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Por que você não faz nada?

Por Gustavo Ioschpe
26 jun 2015, 21h06

O grupo que publica a revista The Economist tem um braço de pesquisas, chamado Economist Intelligence Unit. Um dos seus produtos é um indicador conhecido como Democracy Index, que anualmente analisa quase 200 países e quantifica, com base em dezenas de indicadores, a força da democracia de cada país.

Na edição de 2014 (disponível em twitter.com/gioschpe), o Brasil aparece em 44º lugar entre 167 países (o campeão é a Noruega, e a Coreia do Norte é a lanterninha). O resultado nos coloca na segunda categoria, das Democracias Falhas. Abaixo das Democracias Plenas, mas acima dos Regimes Híbridos e dos Regimes Autoritários. O ranking olha para cinco atributos.

O curioso é que, em três dos cinco, temos notas condizentes com as das melhores democracias do mundo: processo eleitoral, liberdades individuais e funcionamento do governo. Por que, então, vamos para a segunda divisão? Porque em participação política, de zero a 10, nossa nota é 4,44, a mesma de Mali, Zâmbia, Uganda e Turquia, e abaixo da de países como Iraque, Etiópia, Quênia e até Venezuela.

Este é o paradoxo da democracia brasileira: lutamos tanto por ela, e não a usamos. Uma geração inteira brigou pelo retorno da democracia representativa, mas levou a substitutiva. Em uma democracia representativa, a cidadania ativamente demonstra suas vontades, e elas são canalizadas por seus representantes. Na versão brasileira, a democracia não começa na urna: termina nela. Parece que apertar uma tecla a cada quatro anos é a nossa concepção de governo “do povo, pelo povo e para o povo”. Verificado o desastre, voltamos às urnas, quatro anos depois, para eleger a mesma combinação de ineptos e corruptos. E, mesmo sabendo do insucesso do modus operandi, nós o repetimos. Alguém já disse que um dos sinais da loucura é continuar fazendo a mesma coisa e esperar que o resultado seja diferente…

E o melhor é quanto reclamamos, furibundos, das pessoas que nós mesmos colocamos no poder. Muita indignação e pouca ação, os males da nossa democracia são.

Até entendo que em algumas questões mais etéreas e distantes, como pedaladas fiscais e comissões em sondas petrolíferas, pareça mais complicado fazer algo. Também entendo que algumas camadas da população – aquelas que nem bem alfabetizadas são e que precisam trabalhar de sol a sol apenas para garantir a sobrevivência – não tenham compreensão, tempo nem energia para se engajar nas causas públicas. Mas não consigo entender como é que gente instruída e preparada, que frequentemente já passou algum tempo em países desenvolvidos e rapidamente identificou neles as virtudes que nos faltam, aqui parece achar que o problema não é com ela. E, apesar de pesquisar o assunto há uns quinze anos, confesso que entendo menos ainda essa apatia quando o tema é a educação nacional, que tem um papel tão importante na preparação para a vida dos nossos maiores tesouros (nossos filhos). Como podemos deixar que nossas escolas sejam as porcarias que são, produzindo iletrados ignorantes aos milhões, todo ano? A propósito, o problema não se restringe às escolas públicas. Como já mencionei aqui diversas vezes, 80% a 90% da diferença de desempenho entre nossas escolas públicas e particulares é explicável pela condição sociocultural do alunado. Se você colocasse o seu filho em uma escola pública, o desempenho dele cairia só 10% a 20%, portanto. Claro que temos, em um país com as dimensões do Brasil, excelentes escolas particulares e públicas também. Mas, em geral, as escolas públicas são péssimas e as privadas, apenas um pouco menos ruins.

