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O desafio do parto prematuro

As complicações decorrentes de partos precoces – que ocorrem antes das 37 semanas de gestação – se tornaram a principal causa de mortalidade infantil em todo o globo. Ao site de VEJA, especialistas explicam por que os números são tão elevados e como poderá vir do Brasil a solução para esse grave problema

Por Rita Loiola Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 24 Maio 2016, 16h29 - Publicado em 23 nov 2014, 09h00

Pela primeira vez na história, o parto prematuro – aquele feito antes que as 37 semanas de gestação estejam completas – é a principal causa de mortalidade infantil em todo o mundo. De acordo com o mais amplo estudo do gênero, publicado no periódico The Lancet, as mortes por complicações desse tipo de nascimento chegaram a 1,1 milhão, superando doenças como pneumonia e diarreia, até então responsáveis pela maior quantidade de mortes de crianças até 5 anos.

No Brasil, são cerca de 9 000 óbitos anuais, o que torna o país o líder na América Latina em mortes ligadas a nascimentos precoces. Nossa taxa é de 22%, acima da proporção mundial de 17,4%.

As estatísticas revelam uma revolução no padrão da saúde infantil global: em países pobres e ricos, a desnutrição e as doenças infecciosas que matavam na infância foram vencidas, transformando as complicações de nascimentos precoces no próximo desafio ao combate da mortalidade infantil.

“Vivemos uma mudança no modelo da saúde, chamada transição epidemiológica. As mortes estão se aproximando cada vez mais do momento nascimento e precisamos, agora, de esforços para compreender e prevenir esse fenômeno extremamente complexo que se tornou um grande problema mundial”, diz o pediatra Fernando de Barros, pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e uma das maiores autoridades do país em saúde infantil.

Os especialistas têm previsto essa transformação há pelo menos quatro décadas e alertado os sistemas de saúde para a importância dos cuidados durante o período pré-natal e após o nascimento, única forma eficaz de prevenir as mortes de bebês prematuros. Os altos números divulgados pelo estudo demonstram que, nesse período, pouco se avançou em estratégias de combate aos nascimentos antes da hora.

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“O parto prematuro é um tipo de síndrome silenciosa, pouco conhecida e com consequências trágicas”, diz o médico Renato Passini Junior, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “As autoridades em saúde ainda não têm ideia da dimensão desse problema complexo que, em grande parte, pode ser evitado.”

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Diminuição da mortalidade infantil – A liderança das complicações do parto prematuro nas mortes de crianças é consequência de uma queda mundial na mortalidade infantil entre 2000 e 2013, período analisado pelo estudo do The Lancet. A taxa caiu 3,9% e grande parte dessa redução foi devida ao desenvolvimento de tratamentos, vacinas e intervenções médicas para combater doenças como pneumonia, sarampo, diarreia e malária. Os avanços científicos, entretanto, não tiveram o mesmo resultado para as mortes relacionadas aos partos prematuros. Elas diminuíram mais lentamente – o que fez com que as estatísticas, proporcionalmente, aumentassem.

“Sabíamos que esse era um grande fator de mortalidade infantil, pois as últimas pesquisas mostravam o parto prematuro como o segundo colocado. Em grande parte do mundo, esses bebês não podem ser tratados adequadamente: nascem em casa e não têm acompanhamento, o que leva ao número elevado de mortes”, explica o médico americano Robert Black, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e líder da pesquisa.

O maior número de bebês mortos por conta do nascimento precoce está em países pobres como a Índia, com 361 600 óbitos, Nigéria, com 98 300 mortes, ou Paquistão, onde foram registradas 75 000 mortes. No entanto, o drama dos nascimentos prematuros também atinge países desenvolvidos. Os lugares com as maiores proporções entre mortes ocorridas por complicações de partos prematuros são Macedônia (51%), Eslovênia (47,5%) e Dinamarca (43%).

Isso é explicado porque, nos países desenvolvidos, a taxa de nascimentos de prematuros é baixa – e a maior parte de mortes de prematuros nesses lugares não poderia ser evitada. “Nos países ricos, outras causas de mortalidade infantil como doenças infecciosas ou diarreia foram eliminadas e, por isso, a proporção é alta. Mas, em números absolutos, há poucas mortes relacionadas às complicações de partos prematuros em regiões desenvolvidas, ao contrário do que acontece na África ou Ásia”, explica Black.

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Brasil – Esse cenário é o oposto do que acontece no Brasil. De acordo com dados do Sistema de Informações de Nascidos Vivos, do SUS e do Ministério da Saúde, utilizados no maior estudo sobre fatores de nascimentos prematuros no Brasil, 340 000 bebês nasceram prematuros em 2012. São 40 por hora, uma taxa de 12,4% – o dobro da Europa.

A pesquisa, coordenada por Renato Passini Junior, da Unicamp, foi publicada em outubro na revista Plos One e acompanhou durante um ano cerca de 30 000 nascimentos em maternidades das regiões Sul, Sudeste e Nordeste. O objetivo foi descobrir as causas de tantos nascimentos precoces no país – o que leva um bebê a nascer antes do tempo é uma soma de componentes complexos ainda não claramente compreendidos pela medicina.

“O número de partos prematuros no Brasil é assustador. No entanto, há vários fatores já conhecidos que podem ser identificados durante a gravidez e combatidos. O fumo ou infecções urinárias durante a gestação, que podem levar um bebê a nascer antes do tempo, são facilmente evitáveis”, diz Passini.

