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‘Vi tudo tremer e as coisas caírem, mas eu operava a cabeça de um paciente e não podia largá-lo ali’

Médico brasileiro conclui cirurgia durante o terremoto mais violento na história do Japão. Moradores das zonas afetadas descrevem o trauma ao site de VEJA

Por Nana Queiroz
11 mar 2011, 18h51

Quando George Ito percebeu que o terremoto era violento, ele já estava no meio da operação na cabeça de um paciente. “Vi tudo chacoalhar e as coisas caírem. Deu vontade de sair correndo da sala. Mas eu não podia abandonar aquela pessoa na mesa de cirurgia”, lembra o médico paraense, de 39 anos, dos quais nove foram vividos entre os constantes – e na maioria das vezes inofensivos – tremores do Japão. “Não tinha o que fazer, confiei na capacidade dos engenheiros japoneses de construir prédios resistentes a sismos e segurei firme”.

O neurocirurgião falou ao site de VEJA poucas horas depois do seu paciente, vítima de um câncer próximo ao cerebelo, acordar da anestesia. Ele não tinha a menor ideia de que havia sido operado durante o maior terremoto na história do Japão, que atingiu o país nesta sexta. “Claro que senti um pouco de medo, medo todo mundo tem”, diz Ito. E então interrompe o relato para dizer: “olha, mais um tremor. Desde o maior deles, tem um a cada trinta minutos”.

Hasuoka Tetsuya: “Eles dizem que estávamos preparados, mas não é verdade. O transporte público não estava preparado para isso, nem a telefonia, que fez tanta falta para nos tranquilizar”
Hasuoka Tetsuya: “Eles dizem que estávamos preparados, mas não é verdade. O transporte público não estava preparado para isso, nem a telefonia, que fez tanta falta para nos tranquilizar” (VEJA)

Ansiedade – Esses tremores mais fracos prolongaram a angústia de moradores do Japão por toda esta sexta-feira, durante a qual livros continuavam caindo das prateleiras e, na TV, apresentadores usavam capacetes e pediam a todos que permanecessem em estado de alerta. A programação não deixou dormir um outro paraense, o doutorando da Universidade de Tóquio, Gemilson Soares Pontes, de 30 anos. À meia noite, o brasileiro ainda segurava seu kit de sobrevivência (composto por passaporte, água, uma lanterna, uma capa corta-fogo, um mapa do abrigo mais próximo e comida desidratada) e escutava atentamente o apresentador japonês, que falava em 80 mil desaparecidos.

A ansiedade fazia sentido: o paraense tinha muito o que perder. Mora no Japão com a mulher, com quem é casado há três anos, e a filha de onze meses. “Estava checando e-mails quando minha esposa gritou do quarto e perguntou se eu estava sentindo a trepidação também. A princípio, nem liguei muito. Mas, de repente, o tremor ficou forte. Saímos de casa correndo e vi os prédios balançarem feito gelatina e os carros pularem no chão como se fossem de brinquedo”, conta. “Na hora, só pensava em como salvar minha filha. Minha esposa se agarrou a ela, pediu que eu as abraçasse e disse: ‘é isso amor, vai cair tudo, vamos morrer aqui, juntos'”.

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Para a surpresa do casal, nenhum prédio despencou. “Os japoneses estavam muito preparados: não vemos nenhuma destruição de nossa janela. Mas o transporte público está parado e os telefones não funcionam. Nossa única comunicação com o mundo é a internet”. Enquanto dava a entrevista por MSN, por duas vezes Gemilson deixou o computador para agarrar sua filha, temeroso de que os pequenos tremores voltassem a se intensificar.

“Não estávamos preparados” – E mesmo quem já estava ainda mais acostumado com terremotos do que Gemilson se assustou nesta sexta. Foi o caso do estudante japonês Hasuoka Tetsuya que, em seus 22 anos de vida considera “impossível contar o número de terremotos” pelos quais passou. Ele estava em um café perto de sua casa, em Yokohama, segunda maior cidade japonesa e próxima à Tóquio, quando se deu conta de que aquele tremor não era como todos os outros. Correu para rua, aterrorizado.

“As pessoas dizem que estávamos preparados, mas não é verdade. O transporte público não estava preparado para isso, nem a telefonia, que fez tanta falta para nos tranquilizar”, opina. Tetsuya confessa que já se sente menos seguro em seu país. “O epicentro deste terremoto foi próximo a Miyagi, por isso estamos bem. Se ele fosse em Tóquio, não sei o que seria de nós agora”. Como o café ficava perto de sua casa, o estudante pôde conferir se sua família estava bem em apenas alguns minutos.

O carioca Roberto Glower Carapeto, de 25 anos, não teve a mesma sorte. Devido aos altos preços de aluguel no centro de Tóquio, ele mora no subúrbio e pega todos os dias o trem para ir à universidade Waseda, onde é bolsista. Com o sistema de transporte completamente paralisado, Carapeto andou cinco horas da universidade até chegar à residência estudantil onde mora com outros dez brasileiros. Encontrou todos reunidos e seu quarto do avesso. Ele conversou com a reportagem do site de VEJA apenas duas horas depois da caminhada, enquanto ajeitava a bagunça.

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Roberto Carapeto: “Me senti dentro de um filme de aventura no pior sentido. A ponta da Torre de Tóquio, um do ícones da cidade, envergou de leve – eu vi. Mas não voltar pro Brasil: vou ficar aqui e terminar de arrumar o meu quarto” (VEJA)

“Me senti dentro de um filme de aventura, no pior sentido. A ponta da Torre de Tóquio, um dos ícones da cidade, envergou de leve – eu vi. É impossível não sentir medo. Sem pensar duas vezes, me abriguei debaixo de uma mesa”, conta. “Agora vamos hospedar aqui outros brasileiros que estão tão longe de casa que seria impossível chegar mesmo após uma longa caminhada”. Outros estudantes nem sequer deixaram a universidade e dormiram ali mesmo. As lojas de conveniência foram tomadas por gente comprando alimentos para abastecer seus abrigos temporários.

Susto – Em Kashiwa, a 1.000 quilômetros de Tóquio, o gaúcho Bruno Herculano, de 23 anos, tenta contato com uma amiga alemã em Sendai, cidade atingida em cheio pelos terremotos e pelo tsunami. “Infelizmente, ninguém consegue falar com ela. A cidade está sem telefonia e eletricidade, então mesmo a internet está comprometida”, conta o mestrando de biociências. Onde estava, ao contrário, Herculano diz ter perdido apenas alguns tubos de ensaio e substâncias para experimentos científicos. “Os danos em Kashiwa foram mínimos. Estamos apenas tentando nos recuperar do susto”, diz.

Trauma que ainda deve ser lembrado por muito tempo, segundo Carapeto. “Não me admiraria se alguns brasileiros em Sendai estivessem pensando em voltar correndo para o Brasil. Eu não. Vou ficar aqui e terminar de arrumar meu quarto. Preciso mesmo de uma desculpa para pôr ordem na bagunça”. Quanto ao médico heróico do início desta reportagem, ele nem pensa em arredar o pé do Japão. “Honestamente? Já deixei para trás perigos maiores no Brasil…”

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