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O que me leva a você. Por que você não faz nada? Certamente você se importa com a qualidade da educação que seu filho vai receber, não? Sei, você não tem tempo. Trabalho, casa, correria etc. Agora me diga uma coisa: você vê novela? Seriado americano? Acompanha o seu time de futebol? Dorme mais de sete horas por noite? Se respondeu “sim” a alguma dessas perguntas, desculpe, mas tempo você tem. Até porque, como veremos abaixo, não precisa de muito tempo, não. Eu sei, ninguém é de ferro, todo mundo precisa relaxar. Mas primeiro o trabalho, depois a diversão. Como se divertir quando o país está claramente indo para o buraco? Você planeja mandar seus filhos para a Suíça ou eles morarão no país que você construir? Caso o plano seja continuar por aqui, que tal arregaçar as mangas?

Ah, talvez a sua discórdia seja conceitual. Você acha que já paga imposto que chega e que não pode fazer o seu trabalho e o do político também. Concordo. Mas, como diz o ditado, na prática, a teoria é outra. Tenho más notícias para você: é a sua inércia que permite que os seus eleitos não façam nada (ou, pior, que façam a coisa errada). Louis Gerstner, ex-CEO da IBM, dizia que “people don’t do what you expect, but what you inspect“: não adianta esperar, é preciso inspecionar, conferir, pressionar. O cidadão apá­tico é o viabilizador dos maus líderes. Eles vivem em uma relação simbiótica em que todo o resto do país é parasitado. Por que nos­­sos líderes não implantam, por exemplo, um sistema que consiga alfabetizar todos os alunos no 1º ano? É simples: porque, para fazê-lo, vão precisar se incomodar com os professores e os sindicatos da categoria. Precisarão fixar metas, exigir empenho e resultados, olhar para processos, mudar material didático, coibir faltas, idealmente conseguir que as faculdades de sua região formem um profissional decente em vez do repetidor de slogans e teorias que produzem hoje. Isso dá trabalho e conflito. Por que o fariam? Porque a população deveria reconhecer o esforço e valorizá-los. E aí a contrariedade de meia dúzia ficaria irrelevante em relação ao aplauso de milhares. Mas, no Brasil, esse aplauso não vem. Porque os pais e alunos nem sabem quão ruim é sua escola e, quando descobrem, deixam por isso mesmo. Há muitos casos, que nem Freud explica, em que pais e alunos defendem greves absurdas de professores, que prejudicam enormemente o aprendizado de nossos jovens. A mensagem para os líderes bem-intencionados é clara: convém não fazer nada. Ninguém vai reclamar. Se o seu prefeito ou governador soubesse que você valorizaria uma ação mais incisiva, a maioria deles tomaria as suas dores, não tenha dúvida.

“Mas fazer o quê?”, você se pergunta. A primeira coisa é fazer o dever de casa. Escolha a escola do seu filho de forma a maximizar o aprendizado dele, não o seu conforto. Escola boa não é a escola perto de casa: casa boa é a casa perto da escola, isso sim. Como saber se a escola do seu filho é boa? O primeiro bom indicador é o Enem, e, para as públicas, também o Ideb. Depois, é importante visitar a escola, conversar com pais de alunos. Peça para conversar com o diretor da escola. Diretor que recebe os alunos no portão de entrada, diariamente, e está aberto ao diálogo com os pais é um bom sinal. Diretor que visita as salas de aula com frequência também. Procure uma escola que tenha a infraestrutura em dia (salas limpas e arrumadas, com cadeiras, carteiras e quadro-negro), não aquelas que investem em balangandãs tecnológicos, a maioria dos quais não tem eficácia comprovada. Veja também como a escola seleciona professores (o ideal é que ela faça com que o candidato a lecionar dê uma aula a uma banca examinadora e que privilegie os que vêm de boas universidades; o modelo a ser evitado é aquele que só se preocupa com o resultado de uma prova/concurso). Pergunte também se a escola diferencia seus professores, se procura saber quem são os melhores e os piores, e se faz alguma coisa para reter os melhores (nas escolas privadas, o salário é a ferramenta óbvia; mas mesmo nas públicas é possível e desejável que os melhores professores sejam acompanhados e estimulados. Fuja das escolas que tratam os desiguais de forma igual). Veja também se a direção da escola estabelece e comunica metas claras de aprendizagem. O ideal é que todos saibam os conteúdos e habilidades que os alunos precisam dominar em cada matéria, de cada bimestre, de cada série. Escolas opacas, na linha do “fica tranquilo, nós é que entendemos disso”, costumam ter os piores resultados.

