Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

A vez dos vilões: por que personagens sombrios são tão amados na ficção

De psicopatas a sádicos, a literatura e o cinema estão repletos de figuras perigosas que fazem sucesso e revelam o lado obscuro de todo ser humano

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 13 abr 2013, 18h32

No último ano, a crítica literária teve que engolir o sucesso da trilogia Cinquenta Tons de Cinza, título que já acumula 80 milhões de exemplares vendidos pelo mundo. A popularidade da obra provocou uma onda de tentativas de carona, com centenas livros apressados sobre temas parecidos e de qualidade literária tão ruim quanto a do original. Talvez por isso nenhum tenha vingado. Num lampejo de esperança após a enxurrada sado-erótica, foi publicado em junho nos Estados Unidos o livro Garota Exemplar, um thriller psicológico bem escrito, que foca no lado perigoso e nada romântico de um casal problemático.

Escrito pela jornalista Gyllian Flynn, apaixonada por literatura policial e já comparada à icônica Agatha Christie, Garota Exemplar desbancou Cinquenta Tons de Cinza dos mais vendidos da Amazon e alcançou o topo da lista de best-sellers do The New York Times. A história será adaptada para o cinema e pode ter o indicado ao Oscar David Fincher (A Rede Social e Millennium – Os Homens que Não Amavam as Mulheres), como diretor do suspense. Ao Brasil, o livro chegou em março com uma tiragem de 50.000 cópias físicas, das quais 40.000 já foram vendidas.

Com enredo e linguagem incomparavelmente distantes, os dois títulos se conectaram pelo sucesso de vendas, mas também compartilham um aspecto sutil: a de casais que a olho nu parecem normais, mas longe do convívio social apresentam distúrbios de personalidade. Pessoas com um lado sombrio que deveria gerar medo, e não interesse ou admiração.

Leia também

Leia também – ‘Cinquenta Tons de Cinza’ e outros tons de rosa

‘Garota Exemplar’ leva às ultimas consequências os perigos do casamento

Continua após a publicidade

Personagens sombrios – Enquanto Christian Grey, protagonista de Cinquenta Tons é sádico e agressivo, Nick Dunne, personagem de Garota Exemplar, é um marido frio e o principal suspeito do desaparecimento e possível assassinato da mulher, Amy. Ao longo do livro, fica claro que a mulher também apresenta um forte lado sinistro. E, mesmo dividido entre duas personagens essencialmente más, o leitor acaba por escolher o lado de um dos personagens, pelo qual torce.

Para Daniel Martins de Barros, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo, personagens desse tipo chamam a atenção por serem desprovidos de freios sociais, limites e regras comuns a todos. “Psicopatas, por exemplo, fascinam e assustam na ficção. Eles encarnam o mal na visão da sociedade, servindo um pouco como bodes expiatórios para quem os assiste”, analisa Barros. Um exemplo é o personagem Dexter, da série de livros homônima adaptada para a TV, que mata bandidos e faz justiça no lugar da polícia. Esse tipo de papel dá vazão a fantasias das pessoas.

No caso de Christian Grey e seu sucesso com o público feminino, a escritora e especialista em criminologia Ilana Casoy analisa que assuntos como agressão, cativeiro e submissão são temas frequentes de lutas femininas, o que surpreende ao ver que um livro com essas premissas seja tão amado. “Creio que as pessoas idealizam. É como se a brutalidade fosse transformada em virilidade. Uma aventura, algo incomum”, explica Ilana que relembra o caso do Maníaco do Parque, serial killer brasileiro que depois de preso chegou a receber mil cartas, a maioria de mulheres admiradoras. Uma delas se casou com ele.

O limite da fantasia – Para a especialista em criminologia, personagens psicopatas ou com distúrbios psicológicos também fazem sucesso por criarem uma explicação distorcida da maldade. “A doença mental separa aquele individuo de nós. O que nos dá uma sensação de que só é mau quem é doente. Todos nós, porém, temos um lado ruim, porque isso é essencialmente humano. Nos permitimos viver algumas coisas na fantasia, pois sabemos o que é errado.”

É com este senso de distanciamento e limite entre realidade e fantasia que a escritora Gyllian Flynn explica o porquê de ter se interessado tanto por crimes e personagens desequilibrados. “Eu era uma criança feliz que vivia em uma cidade tranquila, sem novidades, por isso desenvolvi um lado obscuro, criava brincadeiras perigosas”, revelou a autora em entrevista ao site The Daily Beast. “Eu me apaixonei por filmes de terror. Assisti a Psicose um milhão de vezes. Sei imitar o sorriso de Norman Bates.”

Continua após a publicidade

Leia também

Leia também – Hitchcock, o Cézanne do cinema

Belos e malditos: Murilo Rosa, Gianecchini, Fábio Assunção e outros vilões inesquecíveis

Garota perigosa – Antes de Garota Exemplar, Gyllian publicou dois outros livros, Sharp Objects e Dark Places – este último será publicado no Brasil pela editora Intrínseca, ainda sem previsão de lançamento. Em seus três trabalhos, a escritora segue a linha de mistério e relações perigosas, e abre uma nova discussão: a de que mulheres também podem ser ótimas personagens psicopatas. “Existe um consenso de que mulheres são naturalmente boas, o que nos tira o crédito por nos mantermos na linha. Eu tento ser uma boa pessoa e eu quero crédito por isso! Não quero que digam que sou uma pessoa boa só porque sou mulher”, disse Gyllian em entrevista ao site Time Out Chicago. “Eu não escrevo sobre garotas loucas que agem sem motivo. Minhas personagens são assustadoras, são pessoas que não devem ser ignoradas. São frias e calculistas, com motivação.”

Atualmente Gyllian vive com o marido e o filho em Chicago, nos Estados Unidos. Está envolvida no roteiro das adaptações de suas três obras para o cinema, e já tem dois outros livros encaminhados. Quando perguntada pelo site Entertainment Weekly sobre o que seu marido achou de Garota Exemplar, que tem como slogan a frase “o casamento mata”, Gyllian revelou que ao terminar de ler ele saiu para comprar flores e, ao retornar, perguntou se estava tudo bem entre eles. “Alguns leitores homens me contam que suas namoradas os ameaçam com o livro, recomendando a leitura”, contou com bom humor a escritora sensação do momento que, se você ainda não leu, em breve lerá.

Continua após a publicidade

(Com reportagem de Meire Kusumoto)

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.