira do Estado Islâmico. Deriva daí a facilidade com que o EI consegue estimular os chamados “lobos solitários”, terroristas sem qualquer vínculo direto com o grupo, a se lançar em ataques suicidas com armas de fogo, caminhões, facas e até machados contra multidões indefesas.

Seguindo a lógica dos atiradores em massa que cometem chacinas sem motivação religiosa, os lobos solitários que se dizem seguidores do EI também tendem a agir por imitação. Ou seja, quando observam a repercussão midiática obtida por um ataque, sentem-se estimulados a cometer em seguida um massacre ainda maior. Eles aprendem com os erros e acertos táticos uns dos outros. E quase sempre buscam fama por meio do assassinato com suicídio — eles querem ser reconhecidos como mártires do Islã;

5) As peças de propaganda apelam para a voz das “ruas”. Ao contrário dos vídeos e dos áudios da Al Qaeda, que traziam a imagem do terrorista-mor Osama Bin Laden ou de Al-Zawahiri, o material produzido pelo EI costuma ter como protagonistas soldados ou “cidadãos” comuns do chamado Califado. Seus líderes, até por uma questão de segurança, quase nunca aparecem. “Essa mudança da perspectiva narrativa colocou o Estado Islâmico em sintonia com uma geração que está acostumada a criar e compartilhar o seu próprio conteúdo”, escreveu Koerner. Isso facilita a identificação do espectador radicalizado. Ele consegue se imaginar fazendo as mesmas coisas que o sujeito que aparece na tela, louvando as qualidades do Califado ou executando reféns a sangue frio.

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Como fazer frente às estratégias acima descritas? Algumas possibilidades de contrapropaganda:

Não sucumbir ao jogo dos terroristas, para os quais o melhor dos mundos é obter uma reação exagerada das autoridades ocidentais, com medidas islamofóbicas ou que ponham em risco as liberdades civis;

– Em vez de barrar ou tratar os refugiados como terroristas em potencial, como tem sido proposto na Europa e nos Estados Unidos, dar voz às suas histórias e também aos relatos de radicais arrependidos. Esta entrevista recente do New York Times com um ex-integrante do EI, por exemplo, deveria ser leitura obrigatória em escolas europeias, pois revela a verdade por baixo do verniz idealizado da sociedade opressora que o EI criou em territórios da Síria e do Iraque;

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Escancarar as manipulações nas peças de propaganda do EI. Já ficou comprovado, por exemplo, que o grupo valeu-se de efeitos especiais para fazer com que os 21 reféns coptas que foram degolados em frente às câmeras do grupo, em 2015, parecessem muito mais baixos do que seus algozes, entre outros métodos para passar uma ideia de fraqueza das vítimas e de poder superior dos assassinos;

– Estabelecer um debate saudável na imprensa sobre como dar menos ênfase para as declarações grandiloquentes e as selfies narcisísticas dos lobos solitários que cometem atentados terroristas. Dessa forma, nega-se a eles o seu principal objetivo, que é obter fama e reconhecimento dos pares pelo “martírio”. O desafio é fazer isso sem privar o público do seu direito de se informar.

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