Em segundo lugar, escolhida uma escola boa, os pais não devem relaxar e terceirizar. Precisam ter certeza de que o filho está recebendo dever de casa, diariamente, e que seus deveres estão sendo corrigidos. É importante que haja avaliação permanente (a boa e velha prova) e que o aluno tenha de estudar constantemente. É difícil absorver um conhecimento e levá-lo à memória de longo prazo sem repetição contínua, e a prova é que garante que o mesmo material será revisto com cuidado (além de servir de termômetro para que o professor calibre sua didática quando nota que muitos alunos não aprendem bem). Evite escolas com muita avaliação “moderna”, tipo autoavaliação, trabalho em grupo etc. Já disse um sábio que o único lugar em que o sucesso vem antes do trabalho é o dicionário. Na vida e na escola. Certifique-se de que seu filho só falta à escola por motivos realmente sérios (se você faz com que ele perca uma semana de aula para levá-lo à Disney em época conveniente para você, depois não vá querer que ele aprecie a importância da educação… Se você diz uma coisa e faz outra, seus filhos replicarão aquilo que você faz). Certifique-se também de que seu filho trata professores e colegas com respeito. E compareça às reuniões de pais da sua escola.

Depois de fazer isso pelo seu filho, faça-o por alguém que terá dificuldades de fazer o mesmo. Uma empregada, um colega de trabalho, um amigo mais perdido na vida: tem muita gente que passou poucos anos na escola ou se sente inferiorizada socialmente, a ponto de não ousar questionar a escola do filho. Precisamos quebrar essas barreiras. Todo mundo paga pela escola do filho, quer via mensalidades, quer via impostos. A escola pública é nossa, não de seus funcionários. Eles devem nos prestar contas, não o contrário. Ajude aqueles que têm mais dificuldades para entender isso. E dê aos filhos dessas pessoas chances parecidas com as do seu filho.

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Se você realmente não tem tempo, doe dinheiro a boas instituições. Há dezenas. Fundação Lemann, Roberto Marinho, Estudar, Instituto Ayrton Senna, Insper, Todos pela Educação… Essas eu conheço e recomendo, mas procure aquela que se encaixa na sua filosofia.

Indo do privado para o público: faça pressão nos seus representantes locais. Cada cidade terá o seu problema; tenha apenas a preocupação de pressionar por algo que melhore o aprendizado dos alunos, não a infraestrutura da escola ou algo secundário. Recomendo uma lei que obrigue que os resultados de cada escola sejam divulgados publicamente. Está tudo pronto no site www.idebnaescola.org.br. Pode acreditar: às vezes não é preciso mais do que dez pessoas que liguem ou mandem e-mails a um vereador para que o projeto seja aprovado.

Finalmente, vote direito. Escolha prefeitos e governadores que melhoraram os indicadores de aprendizado dos seus alunos. Não nos que investem mais, que distribuem laptops, que falam de planos mirabolantes ou mostram vídeos em que beijam criancinhas na época de campanha. Vote em quem entrega resultado, medido pelo Ideb. Para deputados, veja se o candidato fala de meios – salário de professor, investimento, ensino integral – ou de fins. Prefira os que falam de fins (aprendizado) e que não presumem que aquilo que é bom para o professor é bom para o aluno.

Eu sei, você não é especialista. Há muito mais coisas que você poderia fazer se fosse. Mas não precisa ser. Na maioria de nossas escolas, nem o básico do óbvio é feito; se você ajudar com esse pequeno empurrão, e ajudar alguém a se ajudar também, pode ter certeza de que fará uma enorme diferença.

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