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Biógrafo de AC/DC e Black Sabbath fala sobre lei brasileira: “a verdade não pede permissão”

Em entrevista ao site de VEJA, o escritor britânico Mick Wall, especialista em bandas de rock, defende que biografias autorizadas não refletem a verdadeira história do artista. Assim como a realidade também não diminui sua arte

Por Rafael Costa
17 Maio 2014, 14h40

Se Roberto Carlos fosse parte da banda de rock AC/DC ele teria um problema sério, ou dois: teria de desmanchar o penteado ao dançar o “head banging” e jamais poderia ter proibido o livro AC/DC – A Biografia, do escritor britânico Mick Wall, lançado originalmente na Grã-Bretanha e publicado recentemente no Brasil pela editora Globo Livros,que narra, em detalhes, a história do grupo de heavy metal, sem deixar de fora suas brigas internas.

O dramalhão protagonizado pelo rei da Jovem Guarda e outros amigos, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, do grupo Procure Saber, no fim de 2013, que defendia a censura prévia das biografias não autorizadas, foi motivo de escárnio para o biógrafo britânico. “É uma lei terrível, que beira a censura e dá a ideia de que as biografias são apenas fofocas. Se você quer a verdade, não deve pedir a permissão a ninguém. Se eu só escrevesse o que os roqueiros querem, eu faria livros mentirosos”, disse Wall em entrevista ao site de VEJA.

Um dos principais escritores no mundo da música, principalmente do rock, Mick Wall já publicou 21 biografias relacionadas, direta ou indiretamente, ao gênero – a grande maioria não autorizada. Entre elas, estão livros que contam histórias sórdidas de bandas como Metallica, Iron Maiden, Pearl Jam e Black Sabbath – a última também lançada pela Globo Livros este mês no Brasil. O escritor, que começou a carreira como jornalista musical nos anos 1980, trabalha atualmente em mais duas biografias: do guitarrista Joe Bonamassa e da banda The Doors, que têm lançamentos previstos para setembro e outubro deste ano na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos.

“Você acha que se minha biografia do AC/DC fosse autorizada, eles me deixariam contar a verdade sobre como Bon (Scott) morreu por causa de heroína e não apenas de álcool? Ou deixariam passar o relato da briga entre Malcolm Young (guitarrista) e Brian Johnson (atual vocalista) em seu primeiro show? Nada disso seria revelado, porque tudo o que as bandas querem é que digam que seus álbuns e vidas são incríveis”, diz o jornalista, que, ao melhor estilo Porta dos Fundos, ironizou a lei brasileira. “Se Hitler tivesse uma biografia no Brasil, teriam que dizer que ele era um cara superlegal, que fez tudo por boas razões. Essa lei é uma besteira”, diz.

Para o britânico, biografias não autorizadas não diminuem a importância artística do biografado nem seu prestígio, pelo contrário, deixam sua história mais interessante. “Para mim, Malcolm Young é um dos maiores idiotas que já existiram, assim como John Lennon e Bob Dylan. Contudo, eles pararam de fazer ótimos trabalhos por isso? Não. Mas significa que devemos ler baboseiras de como eles eram pessoas amáveis? Também não”, diz.

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Ofensas – Com a aprovação da lei que libera a publicação de biografias não autorizadas no Brasil, votada na Câmara dos Deputados em 6 de maio, a briga judicial entre biógrafos e biografados voltou à tona, no entanto, bem mais branda que a discussão acalorada levantada no ano passado. Segundo o projeto, a pessoa que se sentir atingida por determinada obra pode recorrer ao juizado de pequenas causas a fim de excluir de futuras edições os trechos considerados ofensivos, além de buscar reparação judicial. Mas, ao contrário do que ocorre hoje, os exemplares não serão tirados de circulação. “Essa solução preserva a liberdade de expressão e, havendo dano, permite que ele seja sanado por meio de indenização ou até mesmo correção no texto, mas não proíbe nada, como vinha acontecendo”, diz o especialista em direito constitucional da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Carlo Napolitano.

O biógrafo Wall conta que em seu processo de trabalho costuma contatar os biografados e perguntar se possuem o interesse em participar da produção. No entanto, não há nenhum acordo ou pedido de aprovação por parte deles, ou de seus herdeiros. O mesmo ocorreu com o biógrafo brasileiro José Castello, autor de Vinicius de Moraes: O Poeta da Paixão (Companhia das Letras), que levou uma cópia do livro pronto para a filha do poeta Susana Moraes, porque quis, e não por ter sido obrigado. Os dois tiveram as suas diferenças na leitura geral, mas, mesmo assim, a família não proibiu a publicação do livro, lançado em 1994. “Acho impossível falar ou escrever sobre um artista sem falar de sua vida. Acredito que vida e arte são inseparáveis”, diz Castello ao site de VEJA.

Entenda o caso

​​Biógrafos e demais escritores brasileiros vivem um impasse desde 2002, quando entrou em vigor a lei que exige uma licença prévia dos biografados para a publicação de biografias não autorizadas. No final de 2013, a discussão ganhou força com o movimento Procure Saber, coordenado pela empresária Paula Lavigne, e composto por nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e Roberto Carlos.

