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A era do instantâneo

Os apps Meerkat e Periscope são frutos de uma época em que impera a efemeridade: tudo é filmado e reproduzido ao vivo, mas logo depois some na rede. Eles prometem ditar uma nova forma de gravar e assistir a vídeos

Por Filipe Vilicic Atualizado em 24 Maio 2016, 16h10 - Publicado em 17 abr 2015, 22h07

A internet, somada à câmera de smartphones, inaugurou uma era em que tudo pode ser gravado e compartilhado – o que transformou a vida de muitos em um reality show virtual, transmitido via Facebook. Mas até este momento a regra estabelecida era: um indivíduo grava, fotografa ou escreve algo e, depois, publica. No processo, ele tinha tempo de editar o conteúdo ou desistir de compartilhá-lo. Dois novos aplicativos de iPhone quebraram essa lógica. Pelo Meerkat (lançado em fevereiro) e pelo Periscope (em março), assim que se clica no ícone de gravar, a câmera não só começa a funcionar, como a transmitir, ao vivo, para milhões de pessoas. Os apps transformam celulares em câmeras de TV. Com isso, prometem mudar completamente a forma como registramos nosso ponto de vista da realidade, e até mesmo a relação de confiança que estabelecemos entre nós. A noção de que tudo o que fazemos é gravado se tornou mais incipiente: agora, não só é filmado, como o mundo pode estar olhando, sem sabermos.

Em inglês, meerkat significa suricato, aquele mamífero africano com cara de roedor que ganhou fama entre crianças como o personagem Timão do desenho O Rei Leão. “Os suricatos estão sempre alertas, atentos, ao que ocorre ao redor”, definiu o empreendedor israelense Ben Rubin, fundador do Meerkat, ao explicar a escolha do nome. Como é de praxe entre aplicativos recém-lançados, a startup ainda não divulga o número de cadastrados no programa. Estima-se, porém, que já passe de 1 milhão de usuários (alertas a tudo ao redor, como os suricatos), com um crescimento diário que chega a superar os 30%.

Pelo app são transmitidos de protestos contra a violência policial nas ruas de Nova York a vídeos de pessoas assistindo a suas séries preferidas de TV. O Meerkat também conquistou celebridades, moedas preciosas para qualquer nova rede social (visto que atraem milhares de fãs). Neste mês, a cantora americana Madonna – usuá­ria mais popular – escolheu lançar seu novo videoclipe, Ghosttown, no Meer­kat. A transmissão teve uma série de problemas técnicos. Mas a escolha de Madonna revela outro fenômeno: a gradual substituição da TV por smart­pho­nes e tablets. Há uma década, a cantora teria optado por apresentar seu clipe em uma emissora de televisão, a exemplo da MTV. Agora, acredita que é muito mais eficiente usar um app de iPhone.

O sucesso do Meerkat despertou a atenção de outras redes sociais, mais veteranas. O Twitter foi o primeiro a se mexer, lançando seu Periscope no mês passado. O app funciona praticamente do mesmo modo que o concorrente, com a vantagem de ter acesso aos 300 milhões de usuários do Twitter, além de se apoiar na força de divulgação da rede social. Dick Costolo, CEO do Twitter, faz campanha para extinguir o rival. Um dos motivos de o Meerkat ter crescido tão rápido era ele ser completamente interligado com o Twitter. Se uma pessoa se cadastrava no app, já via quem de seus amigos no Twitter também estava na nova rede. Quando o usuário começava a transmitir um vídeo ao vivo, era gerado um tuíte automático avisando seus contatos. Costolo acabou com essa parceria, para fortificar seu Periscope. O CEO ainda começou a contatar celebridades e políticos, para sugerir que desinstalassem o Meer­kat do celular e o trocassem pelo Periscope.

Meerkat vs Periscope
Meerkat vs Periscope ()
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​Outra diferença – pequena para quem vê de fora, só que substancial para os usuários – está em como os ví­deos produzidos são armazenados. No Periscope, as gravações são salvas por 24 horas na rede, acessíveis a qualquer usuário, só que, na prática, se perdem no mundaréu de informações, de outros links ao vivo, que surgem a cada segundo. Já o Meerkat aposta no “veja se puder”: depois que uma transmissão acaba, ela some (é salva apenas no celular de quem fez a gravação).

A forma temporária como tratam os vídeos criados reflete outro aspecto característico desses apps. Em oposição à noção de que tudo o que é postado na internet fica registrado para a eternidade (e tem potencial de se transformar em viral), os aplicativos querem passar a sensação do efêmero. Quem não viu a transmissão ao vivo dificilmente terá nova chance. Nisso, eles se assemelham a outro app de sucesso, o Snapchat, serviço de troca de mensagens pelo qual o conteúdo é destruído segundos após ser recebido pelo destinatário. “Esses aplicativos efêmeros têm o mérito de combinar dois elementos intrínsecos da internet, e que antes pareciam conflitantes, o egocentrismo e a privacidade”, disse a VEJA John Jackson, vi­ce-pre­si­den­te e analista especializado em dispositivos móveis da consultoria americana de tecnologia IDC. “Servem de plataforma para o exibicionismo individual, mas ao mesmo tempo passam a ilusão de que o que é exibido logo sumirá na web”, completa. É ilusão porque a privacidade on-line sempre tem pernas curtas. Um vídeo transmitido pelo Meerkat pode ser copiado por outras pessoas e replicado pela internet. Além disso, apesar de desaparecer no app, ele continua armazenado nos servidores da startup – vulnerável, por exemplo, a hackers. No mundo virtual, nada desaparece por completo.

Os novos apps não são os primeiros a tentar transmitir vídeos ao vivo pela rede. Startups tentam popularizar esse tipo de negócio desde os anos 90, sem sucesso. O que fez com que decolassem agora? O aumento da velocidade da internet móvel com o 4G, combinado à melhora dos chips de processamento de smartphones e tablets, permitiu, pela primeira vez, que essas transmissões fossem realmente ao vivo. Antes, com a web lenta e o processamento inferior dos primeiros iPhones, as gravações travavam assim que algumas dezenas de pessoas começavam a vê-las. A definição da imagem, então, era péssima. Já o Meerkat e o Periscope conseguem exibir links ao vivo com qualidade de TV. Esse é o elemento-chave que impulsionou o uso de celulares como uma das principais plataformas para ver vídeos. Em 2009, apenas 12% dos donos de smartphone usavam o aparelho para assistir a vídeos. Esse número subiu para 46% hoje, com pessoas dedicando mais de 102 minutos mensais ao hábito (e deve superar os 70% nos próximos quatro anos).

Possibilitar que qualquer indivíduo exiba ao vivo o que ocorre à sua frente ainda desafia o status quo de canais de TV. Foi pelo Meerkat e pelo Periscope (e não pela CNN ou pela Fox) que chegaram as primeiras notícias do colapso de um prédio em Nova York, no último dia 26 de março. O assessor da Casa Branca Dan Pfeiffer acredita que apps de transmissão ao vivo de vídeos vão desempenhar papel fundamental na próxima eleição presidencial dos Estados Unidos, em 2016: “Se executivos de organizações de mídia e responsáveis por campanhas políticas não estiverem discutindo o Meerkat, estão cometendo um erro grotesco. Em 2008, tudo se decidiu no Facebook, e em 2012 foi no Twitter. Já 2016 será em uma plataforma como o Meerkat”. Ainda serão sentidos todos os efeitos da inédita possibilidade de ver o mundo pelos olhos (ou, literalmente, pelo smartphone) dos outros.

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Com reportagem de Gabriela Neri

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