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“ONU precisa criar ‘polícia do petróleo’”, diz Jean-Michel Cousteau

Filho de Jacques Cousteau, famoso explorador dos mares, ambientalista visita a Rio +20 e faz lobby para a proteção de 20% dos mares e a criação de uma Agência Mundial dos Oceanos

Por Marco Túlio Pires, do Rio de Janeiro
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h33 - Publicado em 16 jun 2012, 22h21

“O Brasil, assim como todos os outros países, poderia estar fazendo muito mais para evitar que catástrofes como a do Golfo do México aconteçam”

Jean-Michel Cousteau

“Dirijo um carro, não sou hipócrita”, defende-se o ambientalista e documentarista francês Jean-Michel Cousteau, filho do explorador Jacques Cousteau. Aos goles de um insuspeito copo de refrigerante com limão, Cousteau recebeu o site de VEJA em um luxuoso restaurante do Leblon, no Rio de Janeiro durante a Rio +20. O ambientalista não é contra a exploração do petróleo, foi logo dizendo, mas defende a criação de uma espécie de ‘polícia petrolífera’, capaz de fiscalizar e “fazer valer a lei” para as empresas que exploram o recurso ao redor do mundo. “Só assim conseguiremos evitar que grandes catástrofes aconteçam”, diz lamentando a tragédia do Golfo do México, em 2010. Tal organização poderia surgir de uma investida ainda mais ousada: a criação de uma Agência Mundial dos Oceanos, à maneira da Organização Mundial do Comércio.

Cousteau está na Rio +20 com um objetivo duplo: convencer políticos a proteger 20% das águas internacionais e quem sabe plantar a ideia da agência global dos mares. Um desafio e tanto, visto que o mundo ainda se arrasta para chegar à meta estabelecida em 2010 com o protocolo de Nagoya, proteger no mínimo 10% das áreas marinhas. O Brasil, considerado uma potência ambiental, por exemplo, não protege, ainda, nem 1%. A tarefa seria “muito fácil”, explica o ambientalista de cabelos grisalhos. “65% dos oceanos faz parte de território internacional. Vamos cuidar de um quinto disso”, diz. “Se já fomos à Lua, podemos separar um pouco de dinheiro para cuidar do planeta”, provoca. “Caso contrário, não poderemos voltar lá.”

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JEAN-MICHEL COUSTEAL

Jean-Michel Cousteau é o primogênito do famoso explorador francês Jacques Cousteau, que morreu em 1997 e deixou uma fundação de proteção ambiental com 300.000 membros. Cousteau-filho seguiu os passos do pai na preservação dos oceanos. Em 2006, conseguiu convencer por meio de um documentário de própria autoria o então presidente George Bush a criar a maior área de proteção marinha do mundo. Assim como foi o pai, é produtor de filmes e documentários. Já produziu mais de 70.

O Brasil passa, neste momento, por uma expansão da exploração de petróleo, com o pré-sal. Recentemente, houve um vazamento na Bacia de Campos. A exploração de petróleo em alto-mar tem níveis seguros, atualmente? Alguns dias depois da catástrofe do Golfo do México, estivemos lá por dois meses. Filmamos, fomos debaixo d’água, vimos o que estava acontecendo. Vamos voltar no fim de junho para mostrar as consequências da maior catástrofe não militar da história. Camarões que não têm olhos, caranguejos sem garras, peixes deformados. Um evento causado por erro humano que afetou a vida de 20.000 pessoas e matou outras 11. Não sou contra a indústria do petróleo. Dirijo um carro, não sou hipócrita. Contudo, precisamos nos certificar de que seguimos todas as medidas de segurança. O que ocorreu no Golfo do México foi fruto de uma série de atitudes que, caso tivessem respeitado o sistema vigente, não teria acontecido.

O Brasil emitiu multas milionárias para a Chevron, por causa do vazamento. Multas são eficientes para garantir a segurança? Não. Precisamos de prevenção. A forma de fazer isso é criar regulações que as empresas petrolíferas concordam, mas são controladas de maneira independente. É preciso criar um sistema livre essas empresas, que certifique que a lei e as regulações serão cumpridas. Esse sistema não pode ser governamental também. Os governos dependem dessas empresas, há um conflito de interesses.

