Carta ao Leitor: Nas mãos do Supremo
Deve-se invalidar a delação da JBS, jogando-se as provas no lixo? Ou descartam-se apenas os depoimentos? Ou, ainda, cancelam-se os benefícios aos delatores?
Em mais um texto magistral, o colunista J.R. Guzzo faz um resumo cirúrgico do que se passa no país em seu artigo, na página 98: “Estamos num momento escuro”.
Para onde quer que se olhe, quando o assunto é política e coisa pública, tropeça-se em algo de proporções descomunais, a começar pela imagem dos 51 milhões de reais acomodados em malas em um apartamento de Salvador vinculado ao ex-ministro Geddel Vieira Lima. Talvez mais espantoso ainda seja aquilo que não se vê mas se intui — e, nesse campo das coisas imaginadas, a delação de Joesley Batista, dono da JBS, é um ingrediente ímpar.
Além dos áudios divulgados pelo site de VEJA na terça-feira passada, nos quais Joesley e seu funcionário Ricardo Saud trocam confidências que vão da grosseria à bandalheira, VEJA publica nesta edição outra novidade turbulenta: em sua delação, a JBS escondeu os laços temerários que mantinha com juízes de tribunais superiores de Brasília, como sugerem mensagens de WhatsApp às quais a revista teve acesso, complementadas por entrevista exclusiva. Somada ao conteúdo dos áudios, essa nova revelação contribui para formar a convicção de que a delação da JBS, que rendeu benefícios celestiais aos delatores, está irremediavelmente comprometida: eles feriram a lei ao omitir informações essenciais às investigações.
Mais um elemento a complicar a natureza da delação da JBS é o envolvimento do ex-procurador Marcelo Miller, cujo papel ainda está nebuloso mas já emanou as primeiras lufadas de enxofre. A questão central é saber se Miller atuou dos dois lados do balcão, induzindo certas condutas, ou se apenas orientou os termos da delação, como costumam fazer os procuradores. Disso tudo resulta um nó que apenas o Supremo Tribunal Federal poderá desatar. Deve-se invalidar toda a delação da JBS, jogando-se mesmo as provas clamorosas no lixo? Ou preservam-se documentos, áudios e vídeos, descartando-se apenas os depoimentos? Ou, ainda, cancelam-se apenas os benefícios concedidos aos delatores infratores?
Em meio à discussão jurídica bizantina que será oferecida ao país da roubalheira solta, as partes já estão assumindo seu posto de ataque. Como sempre aconteceu desde que a Lava-Jato veio à luz, é necessário distinguir, entre os argumentos que virão a público, aqueles que pretendem higienizar as delações para seguir em frente e punir eventuais criminosos e aqueles argumentos que, a pretexto de higienizá-las, querem que o Brasil retorne ao tempo da impunidade dos crimes de colarinho-branco.
Com a palavra, neste momento escuro, o Supremo Tribunal Federal.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2017, edição nº 2547