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Expedição russa ameaça lago isolado há milhões de anos

Depois de perfurar mais de 4.000 metros, expedição está próxima de atingir o lago Vostok. Quais as consequências do contato com um santuário preservado por tantos milhões de anos?

Por Marco Túlio Pires
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h46 - Publicado em 7 fev 2012, 20h25

Cerca de 4.000 metros abaixo da superfície da Antártida, o Lago Vostok permaneceu intocado por 15 milhões de anos. Por causa de fatores como pressão e temperatura, manteve-se em estado líquido todo esse tempo, abrigando formas de vida que jamais tiveram contato com o mundo exterior. Tudo isso pode acabar. Depois de várias tentativas de alcançar o lago – a primeira remonta há 20 anos – uma expedição russa está bem perto de ter êxito.

O que poderia ser uma notícia alvissareira para a ciência tem grandes chances, porém, de representar uma sentença de morte para o lago. Cientistas ouvidos pelo site de VEJA acreditam que a expedição pode contaminar um dos mais sensíveis ecossistemas do planeta de maneira irreversível. “Não há garantias de que o lago não será contaminado”, afirma Jefferson Simões, cientista sênior do programa antártico-brasileiro e único brasileiro que trabalhou com amostras do poço que está sendo cavado em Vostok.

Saiba mais

LAGO VOSTOK

O Lago Vostok é o maior lago subglacial do mundo, ou seja, é um lago que se encontra sob uma geleira. Ele está localizado a quase 4 quilômetros abaixo do manto de gelo da Antártida, abaixo de uma estação russa de mesmo nome. O lago tem uma forma elíptica com 250 quilômetros de comprimento e 50 quilômetros de largura. Estima-se que o Lago Vostok tenha um volume de água doce equivalente a 5.400 quilômetros cúbicos. Isso equivale a três vezes o volume do Lago Ontário, um dos cinco grandes lagos americanos. Os cientistas acreditam que a água é mantida líquida pelo calor de uma fonte geotermal abaixo do lago e pela pressão 400 vezes superior à da superfície no nível do mar.

Na opinião de Simões, essa é uma preocupação da comunidade científica há uma década. O pesquisador explica que poços de gelo profundos como o de Vostok precisam ser perfurados com querosene. “Como as perfurações são feitas apenas durante os verões da Antártida, é preciso usá-lo para manter o tubo aberto.”

Isso quer dizer que o aparato que leva a broca russa até a superfície do lago está cheia do combustível. “Os russos têm dito que a pressão do lago é suficiente para fazer o querosene subir, em vez de ir para o fundo da água”, diz. “O problema é que não há garantia total: o líquido pode vazar, impactar a química do lago e afetar os micro-organismos que porventura lá existam”, disse. Se isso acontecer, afirma Simões, o lago pode perder grande parte do seu valor científico. “A contaminação pode desequilibrar um ambiente prístino e dificilmente saberíamos se os micro-organismos lá encontrados foram trazidos pelo homem ou existiam anteriormente.” (Continue lendo a matéria)

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Entenda o caso

O Lago Vostok é considerado uma das últimas fronteiras da ciência na Terra

  1. • Pesquisadores russos estão muito próximos de chegar à superfície do Lago Vostok, o maior corpo de água subglacial do mundo. Os russos tentam chegar ao subterrâneo da Antártida desde o fim da década de 50. Os dados coletados podem revelar segredos sobre o clima da Antártida e do planeta há milhões de anos e alterar completamente a visão que os cientistas têm do continente.
  2. • O Lago Vostok está a quase 4 quilômetros abaixo da superfície da Antártida isolado do restante do planeta há pelo menos cinco milhões de anos. Existem cerca de 170 lagos parecidos com o Vostok debaixo do Polo Sul, mas nenhum tão grande quanto ele. Outras duas expedições, uma inglesa e a outra americana, buscam chegar à superfície de outros dois lagos: Whillans e Ellsworth.
  3. • Os cientistas acreditam que os lagos do Polo Sul podem estar interligados por uma rede de drenagem formando uma área que pode chegar a 10 milhões de quilômetros quadrados, superior à da Bacia Amazônica.

Caso os russos consigam chegar ao lago sem contaminá-lo, as amostras terão que receber o mesmo cuidado que se emprega às amostras vindas do espaço, explica Simões.

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Esse cuidado é justificado pelo valor das informações guardadas nas amostras do Lago Vostok. “O Vostok tem informações sobre o clima da Antártida de milhões de anos atrás, quando o lago foi coberto”, diz Duarte. “Ele pode ser considerado uma das últimas fronteiras científicas”, acrescenta Rosado. “Os micro-organismos encontrados lá podem servir como modelos para possíveis formas de vida extraterrestre, por causa das condições extremas do local.”

Bactérias e vírus – Outra preocupação aventada, a de que o contato com o lago poderia liberar micro-organismos perigosos para o ser humano foi descartada pelos especialistas.

De acordo com Alexandre Rosado, diretor do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes, da UFRJ, os micro-organismos que habitam o lago são adaptados à vida em um ambiente frio, escuro e isolado. “É pouco provável que algum deles escape e provoque doenças em um hospedeiro de sangue quente, como o homem”. Rosado trabalha com diversidade de micro-organismos, inclusive na Antártida.

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Rubens Duarte, um dos coordenadores do laboratório de astrobiologia da USP (Universidade de São Paulo), explica que apesar de o gelo glacial ser capaz de abrigar bactérias nocivas ao homem, as chances de contaminação são muito pequenas. “Em tese, a possibilidade sempre existe, mas ela está mais para a ficção do que para a realidade”, disse Rosado. “Não sabemos se os micro-organismos do Lago Vostok poderão causar doenças nos seres humanos”, afirmou Duarte.

A pesquisa científica com as amostras só deve começar no fim do ano. Em entrevista ao periódico britânico Nature, o chefe da expedição, o russo Valery Lukin, disse que ainda é cedo para afirmar que a broca atingiu a superfície do lago. “Assim que tivermos a confirmação, vamos espalhar a notícia pela comunidade internacional.”

Priscu ()
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Opinião do especialista

John Priscu

Doutor que microbiologia pela Universidade da California, nos Estados Unidos, especialista em vida associada com o gelo da Antártida e sua relação com a astrobiologia

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“A chegada ao Lago Vostok representa o auge de mais de uma década de planejamento. Se os russos tiverem sucesso, estará provado, sob o ponto de vista da engenharia, que conseguimos retirar amostras de ambientes enterrados em camadas de 4 quilômetros de gelo. Isso também significa que as portas para a ciência subglacial estarão abertas. Acredito que os dados da expedição a Vostok, junto com as informações coletadas pelas expedições americana e inglesa, transformarão a forma como vemos o continente antártico e vai expandir os limites da vida na Terra.

Espero que os russos confirmem, sem sombra de dúvidas, de que a vida microbiana exista no lago. Este é o centro de um longo debate que só pode ser resolvido com a coleta de amostra. Os outros dois projetos pretendem retirar amostras em 2013. Estamos vivendo uma época excelente para a ciência polar”.

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