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É a maior!

Na semana em que se comemora o centenário de seu nascimento, dois tributos mostram por que Billie Holiday foi a principal inovadora do jazz em todos os tempos

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 6 abr 2015, 16h22

Billie Holiday foi a maior cantora de jazz de todos os tempos? Sem sombra de dúvida. Eleanora Fagan (seu verdadeiro nome) não possuía a maleabilidade de Ella Fitz­ge­rald ou a voz arrasa-quarteirão de Sarah Vaughan, só para ficar em duas de suas “rivais” mais celebradas. Soube, no entanto, usar com inteligência sua voz frágil e de pequeno alcance. Como bem observado pelo crítico alemão Joachim E. Berendt, ela personificou o conhecimento de que, no jazz, importa menos “o quê” e mais “como”. Billie abraçou com entusiasmo a chegada do microfone (que amplificou sua voz e ressaltou a sutileza e a dramaticidade de suas interpretações) e soube como poucas modular suas canções: acentuava certas palavras ou sílabas para atingir um determinado efeito, acelerava baladas, diminuía o andamento de canções rápidas – opções estéticas que influenciaram infindáveis gerações de cantoras. “Sou herdeira do canto de Billie, embora nossos registros vocais sejam muito diferentes”, confessa Cassandra Wilson, uma contralto de registro firme e caloroso. Nesta semana chega às lojas Coming Forth by Day, que contém onze canções do repertório de Billie e uma composição de autoria de Cassandra: Last Song (For Lester), que faz referência ao triste episódio em que Lady Day, como Billie era chamada, foi impedida de cantar no velório de seu mentor, o saxofonista Lester Young. Coming Forth by Day faz companhia a outra homenagem, Yesterday I Had the Blues: The Music of Billie Holiday, no qual José James, cantor inspirado pelo jazz e pelo rap, recria nove canções de Billie acompanhado por um trio estelar (ambos os discos serão lançados no Brasil apenas em versão digital).

Em princípio, é fácil organizar um tributo a Billie Holiday. É só recrutar um maestro consagrado que escreva arranjos pomposos e chamar uma orquestra de renome para executar as canções de maneira reverente. Mas esse estratagema, tão comum em projetos revisionistas como os da cantora e pianista canadense Diana Krall, é uma traição aos princípios musicais de Lady Day. Billie foi uma grande revolucionária de seu tempo: não só criou o canto moderno, mas também foi a primeira a ressaltar a importância do saxofone tenor no jazz. Mais do que uma parceria, as canções que gravou com o saxofonista Lester Young são uma simbiose da parte vocal com a instrumental. “Nunca quis imitá-la, mas sim adaptar seu sentimento e sua musicalidade para o século XXI”, teoriza Cassandra. Em seus álbuns anteriores, a cantora nascida no Mississippi verteu composições de Neil Young, U2 e até Monkees para o mundo do jazz. Em Coming Forth by Day, ela levou o universo jazzístico de Billie Holiday para o rock. Cassandra cercou-se de músicos dos Bad Seeds (banda de apoio do roqueiro australiano Nick Cave) e dos Yeah Yeah Yeahs (o guitarrista Nick Zinner, um expert na arte dos ruídos), além do veterano T-Bo­ne Burnett e do arranjador Van Dyke Parks. Os efeitos mais perceptíveis dessa mutação estão em Strange Fruit, hino antirracismo de 1939. Vinte anos atrás, Cassandra gravou uma versão em que se destacavam o contrabaixo e um ruidoso solo de trompete. A atual possui um arranjo repleto de efeitos, que acentua a barbaridade descrita na letra sobre o assassinato e enforcamento de jovens negros.

A biografia de Billie é um prato cheio de tragédias: miséria, estupros, abusos por parte da mãe, dos líderes das bandas nas quais era vocalista e dos maridos desonestos e infiéis. Enamorou-se da bebida e da heroína, que acabaram por matá-la em 17 de julho de 1959, aos 44 anos. Fã de rock e de rap, José James apaixonou-se cedo pela voz de Billie. “Adolescentes fazem drama por qualquer coisa, e a voz dela foi o meu refúgio durante esses períodos de tristeza”, diz. Conhecido por mesclar o jazz com o rap e a soul music, James optou por uma formação ortodoxa para Yesterday I Had the Blues: o pianista Jason Moran, o baixista John Patitucci e o baterista Eric Harland o acompanham nas nove faixas do tributo. O clima do álbum, porém, é vanguardista. Entre as liberdades tomadas estão um God Bless the Child com instrumentos elétricos e, novamente, Stran­ge Fruit. Aqui, James sobrepõe várias vozes, dando a impressão de que não apenas ele, mas diversas almas lamentam os “corpos negros que balançam à brisa do Sul”. Cassandra Wilson e José James são dois intérpretes que, a exemplo de Billie, não têm paciência com a banalidade. “A melhor lição que ela e o jazz nos deram foi seguir sempre em frente, numa constante evolução”, encerra Cassandra.

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