São Paulo fecha novela de 2014 com cheque de R$ 420 mi
Prefeito sanciona a isenção fiscal para o Itaquerão, absorve metade da conta de um estádio privado e escreve o último capítulo do jogo de erros da sede paulista
“Estamos contribuindo para a alegria do povo brasileiro e para o desenvolvimento da Zona Leste”, empolgou-se Kassab ao assinar a isenção fiscal para o Corinthians
Como em qualquer novela, o capítulo final não teve intriga nem desilusão – só festa, reconciliação e esperança, como se todos os percalços estivessem superados para sempre. Passados 780 dias desde que a Fifa anunciou que São Paulo seria uma das cidades-sede da Copa do Mundo de 2014, uma cerimônia realizada na manhã desta quarta-feira selou o final feliz da guerra que cercou a escolha do estádio paulista no torneio. Final feliz, diga-se, apenas para os ocupantes do palanque montado em Itaquera, na Zona Leste da cidade – o local que deverá receber a abertura do Mundial. Para os moradores da maior cidade do país, restou uma conta de 420 milhões de reais, além da dúvida sobre se a cidade será mesmo beneficiada pela realização da partida inaugural da Copa. “Não adianta procurar crise onde não existe”, avisou Orlando Silva, o ministro do Esporte, encerrando dois anos de declarações desencontradas, troca de críticas entre autoridades e vários compromissos quebrados. “O estádio de São Paulo está resolvido”, garantiu, em meio a aplausos da claque reunida no terreno vazio que, dentro de três anos, deverá ser ocupado pelo Itaquerão.
Além de Orlando Silva, participaram da cerimônia o governador Geraldo Alckmin, o presidente corintiano Andrés Sanchez e o prefeito Gilberto Kassab, que sancionou o projeto de lei que concede a isenção fiscal para o estádio. Aplaudido de pé ao discursar, Kassab se mostrou emocionado. “Estamos contribuindo para a alegria do povo brasileiro e para o desenvolvimento da Zona Leste”, empolgou-se. A chance de dar um novo fôlego à região – que, com quase quatro milhões de habitantes, merece, de fato, atenção especial do poder público – tornou-se o mote da sede paulista da Copa do Mundo. Todas as autoridades reunidas nesta quarta falaram sobre a oportunidade de ajudar a área mais populosa da cidade, argumento preferido para justificar a decisão de conceder um pacote de incentivos tão generosos a uma instituição privada, o Corinthians. A bandeira do desenvolvimento da Zona Leste, é claro, só foi erguida na reta final do controverso processo de escolha do estádio de São Paulo. Quando a opção preferida era o Morumbi, a propaganda era pela ausência de dinheiro público no projeto. Quando surgiu a ideia do Piritubão, falava-se na chance de criar um novo pólo de desenvolvimento na cidade. Tudo ficou para trás. Agora, o projeto paulista para a Copa é uma grande transformação urbana e social. “Daqui para frente, será uma nova Zona Leste”, gabou-se Andrés Sanchez.
Filiado ao PT, amigo de integrantes do governo e grande aliado do presidente da CBF, Ricardo Teixeira – que não compareceu -, o presidente do Corinthians tinha motivos de sobra para ficar satisfeito. No momento em que Gilberto Kassab assinou o projeto, Sanchez livrou-se de mais da metade da despesa prevista com a construção do estádio. O orçamento, que já mudou oito vezes em pouco menos de um ano, hoje fixa em 820 milhões de reais o custo total do Itaquerão. O cartola justifica a necessidade de investimento público no estádio dizendo que, se dependesse dele, o Itaquerão seria apenas o campo do Corinthians, não a sede paulista da Copa. Como a Fifa exige uma capacidade maior do estádio que vai receber a abertura, todas as adaptações necessárias ao projeto original foram colocadas na conta do poder público. O problema é o que ocorrerá depois do Mundial. O torneio termina e o estádio fica para o clube. “Como presidente do Corinthians, fico feliz. Mas tem o lado do respeito humano”, disse Sanchez. “Isso tudo não é pelo estádio e nem pelo Corinthians, mas por São Paulo.” O ministro Orlando Silva embarcou no mesmo tom, lembrando que a abertura da Copa de 2010 aconteceu em Soweto, periferia pobre de Johannesburgo, e que o Brasil fará algo parecido ao dar a partida inaugural à Zona Leste paulistana.
‘Pode me cobrar’ – A realização da abertura em São Paulo, aliás, foi outro elemento presente em todos os discursos, ainda que sob enfoques diferentes. Sanchez, por exemplo, usou o tom ríspido e demagógico pelo qual é conhecido no esporte e na política: “A abertura será aqui, pode me cobrar”. Orlando Silva – que rodou o Brasil dizendo que havia condições para fazer a partida inaugural no Distrito Federal, em Salvador e em Belo Horizonte – optou por vestir a camisa da plateia da ocasião: disse que assinou um documento pedindo que a Fifa antecipasse a confirmação do estádio da abertura, sinalizando apoio ao Itaquerão. Kassab, que fora pressionado pelos vereadores da oposição para dar garantias de que a isenção fiscal seria condicionada à realização da abertura na cidade, já se preveniu contra um possível revés. Nesta quarta, defendeu os benefícios da construção do estádio dizendo que o Itaquerão trará investimentos à economia paulistana com ou sem a partida que dá início à Copa, marcada para 13 de junho de 2014. Mas poucos acreditam que exista algum risco para São Paulo. Pelo menos não agora, com as obras em curso, a chancela da Fifa e todos os interesses – do governo federal, do partido do governo, do estado, da prefeitura e da segunda maior torcida de futebol do país -, devidamente atendidos.
(Com reportagem de Davi Correia)