Carta ao Leitor: A tolerância salva
A reportagem sobre transgêneros integra uma linha nobre do jornalismo de VEJA, que sempre dedicou especial atenção às mudanças de comportamento na sociedade
Durante quatro semanas, a repórter Giulia Vidale, de 27 anos, mergulhou no mundo dos transgêneros, assim chamados os homens e mulheres que não se identificam com seu sexo biológico. Nesse período, Giulia ouviu estudiosos e especialistas da área da saúde — psiquiatras, psicólogos, endocrinologistas — e, na etapa mais sensível de sua apuração, acompanhou famílias com filhos transgênero. E foi no contato da jornalista com as famílias que sua reportagem tomou a forma final, como se pode ver na reportagem sob o título “A saga de ter um filho transgênero”.
Giulia constatou que os adolescentes e adultos trans faziam questão de dar seu depoimento e não se intimidavam em revelar o nome ou posar para fotografias. Diz ela: “Eles lutam pela diversidade, esforçam-se para ser reconhecidos em sua nova identidade”. Mas as entrevistas com os pais e mães de filhos trans mostraram-se mais tormentosas. “Com os pais, foi mais complicado”, afirma. Giulia percebeu que alguns dos pais tinham receio de aparecer como se fossem militantes da causa dos transgêneros. Outros também temiam ser publicamente criticados por terem filhos trans.
Diante disso, ampliou-se o leque da reportagem. Em vez de retratar tão somente a vida dos transgêneros, a matéria ocupou-se em abordar sobretudo a saga dos pais e mães de filhos trans, que consiste, na quase totalidade dos casos, em um turbilhão emocional em que se misturam susto e medo, revolta e culpa — e que, nas situações mais felizes, termina em respeito e tolerância. Os estudos mostram que, de modo geral, os transgêneros exibem alta incidência de transtornos mentais e enormes taxas de suicídio. Os mesmos estudos mostram que nada disso acontece com os transgêneros que contam com a compreensão, o apoio e o amor da família — num sinal eloquente de que a tolerância salva.
A reportagem sobre transgêneros integra uma linha nobre do jornalismo de VEJA. Em seus quase cinquenta anos de história, a revista sempre dedicou atenção privilegiada às mudanças de comportamento da sociedade, com a motivação de entendê-las e levá-las aos leitores, como demonstram as capas reproduzidas ao lado. Ali, estão reportagens sobre a força dos jovens (1984), a realidade dos gays (1993), o impacto do Facebook (2011), as mulheres que preferem não ter filhos (2013) — e a diluição, entre os mais jovens, das fronteiras entre os gêneros masculino e feminino (2016), tema que já prenunciava o assunto desta edição.
Aos pais e mães que concordaram em contar suas histórias e as de seus filhos, bem como aos transgêneros que receberam a reportagem, VEJA agradece o gesto de confiança.
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2017, edição nº 2552