A intenção do grupo era defender a necessidade do aval preliminar para a publicação de obras biográficas sob a alegação de preservação do direito à intimidade. A iniciativa foi rebatida pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel), que batalha no Supremo Tribunal Federal (STF), com uma ação direta de inconstitucionalidade contra os artigos 20 e 21 do Código Civil.

No dia 6 de maio deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que libera a publicação de biografias não autorizadas, derrubando a necessidade de licença prévia para obras sobre celebridades, políticos e personalidades. O texto seguirá para análise do Senado e ainda precisa da sanção da presidente Dilma Rousseff.

Biografias congeladas – Entre os casos mais comentados das biografias censuradas está o livro do escritor Paulo César Araújo, Roberto Carlos em Detalhes. “A proibição do Roberto Carlos ao livro chamou a atenção e muitos outros foram censurados depois. Ele é um formador de opinião, então pessoas que não sabiam dessa brecha na legislação passaram a reivindicar o mesmo para si”, afirma Araújo.

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Apesar da tramitação no Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda vai decidir se é constitucional ou não exigir anuência dos biografados para a publicação de uma obra. Caso a lei seja, de fato, derrubada, Araújo deverá retomar a briga para publicar o livro. “Desde 2007, quando a biografia foi proibida, eu venho nessa luta. Estou aguardando o texto final para ver que providência tomar”. O jornalista, no entanto, não terá uma tarefa tão simples, já que, segundo o advogado de Roberto, Marco Antônio Campos, o acordo já foi feito sob a lei anterior e a obra não poderá ser editada novamente. “Na audiência do processo crime houve um acordo entre o Roberto e o Paulo César, que foi homologado pelo juiz, com participação do Ministério Público. Foi um acordo definitivo, que não tem como voltar atrás”, argumenta o advogado.

Além do caso de Araújo, outros livros estão parados apoiados no artigo 20 da lei 10406/02. Toninho Vaz, autor de Paulo Leminski – O Bandido que Sabia Latim (Record) é um deles. O escritor foi impedido pelas herdeiras do poeta de publicar a quarta edição da biografia. A justificativa usada pelas filhas de Leminski é que um parágrafo adicionado entre a terceira e a nova edição possuía um “tom sórdido”, pois narra o momento em que o irmão de Paulo, Pedro Leminski, é retirado da forca pelo companheiro de quarto após se suicidar. “Não era isso que elas queriam, elas blefaram”, conta Toninho ao site de VEJA. “O que está por trás disso é dinheiro. Se tivessem pedido para tirar as oito linhas, eu tirava, mas não eram as oito linhas o problema”, afirma. Ruy Castro, autor de Estrela Solitária, a biografia do Garrincha, enfrentou um problema parecido com as filhas do jogador, que processaram o biógrafo por danos morais, em 1995.

Vendas – Uma das medidas propostas pelo Procure Saber garantia que o biografado, ou sua família, deveriam receber uma porcentagem sobre a venda das biografias. “Não creio que Caetano, Gil e Chico tenham problemas financeiros. Ganham fortunas até para espirrar. E não deveriam ter do que se queixar dos escritores”, afirma o escritor Ruy Castro. Já o advogado de Roberto Carlos alega que o pedido de retirada do livro de circulação não foi justificado por questões financeiras e sim por “invasão de privacidade e ocorrência de danos morais.”

Paulo César, por sua vez, garante que a justificativa de Roberto Carlos também é financeira e ainda cita a entrevista concedida pelo artista ao Programa Amaury Jr, exibida no início deste mês, em que confessa ser a favor da publicação de livros não autorizados, contanto que tenha uma participação no projeto.

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Para Mauro Palermo, diretor da Globo Livros, o prejuízo financeiro para uma editora é relevante, mas a inquietação em relação à perda cultural é muito maior. “Pelo lado financeiro, a gente substitui um livro pelo outro. O tema principal era essa impossibilidade de divulgar conhecimento público, histórias riquíssimas de personagens importantes da nossa cultura.”

O momento para o investimento em obras biográficas é animador, tanto para as editoras, quanto para os autores. Segundo um levantamento da consultoria GFK, a biografia está entre os quatro gêneros com números mais expressivos de venda no Brasil. No varejo, entre 2012 e 2013, elas tiveram um crescimento de 31,3% e representaram, no último ano, 5,4% das vendas em relação aos demais gêneros que são auditados pela empresa. O ranking é liderado pelo romance, que representou 13,8% das vendas, enquanto literatura infantil e juvenil ficaram com 9,2% e 8,7%, respectivamente.

O crescimento acentuado, segundo a empresa, ocorreu devido a lançamentos importantes no último ano, a maioria deles internacionais. “Tivemos algumas biografias de grande sucesso no mercado, como a de Keith Richards, que chegou a 100 000 exemplares”, conta o diretor da Globo Livros.

Enquanto isso, o Brasil, já atrasado na legislação, fica atrás também em contar a história de seus personagens. Grandes personalidades com boas histórias não faltam no país, assim como escritores. Resta a lei ser aprovada para que as prateleiras sejam preenchidas com histórias de personalidades que foram, ou ainda são, peças fundamentais na construção da cultura brasileira.

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