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Luz a preço de ouro

Roraima, estado controlado pelo clã Jucá, gasta fortunas com geradores emergenciais para fornecimento de energia. A conta é repassada a todos os brasileiros

Por Bianca Alvarenga Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 nov 2017, 06h00 - Publicado em 3 nov 2017, 06h00

Roraima é um dos mais jovens estados brasileiros. Deixou de ser território com a Constituição de 1988. A população mal chega a 500 000, similar ao total de habitantes do distrito de Itaquera, na Zona Leste de São Paulo. A produção econômica fica na lanterna entre todos os estados e equivale a 0,2% do total nacional. Para seus moradores, uma das grandes travas ao desenvolvimento é a instabilidade no fornecimento de energia. O estado é o único totalmente isolado do Sistema Interligado Nacional de eletricidade. Depende da importação da vizinha Venezuela ou do fornecimento de usinas térmicas. Os apagões na região são constantes. O estado fica no escuro ao menos três vezes por mês. Em municípios menores, as quedas de energia se estendem por dias. Para superar as dificuldades, Roraima lançou um plano de investimento em usinas térmicas e geradores. O projeto foi capitaneado pelo senador Romero Jucá (PMDB), o político local de maior envergadura em Brasília. A questão é que Roraima continua sendo um estado-vaga-lume, embora os novos geradores tenham sido adquiridos em contratos emergenciais e custem milhões e milhões de reais para ser mantidos. A conta? É rateada entre todos os brasileiros.

Um megawatt-hora em Roraima custa, em média, 931 reais. Isso representa mais do que o dobro da tarifa média no Sudeste. A energia das térmicas no estado custa ainda mais: 1 713 reais por megawatt-hora. É um custo, porém, que não bate diretamente no bolso dos roraimenses. A tarifa média cobrada dos consumidores é 383 reais. A diferença entre o custo de geração e o efetivamente cobrado nas contas de luz é coberta pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). O fundo existe para bancar o fornecimento em regiões isoladas ou de baixa renda. Os recursos da CDE vêm de um encargo que é cobrado de todas as contas de energia do país, e parte do dinheiro banca o óleo diesel consumido pelos geradores em Roraima. O subsídio energético ao estado deve somar 800 milhões de reais neste ano.

Faz sentido subsidiar a energia em uma área tão isolada. O que faz menos sentido é a maneira como os contratos de fornecimento vêm sendo celebrados — e aí começam a despontar as particularidades do estado e as pegadas de Jucá. A empresa que responde pela distribuição é a Boa Vista Energia, subsidiária da Eletrobras. Antes, ela dividia o serviço no estado com a Companhia Energética de Roraima (Cerr), cuja concessão de funcionamento foi cassada no ano passado, pelo alto volume de dívidas. Luiz Henrique Hamann, apadrinhado de Jucá, dirigiu ambas as companhias. Saiu do comando da Boa Vista Energia em 2016 para alçar um voo maior: foi indicado pelo senador para a diretoria de distribuição da Eletrobras, onde despacha atualmente. Foram a Boa Vista e a CERR que contrataram as empresas escolhidas para fornecer os geradores. Mas não deveria ter sido assim. Em outros estados, essa missão cabe à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Um decreto de 2010 tirou a responsabilidade da organização dos leilões de geração de energia nos sistemas isolados das mãos das distribuidoras locais. A razão era simples: como as subsidiárias da Eletrobras foram loteadas pelos políticos locais, os leilões padeciam de vícios de todos os tipos. Outro decreto atribuiu às geradoras de energia, e não mais às distribuidoras, a responsabilidade pela compra do combustível das térmicas. Isso porque havia sinais de superfaturamento: as distribuidoras estatais indicavam quantidades maiores que o necessário e o volume excedente era contrabandeado.

Mas o pobre Estado de Roraima conseguiu ser uma exceção. Segundo portarias publicadas pelo Ministério de Minas e Energia em 2013, 2014 e 2016, o estado se encontrava em situação emergencial. Por isso, as empresas locais deveriam cuidar dos contratos. Na prática, o ministério, controlado até 2016 pelos caciques do PMDB do Norte e do Nordeste, deu aval ao estado para que fechasse contratos emergenciais, a custos elevadíssimos. A conta, ora bolas, seria dividida entre todos os brasileiros.

