‘O Cristo Redentor não é da Igreja’, critica Carlos Saldanha
Diretor de 'Rio' lamenta a interferência da Cúria na produção de filmes que mostram o monumento, como 'Rio, Eu Te Amo' - vetado e depois liberado
“Esse é o ponto mais sério de todos: nenhuma entidade tem o direito de restringir ou tentar criar empecilho para a expressão de uma ideia. A liberdade de expressão é única e tem de ser respeitada em todo país democrático.”
Quando estava finalizando o primeiro filme da série de animação Rio (2011), Carlos Saldanha foi surpreendido pela informação de que sua produção seria submetida à aprovação da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Tudo por que o Cristo Redentor aparecia em algumas das cenas. Liberado, ele pode inclusive usar a estátua na sequência Rio 2 (2014). Meses atrás, viu seu amigo e colega de profissão José Padilha passar pelo mesmo crivo – mas, agora, com tentativa de censura. O segmento Inútil Paisagem, do filme Rio, Eu Te Amo, chegou a ser cortado da versão final. O fato de o personagem de Wagner Moura desabafar com o Cristo sobre suas crises pessoais foi considerado desrespeitoso. O longa já estava sendo finalizado quando, na última segunda-feira, a Arquidiocese voltou atrás e autorizou a exibição das cenas. Saldanha, que já tinha assistido à composição de Padilha, comemorou o desfecho, mas pediu a abertura de um debate sério sobre o caso: “O Cristo Redentor é uma figura subjetiva da Igreja ou uma imagem que pertence a todos nós?”.
OPINE: A Igreja pode controlar uso da imagem do Cristo Redentor?
De férias na cidade natal, Saldanha recebeu o site de VEJA em um hotel na Zona Sul, nesta semana, para divulgar o lançamento de Rio 2 em DVD e blu-ray. Sempre simpático, ele só desfez o sorriso ao comentar sobre a saga de Padilha em Rio, Eu Te Amo – longa do qual ele também participa, gravando pela primeira vez com atores de verdade. “Não tem como fazer um filme sobre o Rio sem mostrar o Cristo – essa é a discussão”, criticou ele, adiantando que já iniciou conversas para dar continuidade às aventuras da ararinha azul Blu em um terceiro filme da série de animação. Confira os principais trechos da entrevista:
Rio, Eu Te Amo é seu primeiro filme com atores de verdade. Como foi o trabalho? Sim, foi a primeira vez que gravei com uma equipe, antes só tinha feito coisas muito pequenas, de publicidade. Foi minha estreia no Brasil também, nunca tinha filmado aqui e me senti em casa. Fui o primeiro a gravar, deu aquele frio na barriga, mas foi uma experiência incrível. A locação do meu segmento (o Theatro Municipal do Rio) é linda, os atores (Rodrigo Santoro e Bruna Linzmeyer) se empenharam bastante e, para mim, foi um processo muito satisfatório. É uma história de amor, um drama, bem diferente dos filmes que já fiz.
Chegou a ver o episódio do José Padilha? Sim, e achei legal demais.
O que achou do veto da Igreja ao uso da imagem do Cristo Redentor? Fiquei triste quando a parte dele teve de ser excluída, e muito feliz agora que voltou. Mas o episódio abriu um debate maior: O Cristo Redentor é uma figura subjetiva da Igreja ou uma imagem que pertence a todos nós? Não tem como fazer um filme sobre o Rio sem mostrar o Cristo – essa é a discussão. E ele não é só da cidade, é um monumento da humanidade (foi eleito uma das sete maravilhas do mundo moderno).
Na sua opinião, então, a estátua não está ligada a uma religião? Não tem nada a ver. A Igreja e o símbolo deveriam ser completamente separados. O Cristo Redentor não é da Igreja. O fato de a estátua ser uma imagem religiosa não significa mais nada. Quantos judeus, muçulmanos e pessoas que nem acreditam em Jesus, sobem o Corcovado só para tirar foto com o Cristo de braços abertos? Eu conheço muitos.
Padilha disse que se sentiu censurado com a proibição. Concorda? Esse é o ponto mais sério de todos: nenhuma entidade tem o direito de restringir ou tentar criar empecilho para a expressão de uma ideia. A liberdade de expressão é única e tem de ser respeitada em todo país democrático. Se você fala bem ou mal, faz parte. Se todos falassem bem, o mundo seria falso e chato. Temos sempre que ter os dois lados. Mas vale a pena destacar que o curta do Padilha não fala mal do Cristo. É um desabafo pessoal do personagem, algo que quase todo mundo faz. Então, toda essa questão precisa ser repensada.
Rio 1 e 2 também precisaram passar pelo crivo da Cúria? Passaram sim. E eu fiquei surpreso quando me disseram que todo filme que mostra a estátua precisa dessa aprovação. Estou mostrando símbolos que sempre achei que fossem cariocas, e não da Igreja. Achei estranho, mas não tive problemas.
Os dois filmes foram lançados com um intervalo relativamente curto. Já se sabia que seria um sucesso? Fizemos cabines de teste e as reações eram tão boas que começamos a pensar no segundo logo depois do lançamento do primeiro. Porque esse filme demora muito para ser feito, de três a quatro anos – e esse é o tempo máximo ideal para se lançar uma sequência, para estar presente na memória das pessoas. Se se espera muito tempo para fazer o próximo, não vale a pena. O processo de criação e os lançamentos, hoje em dia, estão muito competitivos e rápidos.
Diante disso, podemos pensar que Rio 3 está a caminho? Estamos pensando, conversando a respeito. É um processo natural diante do fenômeno que foram os dois primeiros. Mas também preciso ver como encaixar isso no tempo que eu tenho. Já estou trabalhando em outro filme, a adaptação do livro infantil Ferdinando, O Touro, mais uma animação, que deve ficar pronta em 2017.
O que a série Rio representa na sua carreira? Trabalho com animação há 23 anos. A primeira grande fase da minha trajetória profissional foi com sucesso de A Era do Gelo, que colocou meu nome e meus projetos em evidência, e me deu respaldo suficiente para fazer o Rio, que era um sonho. Foi uma realização pessoal, muito importante pra mim. É um filme mundial, mas com temática extremamente pessoal. Eu tinha vontade de mostrar de onde eu vim, um pouco da minha cultura. E consegui unir realização pessoal e profissional. Foi um marco da minha carreira.
Tem algum personagem favorito? Adoro vilões. O Nigel e a Gabi, neste segundo, foram muito legais de fazer.