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Palavras de Deus no dialeto dos bandidos

Padre adota a gíria das ruas para atrair jovens drogados e bandidos para a missa

Por The New York Times
11 jul 2010, 12h11

“Quando você vai à China, tem que falar como um chinês”, explicou o padre Frederick Loos, ao retirar o hábito depois da missa.

Frederick Loos estava maldizendo um marinheiro uma noite dessas, o que era surpreendente dado que é um padre católico e seu discurso grosseiro foi pronunciado do púlpito, diante de centenas de fieis. Falou de Deus, da necessidade de servi-Lo e de como poderiam transformar suas vidas. Mas, entremeado em seu sermão estava o espanhol mais pitoresco das ruas, o que gerou sorrisos nos rostos de muitos bandidos, drogados e outros jovens que se apertavam para ouvi-lo.

“Quando você vai à China, tem que falar como um chinês”, explicou o padre, ao retirar o hábito depois da missa. “Se fala com garotos, use suas gírias. Não creio que Deus se ofenda se isso os aproxima mais Dele.”

Os envolvidos na pujante cultura das drogas no México – usuários e traficantes por igual – têm uma pouco usual relação com a igreja. Cheirar cola e fazer o sinal da cruz pode parecer algo despropositado, tal como matar e ler o catecismo. Mas, para muitos fieis no México moderno, tem tudo a ver.

O enorme rebanho que baixa à igreja de San Hipólito no dia 28 de cada mês é integrado por uma congregação fora do convencional, para dizer o mínimo. Tatuados e com piercings, os jovens fieis vêm de alguns dos bairros mais perigosos da capital, e muitos reconhecem que pertencem a quadrilhas e usam drogas. O uso de droga, na verdade, é comum perto da entrada da igreja, onde o cheiro de maconha satura o ar e proliferam os viciados em cola.

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No entanto, um santo do século 1, que muitos jovens mexicanos adotaram como padroeiro, também causa um efeito que altera a mente. Milhares de jovens fazem peregrinações mensais em datas recentes a San Hipólito, levando velas, rosários e imagens de São Judas Tadeu, o patrono das causas desesperadas.

“Quero me conectar com Deus”, disse um adolescente de olhos vidrados, segurando uma estátua de São Judas e inalando cola, quando foi perguntado sobre seu fervor religioso. Os jovens de metrô, ônibus e bicicleta dos extremos mais rudes da capital mexicana, impaciente por bênçãos. A igreja, com certa iquietude, tenta canalizar esse heterodoxo fervor pela missa. O reverendo René Pérez, o casual sacerdote de uma paróquia com a missão de manter o controle do novo e rebelde rebanho, abriga a esperança de reinventar São Judas como um patrono local, extra-oficial, para os viciados.

“Não temos uma varinha mágica, mas queremos aproveitar a fé que eles têm”, disse Pérez. Por isso, o padre aceita drogas nas cestas de coleta se os seguidores querem renunciar aos seus vícios na hora. Ele também trouxe Loos, um americano de 74 anos que viveu no México durante mais de quatro décadas e cujas gírias de bairro o ajudam a relacionar-se com os recém-chegados.

“É um tremendo fenômeno, e ninguém o entende”, disse Loos, ao notar que o uso de droga acaba na entrada da igreja. “Claramente necessitam ajuda para seus muitos problemas. Carregam estátuas de São Judas, algumas delas maiores que eles mesmos. São Judas se converte em algo próximo a eles.”

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Com o propósito de previnir que a fascinação com São Judas se transforme em interesse em Jesús Malverde, foragido do século 20, que foi adotado como santo de quem está no negócio de drogas, a igreja está impaciente para canalizar a fé dos jovens na igreja. Contudo, algumas congregações tradicionais não estão interessadas particularmente na linguagem vulgar, e um grupo delas se aproximou de Pérez uma outra noite para protestar contra as palavras de Loos.

Os jovens fieis que vão à igreja na Cidade do México não são, por nenhuma medida, os únicos que mesclam religião com vício. Há poderosos traficantes em outras regiões do país que fazem polpudos donativos para reformas de igrejas e outros projetos. Ao se referir aos traficantes como “sumamente generosos”, o bispo Carlos Aguiar Retes, presidente da Conferência dos Bispos Mexicanos, gerou polêmica no ano passado, quando suas palavras foram citadas pelo jornal Reforma dando aos bandidos o reconhecimento pela construção de igrejas, capelas e outras obras de infraestrutura.

No estado de Michoacán, no centro do México, conhecido por seu cultivo de maconha e produção de metanfetamina, uma retorcida versão da Bíblia foi adotada por uma quadrilha de narcotráfico conhecida como La Familia.

“Peço força a Deus e que me apresente os desafios para tornar-me forte”, diz a escritura local. “Peço sabedoria e que me dê problemas para resolvê-los. Peço prosperidade e que me dê cérebro e músculos para trabalhar.” É assinada por Nazario Moreno, o líder espiritual de La Familia, conhecido pelo apelido de “O Mais Louco”. Ele criou um culto no campo que utiliza a religião para justificar ações assassinas de seu grupo, ainda que isso signifique matar policiais que tentem interromper seu negócio de drogas ou a eliminação de rivais cortando suas cabeças. “A maioria dessa gente que está se matando entre si são católicos batizados”, disse Loos. “Como podem fazer o que estão fazendo? A violência é realmente sádica. Como podem voltar para casa à noite e abraçar seus filhos? Não posso entender.”

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