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Monitor de VEJA: Com menor fatia no orçamento, empresas lutam por crédito 

Dinheiro liberado pelo governo para combate da pandemia privilegia transferência direta de renda e deixa empregadores apreensivos com o futuro

Por Larissa Quintino, Felipe Mendes Atualizado em 2 out 2020, 10h48 - Publicado em 2 out 2020, 09h50

Nos primeiros sinais de que o baque da pandemia do novo coronavírus bateria forte no Brasil, a equipe econômica de Paulo Guedes agiu com rapidez. Enquanto a briga era centrada entre Bolsonaro, governadores e agora ex-ministros da saúde sobre a melhor forma de se tratar a questão sanitária, a Economia tinha o objetivo de fazer um colchão para enfrentar o tombo. Para isso, focou na liberação (rápida) de dinheiro em algumas frentes, como transferência de renda para trabalhadores da economia informal, programas para conter a demissão, formas de fomentar crédito a pequenas empresas e dinheiro para ministérios e entes federativos tratarem da pandemia. A ordem era não deixar ninguém para trás. Até esta sexta-feira, 2, o governo havia empenhado 78,24% do orçamento da Covid para esses eixos. VEJA monitora desde o dia 8 de maio a evolução dos gastos. A ordem que Bolsonaro e Guedes passaram foi seguida quase à risca. A exceção ficou para as pequenas e médias empresas, o que pode representar um problema significativo para o país no pós-pandemia. 

Dos 679,85 bilhões de reais do orçamento monitorado — que contempla dinheiro novo como do auxílio emergencial e adiantamento de verbas, como o 13º de aposentados — apenas 11,89% são para o socorro a empresas, o equivalente a 80 bilhões de reais, oferecidos com mais intensidade depois de muitos reajustes por parte do governo. A maior parte dos recursos ficou para programas de transferência direta de renda. O auxílio emergencial, que sustentou o poder de compra do brasileiro no período e ajudou a conter a queda do PIB, por exemplo, tornou 322 bilhões de reais disponíveis. Desse dinheiro destinado para empresas, 65,47 bilhões de reais já foram empenhados. 

Na famigerada reunião interministerial do dia 22 de abril, que se tornou pública graças a um pedido do ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, o ministro Guedes defendeu o uso do Banco Nacional de Desenvolvimento Social, o BNDES, para salvar grandes companhias. Disse, no entanto, que o governo perderia dinheiro “salvando empresas pequeninhas”. No entanto, segundo números do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), os micro e pequenos negócios representam 54% da geração de emprego e 99% das empresas do país. Sem ajuda, essas companhias podems ser riscadas do mapa, o que representa uma grande preocupação na retomada, já que, na visão do próprio ministro, é com emprego que o país voltará a crescer. 

O governo tornou disponíveis, em primeiro momento, 34 bilhões de reais do Tesouro a serem enviados ao BNDES para o Programa Emergencial de Acesso ao Crédito (Pese), chamado pela equipe econômica de Fopas, em alusão a sua missão de compensar repasses a folha de pagamentos das empresas. O montante seria destinado para pagar a salários de empresas e, como contrapartida, as mesmas não poderiam demitir. O dinheiro ficou encalhado e teve pouca procura dos empresários. Cerca de 4 bilhões de reais deste orçamento foram gastos. A pequena procura por esses recursos fez com que fosse alterado o plano. O governo, então, redirecionou o foco para a liberação de dinheiro do Tesouro como garantia para programas de crédito, o que aumentou o apetite dos bancos. Cerca de 13 bilhões de reais foram dedicados para esse tipo de ação, como os programas de liberação do FGI (Fundo Garantidor para investimentos) e o Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), chegando a 47,9 bilhões de reais disponíveis em garantias. Mesmo assim, o orçamento para empresas continuou relativamente tímido e o acesso ao crédito não chegou a todos. Desses 47,9 bilhões de reais, 42,9 bilhões já foram empenhados e a necessidade das empresas continua. Ainda há 5 bilhões de reais para o setor do turismo. Nesta semana, o Tesouro Nacional liberou 10 bilhões de reais para financiar o programa PEAC Maquininhas, que oferece crédito com taxas mais baixas utilizando como garantia as vendas futuras da empresas. A primeira parte do crédito, de 5 bilhões de reais, já foi repassada ao BNDES. 

