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Semana decisiva para os sobreviventes da boate Kiss

Até a próxima terça-feira, todos os pacientes ainda internados devem respirar sem a ajuda de aparelhos. Troca de informações com médicos que atuaram no incêndio em Buenos Aires e no atentado de 11 de Setembro de 2001, em Nova York, auxilia no tratamento das vítimas. Medicamento contra o cianeto não surtiu efeito desejado

Por Luís Bulcão, de Santa Maria
6 fev 2013, 17h17

Os pacientes que ainda estão internados com problemas decorrentes do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, entraram na terça-feira em uma fase decisiva da recuperação. Apesar de alguns dos sobreviventes ainda apresentarem quadro de alta gravidade, o chefe da unidade de endoscopia respiratória do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Hugo Goulart de Oliveira, está otimista em relação à possibilidade de recuperação dos pacientes. “A expectativa é de que, em uma semana, estejam todos respirando sem a ajuda de aparelhos”, afirmou Oliveira, ao site de VEJA.

O número de vítimas do incêndio em Santa Maria que continuam internadas em hospitais do Rio Grande do Sul caiu de 81 para 74 nesta quarta-feira. De acordo com a Secretaria de Saúde do estado, sete pacientes receberam alta nas últimas 24 horas. O número de pacientes que precisam de ajuda de aparelhos para respirar também passou de 23, na terça-feira, para 21, nesta quarta-feira. Agora, são 12 os hospitais que ainda atendem as vítimas do incêndio. O Hospital de Clínicas, em Porto Alegre, continua abrigando o maior número de vítimas em estado grave, 14 ao todo. Sete delas ainda respiram com ajuda de aparelhos. Dos internados, 45 são atendidos em Porto Alegre, três em Canoas, 26 em Santa Maria e um em Caxias do Sul. A última morte foi registrada na terça-feira, elevando para 238 o número de vítimas fatais na tragédia. Pedro Almeida, natural de Santa Maria, morreu na Santa Casa de Porto Alegre. O enterro ocorre nesta quarta-feira, no Cemitério Ecumênico Municipal de Santa Maria.

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Para os médicos, a complexidade do atendimento às vítimas da tragédia não se deu apenas devido ao grande número de pacientes, todos precisando de atenção urgente no meio da madrugada de sábado para domingo. A causa da morte e principal problema para quem saiu com vida do incêndio foi a intoxicação pelo cianeto, ou gás cianídrico – a substância mortal usada nas câmaras de gás dos campos de concentração nazistas. São raros tanto o conhecimento médico sobre o tratamento quanto os medicamentos a serem empregados nesses casos.

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Oliveira afirma que a integração das equipes médicas está sendo fundamental na resposta dada pelos pacientes, que estão recebendo o mesmo tipo de tratamento em todos os hospitais. Apesar de ressaltar a importância do compartilhamento de experiências com médicos de outros países, como Canadá, Israel, Estados Unidos e Argentina, que ocorre através de videoconferências regulares, Oliveira conta que a hidroxicobalamina, substância trazida dos Estados Unidos para combater os efeitos do cianeto no sangue, não fez diferença no tratamento dos pacientes.

De acordo com o médico, havia consenso entre os profissionais de que a eficácia do medicamento era discutível e de que a tendência era que ele não faria efeito em fase tardia. “Nas primeiras horas do atendimento, seria importante. Mas a sensação que eu tive é que não exerceu efeito algum”, afirmou o médico. Oliveira explica que a aplicação do medicamento ficou a critério de cada equipe hospitalar. O grupo comandado por Oliveira decidiu aplicar o medicamento em apenas dois pacientes.

