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Por que o Brasil ama Tufão

Reportagem de VEJA desta semana explica a popularidade do marido traído e bovinamente passivo de 'Avenida Brasil' - e que virou esteio moral da nação

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 13 out 2012, 16h17

“Me conta uma história para eu não te matar, sua vadia.” Repetindo a frase com o semblante fechado de um touro doido para cravar os cornos na mulher que o ludibriou, o ex-jogador Tufão – personagem do ator Murilo Benício na novela Avenida Brasil – enfim reagiu. No capítulo de segunda-feira passada, a apenas duas semanas do final da trama das 9 da Globo, ele revidou todas as bolas pelas costas que levou da mulher, a vilã Carminha (Adriana Esteves). Conforme o Brasil inteiro se cansou de saber ao longo de quase 170 capítulos, Carminha manteve por doze anos um affair com seu amante e cúmplice Max (Marcello Novaes) debaixo do teto da mansão de Tufão. Nesse meio-tempo, fez o ex-craque assumir a paternidade dos dois filhos que teve com Max. Armou o próprio sequestro para extorquir dinheiro do marido. Além de, é claro, esconder dele sua profissão de fato – ela era prostituta. Sempre que cacos dessas verdades ameaçavam vir à luz, Carminha inventava uma desculpa esfarrapada, fazia cara de santa e Tufão acreditava. A mansão só desabou por obra do próprio Max, que deixou de presente para a família as fotos em que surgia aos amassos com Carminha. No momento em que Tufão finalmente abriu os olhos, a comoção foi estrondosa: a novela bateu seu recorde de audiência até agora, atingindo 49 pontos na Grande São Paulo. Foi o programa mais visto da TV brasileira neste ano – mais até que o jogo em que o Corinthians conquistou a Taça Libertadores da América, em julho. Eis um atestado da popularidade de um herói incomum: o homem traído, passivo e bovinamente crédulo – mas que, com sua mansidão e honestidade, se impôs como uma espécie de esteio moral da nação. Assim como os chifres dos alces e outros bichos, a galhada de Tufão demonstrou ser um adorno valioso na guerra darwinista pelo ibope.

“Por demorar tanto a descobrir as coisas, o Tufão tinha tudo para ser um sujeito irritante. Não foi uma peça simples de ajustar dentro da trama”, diz o noveleiro João Emanuel Carneiro. Mas o autor recorreu a uma boa fonte: buscou na literatura o pai de todos os Tufões. Trata-se do príncipe Michkin, protagonista do romance O Idiota, do russo Fiodor Dostoievski (1821-1881). A semelhança entre os personagens, aliás, foi escancarada em uma daquelas indiretas absolutamente diretas dadas pela heroína Nina/Rita (Débora Falabella) por meio de suas sugestões de leitura ao patrão. O personagem é um jovem dotado de uma bondade sem tamanho. Revela-se tão superior em sua pureza que as pessoas corrompidas e pavorosas que o cercam o julgam um desajustado.

Ao transportar O Idiota para o subúrbio do Divino, Carneiro criou – Carminha que não nos ouça – o personagem que resume o espírito da novela. “Ele não tem as atitudes de um herói. Carece de iniciativa e fica a reboque dos outros”, afirma o autor. Ele usou certos truques para evitar que Tufão não fosse visto como um paspalho pela audiência. O personagem exercita o que o noveleiro chama de “amor de renúncia”: ama mais a família que a si próprio. “Essa coisa toca demais a alma do brasileiro”, diz. Bem ou mal, Tufão também nunca deixou de buscar a verdade. Por fim, um dado essencial: apesar de ele levar um golpe de Carminha, sua vida de alcova com a vilã, até onde se saiba, era satisfatória. “Ser enganado, tudo bem. Mas, se ele não fosse para a cama com ninguém, o espectador iria achá-lo um completo banana”, diz Carneiro. Amor de verdade, no entanto, Tufão só iria fazer neste fim de semana, ao deitar e rolar com sua antiga amada, a cabeleireira Monalisa (Heloísa Perissé). Por fim, como ensina a psicologia evolutiva, a fantasia das mulheres é atiçada pela grandeza de Tufão em assumir a prole alheia.

É óbvio que Murilo Benício teve parte fundamental em conferir credibilidade a esse homem bom tão difícil de encontrar nas novelas. O ator fluminense de 41 anos emprestou a Tufão tiques que, aparentemente, comunga com ele – como o hábito de coçar a nuca. Em uma entrevista, Benício já contou que aquele jeito de olhar por baixo foi surripiado de um personagem vivido no cinema pelo americano Robert De Niro. Com seu abdômen meio fora de forma, o ator dota Tufão, ainda, de uma semelhança providencial com os heterossexuais de verdade disponíveis no mercado – e, como sabe qualquer mulher que já tenha vivido um bocadinho a vida, muito mais vale uma barriga afetuosa que um tanquinho indiferente.

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Para tentar manter segredo sobre o final de Avenida Brasil, no dia 19, Carneiro preparou cinco versões do desfecho – apenas uma, claro, é a que vale. Não se sabe o que vai ser de Carminha. “Só posso adiantar que ela terá um fim nada convencional”, diz. Ele declara, contudo, que em dado momento Carminha vai implorar para ter Tufão de volta. Em vão. Ele pode ser um macho meio bovino. Mas não é nenhum burro.

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