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Obama está certo em romper silêncio sobre dívida grega, diz economista

Presidente americano apoia que se alivie a austeridade imposta à Grécia; movimento representa um rompimento com uma longa tradição de silêncio dos Estados Unidos em relação à política monetária europeia

Por Ashoka Mody
23 fev 2015, 21h08

O recente apelo do Presidente dos EUA Barack Obama para aliviar a austeridade imposta na Grécia é notável – e não só por seu apoio à posição negociadora do recém-eleito governo grego perante seus credores oficiais. Os comentários do Obama representam uma ruptura com a longa tradição do silêncio oficial americano sobre assuntos monetários europeus. Enquanto os estudiosos dos EUA frequentemente denunciaram as políticas da união monetária da Europa, o governo olhava para o outro lado.

Aqueles que criticam o euro ou como ele é gerenciado há muito correm o risco de serem rejeitados como anglo-saxões ou, pior, antieuropeus. A primeira-ministra britânica Margaret Thatcher previu com precisão a insensatez de uma união monetária europeia. Gordon Brown, como Chanceler Britânico das Finanças, seguiu as pegadas de Thatcher. Quando sua equipe apresentou razões cuidadosamente pesquisadas para a não adesão ao euro, muitos europeus zombaram.

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E é por isso que a declaração de Obama veio como uma lufada de ar fresco. Veio um dia depois que a chanceler alemã Angela Merkel disse que a Grécia não deve esperar mais alívio da dívida e deve manter a austeridade. Enquanto isso, depois de dias ameaças não tão veladas, o Banco Central Europeu está à beira do corte de financiamento aos bancos gregos. Os guardiões da estabilidade financeira estão reforçando um movimento de desestabilização bancária.

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O rompimento de Obama com a visão estreita intelectual da Europa é mais notável, porque até mesmo o Fundo Monetário Internacional tem tolerado a ortodoxia imposta pela Alemanha. Como a diretora do FMI, Christine Lagarde, disse ao Irish Times: “Uma dívida é uma dívida, e é um contrato. Inadimplência, reestruturação, mudar os termos traz consequências.”

O Fundo estava de prontidão na década de 1990, quando a desventura da zona euro foi planejada. Em 2002, o diretor do Departamento Europeu do FMI descreveu as regras fiscais que institucionalizaram a cultura de austeridade persistente como um “quadro sonoro”. E, em maio de 2010, o FMI aprovou a decisão das autoridades europeias para não impor prejuízos aos credores privados da Grécia – um movimento que foi revertido somente após o ajuste fiscal de arrocho sem precedentes que colocou a economia grega em estado de pânico.

Os atrasos e erros na gestão da crise grega começaram cedo. Em julho de 2010, Lagarde, que foi ministra de finanças da França na época, reconheceu os danos incorridos por esses atrasos iniciais: “Se tivéssemos sido capazes de resolver [a dívida da Grécia] desde o início, digamos em fevereiro, acho que teríamos sido capazes de impedir a bola de neve da maneira que foi”. Até o FMI reconhecer que foi um erro não impor prejuízos aos credores privados preventivamente, o que finalmente acabou fazendo somente em junho de 2013, quando o estrago já tinha sido feito.

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Há muita culpa aqui. O antigo secretário do tesouro dos EUA, Timothy Geithner, defendeu uma posição de linha dura contra a reestruturação de dívida durante uma crise. Como resultado, apesar das advertências feitas por vários diretores do FMI, em maio de 2010 essa reestruturação foi inevitável e os EUA apoiaram a posição europeia em que os credores privados precisavam ser pagos integralmente.

Lee Buchheit, advogado principal de dívida soberana e o homem que conseguiu a eventual reestruturação dívida grega em 2012, foi um crítico severo do fracasso das autoridades em encarar a realidade. Como ele disse, “Acho difícil imaginar que eles agora vão honrar a proposta que eles protelaram – a um custo terrível para a Grécia, seus credores e seus patrocinadores oficiais do setor – uma reestruturação de dívida essencial.”

Obama pode ter chegado tarde à conclusão certa, mas ele expressou o que deveria ser uma verdade óbvia: “Você não pode continuar espremendo países que estão em meio à depressão.”

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Se o discurso de Obama for considerado, ele deve continuar a empurrar para o tipo de acordo que a Grécia precisa – aquele que falha no lado de muito perdão à dívida, ao invés de perdoar só um pouco. Uma análise recente mostra que o perdão da dívida pública da Grécia é inequivocamente desejável, pois outro negócio ilegítimo irá manter a economia grega deprimida, garantindo que o problema logo se repita. Se as suscetibilidades europeias precisassem ser satisfeitas, o pagamento da dívida da Grécia poderia levar mais de 100 anos

No final do dia, o perdão de dívida beneficia credores como ajuda aos devedores. Os credores sabem disto pelo menos desde o século XVI, quando o Rei Philip II da Espanha tornou-se o primeiro soberano inadimplente conhecido do mundo. Como disse Jesus, “É mais abençoado dar do que receber.”

As autoridades europeias devem entender que o próximo ato da tragédia grega não irá ser restrito à Grécia. Caso o socorro não se concretize, o descontentamento político vai se espalhar, as forças extremistas ganharão força e pode estar em perigo a própria sobrevivência da União Europeia.

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Ashoka Mody, ex- chefe da missão para Alemanha e Irlanda no Fundo Monetário Internacional, atualmente é Professor Visitante de Economia Política Internacional no Woodrow Wilson School of Public and International Affairs, Universidade de Princeton

Tradução: Roseli Honório

© Project Syndicate, 2015

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