Fatores de prematuridade – Obesidade, pressão alta, diabetes, infecções ou a idade materna são alguns dos fatores de risco clássicos para partos prematuros. O estudo brasileiro mostrou que as seis primeiras causas que levam uma gestação a ser interrompida antes do tempo são gravidez múltipla (24 vezes mais), encurtamento do colo do útero (6 vezes mais), má-formação fetal (5 vezes mais), sangramento vaginal (dobra o risco), menos que seis consultas de pré-natal (1,5 vezes mais) e infecções urinárias (1,2 vezes mais).

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De acordo com Passini, por trás dessas causas pontuais estão elementos como um número crescente de mulheres que fazem tratamentos reprodutivos – e têm mais chances de gestações múltiplas – e os avanços da medicina, que permitem que mulheres com problemas de saúde levem a gravidez até os últimos estágios. Além disso, há a mudança no estilo de vida, com mais pessoas obesas e diabéticas, e equipes de saúde pouco qualificadas para identificar sintomas que possam levar a partos prematuros.

“A primeira medida para se evitar as mortes é não só fazer o pré-natal, mas fazer um pré-natal de qualidade desde os primeiros meses: a maior parte dos problemas é identificada cedo e pode ser combatida. Em seguida, é preciso a sensibilização de profissionais e gestantes para que saibam que o parto prematuro é um problema que traz consequências terríveis para a criança”, diz Passini. “Junto a isso, os sistemas de saúde precisam perceber que esse é um problema gravíssimo que precisa ser combatido.”

Cesarianas – Um dos problemas discutidos pelos especialistas em saúde infantil é o número elevado de cesarianas em países como o Brasil e os Estados Unidos. Entretanto, ainda não foi encontrada uma relação direta de causa. Em nosso país, normalmente, os partos são marcados após as 37 semanas de gestação. Os bebês nascem, em média, com 40 semanas.

“Se houver erros no cálculo da duração da gestação, uma operação cesariana pode ser feita antes do tempo”, afirma Robert Black, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.

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De acordo com pesquisa coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz e publicada este ano, 35% das crianças brasileiras nascem com 37 ou 38 semanas de gestação – período em que termina a formação do pulmão, último órgão do feto a ficar pronto. A má-formação do pulmão pode trazer, além das internações em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal, infecções e problemas respiratórios.

“Normalmente, não esperamos as mulheres entrarem em trabalho de parto – o bebê talvez não nasça com a definição clássica de prematuro, mas nasce imaturo, o que pode leva a diversos problemas de saúde e muitos custos associados a isso”, explica a epidemiologista Silvana Granado, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz.

Investimentos em prevenção – Para combater as mortes relacionadas a partos prematuros, um dos maiores financiadores de pesquisas e programas de prevenção em todo o planeta é a fundação americana Bill & Melinda Gates. Só no Brasil, desde o ano passado, foram investidos 8,4 milhões de reais, em parceria com o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Os recursos, destinados a 12 estudos e iniciativas nacionais, pretendem compreender as causas do fenômeno e replicar seus resultados em outras regiões do mundo diminuindo, assim, as taxas globais. Como o país tem uma alta taxa de nascimentos prematuros, a esperança é que saia daqui a solução para o problema.

“Parte da mudança no panorama da mortalidade infantil se deu porque as doenças infecciosas foram tratadas e prevenidas com vacinas ou antibióticos. Ainda não encontramos abordagens tão eficazes para os partos prematuros – apesar de existirem muitos avanços. O Brasil é um exemplo na redução da mortalidade infantil e tem uma estrutura clínica e científica bem desenvolvida que permite criar conhecimento para beneficiar crianças em risco. A ênfase na prevenção de doenças como a pneumonia é uma incrível história de sucesso e a esperança é que as pesquisas brasileiras sobre partos prematuros encontrem causas que possam ser combatidas, da mesma maneira que aconteceu com as doenças infecciosas”, afirma Jeff Murray, diretor de Saúde da Família da Fundação Bill & Melinda Gates.

Crianças prematuras – Para os especialistas, para derrubar as mortes causadas por partos prematuros é preciso diminuir o número de nascimentos de crianças antes do tempo. Além das consequências psicológicas, os partos prematuros representam enormes gastos. De acordo com um estudo de 2007, feito pelo Instituto de Medicina, braço da Academia Nacional de Ciências americana, os custos associados aos nascimentos prematuros representam 26,2 bilhões de dólares anuais aos Estados Unidos. Um bebê prematuro custa 12 vezes mais que uma criança nascida no momento certo.

Para um bebê nascido antes das 37 semanas, as consequências podem ir desde os esperados problemas respiratórios até cegueira, surdez, paralisia cerebral, deficiências físicas e cognitivas. Com o organismo frágil, a criança é mais suscetível a doenças de todo tipo, que podem afetar seu desenvolvimento.

“Os nascimentos prematuros requerem a atenção imediata das nações, especialmente de países como o Brasil, que exibe alta proporção de mortes”, diz o médico Christopher Howson, consultor da Organização Mundial de Saúde e um dos autores do estudo Born Too Soon (Nascido Muito Cedo, em tradução livre), de 2012, o primeiro estudo a mapear nascimentos prematuros em escala global. “A boa notícia é que muito pode ser feito imediatamente para acelerar a prevenção de nascimentos precoces e para melhorar o cuidado a esses recém-nascidos. Há recomendações que podem ser seguidas: o necessário é coragem política e ação.”

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