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FALTA A LIGAÇÃO – Roraima podia ser abastecido pela energia de Tucuruí, mas a linha de transmissão não saiu do papel (Tarso Sarraf/Estadão Conteúdo)

Algumas das maiores empresas do setor não conseguiram ser escolhidas para prestar o serviço. Para executivos da área, chamou atenção o fato de uma empresa sem projeção nacional ter sido agraciada com o maior contrato: a Oliveira Energia, com sede em Manaus. De modesta revendedora de motores de barco, a Oliveira deu um salto a partir de 2009, entrando no mercado de geradores. Tirou proveito do programa Luz para Todos, do governo Lula, e assumiu projetos para abastecer cidades no interior do Amazonas com usinas térmicas. Atualmente opera cerca de quarenta dessas usinas. Já faturou mais de 300 milhões de reais em contratos públicos nos últimos anos. Técnicos da Aneel pressionam o Ministério de Minas e Energia para que este reveja as portarias e procure uma solução mais transparente e menos onerosa para abastecer Roraima. Até agora, nada foi decidido.

(Arte/)

Tudo seria mais simples e econômico caso o estado fizesse parte do Sistema Interligado Nacional. Para isso, bastaria construir uma linha de transmissão, prevista há anos, mas que nunca saiu do papel. Em 2011, um consórcio venceu o leilão de implantação da linha, de 720 quilômetros de extensão, que conectaria Manaus com Boa Vista. A previsão era que a obra ficaria pronta em 2014. No entanto, o plano esbarrou na reserva indígena ua­imiri-atroari, com 1 500 habitantes, em uma extensão de 2,5 milhões de hectares (quase o tamanho de Sergipe). De acordo com especialistas, seria possível fazer a obra sem impactos significativos na área protegida (veja o quadro acima). As torres margeariam uma rodovia já existente, a BR-174. A área afetada pela linha de transmissão representa 0,001% do território da reserva. Ainda assim, o consórcio não conseguiu o licenciamento e desistiu do projeto. Agora a Eletrobras tenta levar a obra adiante. O governo prometeu fazer uma força-tarefa para negociar com os índios e obter a licença, mas não há previsão para que isso aconteça. A ligação, sem novos atrasos, ficará pronta em 2024. Estima-se que o custo de conclusão da linha seja de 1,6 bilhão de reais. Esse é o preço para o fornecimento de energia em Roraima por dois anos, na base atual. “Enquanto isso, os recursos dos brasileiros vão sendo desperdiçados”, avalia Claudio Salles, presidente do Instituto Acende Brasil. A dúvida é se o projeto da linha de transmissão empacou por causa do zelo com os indígenas ou porque havia outros interesses em jogo.

LUZ PARA TODOS – Jucá vistoria gerador da Oliveira: contrato emergencial (Benicio Moreira/ASCOM/)

O preço da energia representa apenas uma parcela do custo dos desmandos roraimenses cobertos pelos brasileiros. Manoel Dantas Dias, presidente do Tribunal de Contas do Estado, órgão que deveria vigiar as despesas locais, é investigado por peculato e teria feito vistas grossas aos abusos dos governadores em troca de nomeações de parentes a cargos públicos. A prefeita de Boa Vista, Teresa Surita, ex-mulher de Romero Jucá, esteve envolvida em uma investigação por desvios no projeto Minha Casa Minha Vida. O terreno em que um conjunto habitacional foi construído pertencia à família de Teresa e Jucá. Segundo a Polícia Federal, o valor de compra foi superfaturado. Rodrigo Jucá, ex-deputado federal e filho do senador, é investigado no mesmo escândalo e apareceu na delação da Odebrecht por ter recebido propina da empreiteira. Marina Jucá, filha do senador, é sócia da Boa Vista Mineração. Será que isso ajuda a explicar por que o pai defende veementemente a permissão de extração mineral em terras indígenas?

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Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2017, edição nº 2555

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