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Um levantamento da Boa Vista SCPC mostra que, em julho, o número de falências decretadas subiu 71,3% frente ao mesmo período do ano anterior – as pequenas empresas foram responsáveis por 93,4% desses pedidos. A chef Teresa Corção, proprietária do restaurante fluminense O Navegador, um dos preferidos do ministro da Economia e do clã Bolsonaro, foi um dos que sucumbiu à crise. Ela, que em 2016 foi finalista do Basque Culinary World Prize, prêmio tido como uma espécie de Nobel da gastronomia, não conseguiu ter acesso a crédito durante a pandemia e viu o seu tradicional empreendimento fechar as portas. Como comércio e serviços não essenciais tiveram as suas atividades interrompidas em meados de março, Teresa colocou seus 15 funcionários na MP 936, do BEm (Benefício de Emprego e Renda), que permite corte de jornada e salário. Não esperava, no entanto, que, embora essa atitude mitigasse os danos iniciais ao caixa da companhia, ela teria de arcar com os salários de seus colaboradores, mesmo após a decisão de fechar o estabelecimento. A manutenção da mão de obra após o recebimento do benefício é uma das contrapartidas da medida, que tem como objetivo preservar a força de trabalho durante a crise.  “A princípio, todos esperavam que a pandemia acabaria em três meses. Depois, nós vimos que o buraco era mais embaixo”, diz ela. “O governo ajudou os empregados e não os empregadores. Se ele tivesse ajudado os empregadores, nós poderíamos receber essa ajuda aos empregados. Quando acabou o benefício do governo e eu já tinha resolvido fechar, tive de arcar com mais três meses de salários mesmo com o restaurante parado e com os funcionários em casa”. O jeito para Teresa fechar seu estabelecimento sem dívidas com funcionários e com órgãos do governo foi realizar um leilão de absolutamente todas as peças que faziam parte de seu importante restaurante. Arrecadou 150.000 reais.

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 Muitos esperavam que o Pronampe fosse suprir essa carência de crédito. Até ajudou, e fez escoar parte do crédito que se mantinha retido. Segundo a Caixa Econômica Federal, 15 bilhões de reais foram emprestados para 136.000 micro e pequenas empresas no país desde o início da linha de crédito, em junho. Ainda assim, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), categoria que concentra boa parte dos pedidos, identificou que 78% dos empreendimentos pelo país tentaram acessar o crédito por meio do Pronampe, mas o número de retornos positivos foi abaixo dos 50%. O programa de apoio foi oferecido para micro e pequenas empresas com faturamento anual de até 4,8 milhões de reais. “Com o Pronampe, criou-se uma expectativa de que seria emprestado algo referente a 30% do faturamento da empresa no ano anterior. Isso nunca aconteceu. Na melhor das hipóteses, emprestou-se 10%. Isso levou à morte de empresas e ao desemprego”, diz Paulo Solmucci, presidente da Abrasel. “No Brasil, banco não empresta dinheiro sem algo em troca. Não adianta colocar spread baixo porque, por aqui, isso não dá certo.”

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 Um levantamento do Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), realizado a partir de dados do Banco Central, mostra que, apesar das medidas adotadas pelo governo para ampliar o acesso a crédito no país, houve uma redução no número de operações realizadas por empresas de todos os portes. Durante o segundo trimestre de 2020, fase mais aguda da pandemia, essa queda foi de 12% em relação ao primeiro trimestre do ano. Em contraposição, os dados do BC mostram que houve uma expansão de 15% no volume de crédito concedido no mesmo período. A explicação para isso é simples: menos empresas tiveram acesso ao crédito, mas aquelas que conseguiram, por terem boas relações com os bancos, obtiveram um volume maior. Boa parte delas eram grandes empresas. “Não houve a ajuda esperada para micro e pequenas empresas nem por parte do governo e muito menos por parte dos bancos, ainda que o governo tenha assumido parte das garantias desse crédito”, diz Carlos Melles, presidente do Sebrae. “As empresas estão retomando, independentemente disso, mas os prejuízos só se acumulam”. Para Melles, a necessidade de crédito por parte das micro e pequenas empresas é da ordem de 200 bilhões de reais, muito aquém do desembolsado. 

Dados atualizados em 2 de outubro, às 9h24

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