O que deveria ser feito então? Quando não cumprimos a lei, temos a polícia para fiscalizar. Por que não criar uma espécie de polícia para as empresas do petróleo? Uma organização filantrópica independente pode fazer isso acontecer. Ela poderia ser regulada dentro da ONU, gerida por uma Agência Mundial dos Oceanos, por exemplo.

A ministra do Meio Ambiente brasileira, Izabella Teixeira, é uma especialista em segurança na exploração do petróleo. No entanto, até hoje os planos de emergência e contingência não foram criados, apesar do peso dessa indústria no país. Como o mundo acompanha a expansão da exploração no Brasil? Não vim ao Brasil para apontar dedos. Cheguei aqui para ajudar, caso a ajuda seja bem vinda. O Brasil, assim como todos os outros países, poderia estar fazendo muito mais para evitar que catástrofes como a do Golfo do México aconteçam. Não é possível ser o próprio juiz. Muitas vezes tomamos atalhos e é aí que os erros acontecem. O Brasil vai perfurar profundezas inéditas em mar aberto. Isso é assustador e precisa de medidas de prevenção.

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A preservação dos oceanos é um dos temas da Rio+20, e o Brasil foi criticado por ter um sistema frágil de proteção. Há algum bom exemplo de preservação dos mares? Não. Há tentativas. Se fôssemos fazer uma lista das nações mais responsáveis em relação ao oceano, os Estados Unidos estaria em primeiro e a França seria a segunda, por causa da área que protege no Pacífico Sul, tão grande quanto o Brasil, na Polinésia Francesa. É pela falta de bons exemplos que defendo a proteção de 20% das águas internacionais.

Este é um número viável? Sim. 65% do oceano é terra de ninguém. Não há regulação. Vamos proteger 20% dessas águas e colocar um sistema de protelação para certificar que elas não sejam tocadas.

É viável manter a gestão dos oceanos sob controle de governos, ou seria mais interessante que isso estivesse acima dos interesses dos países? A ONU deveria criar uma Agência Mundial dos Oceanos. Custaria muito pouco para mantê-la e faríamos um bem enorme ao planeta. Não pode ser uma responsabilidade nacional, mas internacional. Isso pode ser decidido amanhã, coletaríamos o dinheiro e colocaríamos a estrutura em ordem com barcos e satélites. Se fomos à Lua, podemos tirar um pouco de dinheiro para cuidar do planeta. Caso contrário nunca voltaremos lá, certo?

Como conciliar a preservação dos cardumes com a necessidade de produção de mais alimentos? Há uma forma sustentável de fazer com que os oceanos façam parte da produção de alimentos em escala global? É muito simples. Seja para peixe ou qualquer outra coisa, a natureza tem um limite. Se o ser humano explora mais do que ele consegue produzir, caminharemos direto à falência, que é o nosso destino hoje. Precisamos olhar para a natureza como capital e administrá-la como negócio. Não podemos ignorar os juros. A forma de incluir os oceanos na produção de alimentos em escala global é parar com a produção de peixes carnívoros e investir em peixes herbívoros. Para cada quilo de salmão, um peixe carnívoro, precisamos de dez quilos de outros peixes. Isso não é sustentável. Há formas de cultivar peixes herbívoros de formas sustentáveis, sem acabar com a biodiversidade do planeta.

Qual é a sua expectativa para o desfecho da Rio +20? Já fui a tantos encontros nos últimos 20 anos e fiquei muito decepcionado em muitos deles. Se eu não acreditasse que é possível fazer a diferença, não estaria aqui. Acho que muitas pessoas vão escutar e tomar as decisões corretas e fazer o que precisa ser feito. Se eu não viesse, eu me sentiria pior, como se não estivesse fazendo meu trabalho. Tenho que tentar e estou aqui para ajudar. Não estou aqui para apontar dedos.

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