Fases do tratamento – O atendimento foi realizado em três estágios. O primeiro foi emergencial. As equipes de saúde ficaram empenhadas em manter os pacientes respirando, com o auxílio de aparelhos e tubos, e em manter os órgãos vitais preservados, pela manutenção e nutrição da corrente sanguínea. O cianeto e o monóxido de carbono, duas das substâncias liberadas pelo incêndio, foram responsáveis pelos efeitos mais graves. Segundo Oliveira, o monóxido de carbono ocupa o espaço do oxigênio na hemoglobina, dificultando que o oxigênio chegue às células. Já o cianeto desarma a estrutura responsável pela utilização do oxigênio pela célula, que fica impedida de transformá-lo em energia. “As pessoas morreram por falta de oxigênio. Muitas vezes, não tinham nem noção do que estava acontecendo. Elas simplesmente apagam”, descreveu.

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Uma vez mantida a vida do paciente, o desafio dos médicos passou a ser dar suporte para que o organismo conseguisse se recuperar. Oliveira destaca a importância da integração com equipes médicas que já passaram por experiências parecidas. Antes mesmo de receber os pacientes transferidos, o médico havia entrado em contato com colegas de Buenos Aires que participaram do atendimento aos feridos no incêndio que matou 194 em uma boate na capital argentina, em 2004. O tratamento recomendado pelos argentinos, e seguido por todos os hospitais que receberam pacientes do incêndio de Santa Maria, foi a realização de uma endoscopia respiratória. O procedimento implica na introdução de um aparelho, semelhante a um lápis flexível, no tubo respiratório. O procedimento serve para remover a fuligem acumulada nas vias aéreas. “A remoção do material permitiu que a evolução da recuperação fosse rápida e com menor probabilidade de sequelas”, afirma Oliveira. O médico conta que essa fase foi fundamental para tratar o quadro que os médicos denominam de “pneumonia química”, resultante do dano provocado pelos gases tóxicos aos alvéolos pulmonares.

Nos pacientes em quadro mais grave, foi usado um aparelho denominado ECMO – uma espécie de pulmão substituto que mantém a oxigenação sanguínea enquanto o pulmão da vítima não consegue desempenhar suas funções. Um dos pacientes internados no Hospital de Clínicas precisou utilizar o tratamento. De acordo com Oliveira, o paciente apresentou melhora nos dois últimos dias e está em “franca recuperação”.

Passada a segunda etapa, existem diversos riscos e possíveis sequelas às vítimas do incêndio. A primeira delas é a infecção hospitalar. Enquanto internados, os pacientes ficam mais suscetíveis a infecções, que podem agravar o quadro. Outro risco – este apontado por médicos que trabalharam no tratamento de vítimas do desabamento das torres gêmeas do World Trade Center, em setembro de 2001 – é o desenvolvimento da bronquiolite, que é a inflamação dos bronquíolos. Inflamadas, as vias obstruem a passagem do oxigênio, causando dificuldade de respiração. De acordo com Oliveira, o quadro pode se manifestar até 60 dias após o incidente. No entanto, é possível, através de exames desenvolvidos pela experiência dos americanos, identificar e tratar esse efeito. Oliveira explica que hospitais como o Moinhos de Vento e o Hospital de Clínicas, em Porto Alegre, são equipados para realizar os exames, que também serão disponibilizados para as vítimas atendidas em outros hospitais.

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Uma terceira sequela que os pacientes podem apresentar na terceira fase é a fibrose pulmonar, como se fosse uma cicatrização, explica. Ao invés de se recuperar plenamente, o pulmão desenvolve uma nova estrutura, comparável a de um corte cicatrizado, que deixa uma marca. O efeito da fibrose é a redução da capacidade pulmonar. O médico detalha que normalmente as pessoas utilizam de 40% a 50% da capacidade de seus pulmões. O restante é reserva. Por isso, exemplifica Oliveira, os fumantes não notam a deterioração do órgão causada pelos efeitos do fumo. “Só vão notar quando a capacidade do pulmão já atinge essa porcentagem”, explica. No caso das vítimas do incêndio, as sequelas dependerão do grau de cicatrização. Se a fibrose ocorrer em uma parte pequena dos pulmões, é possível que as vítimas nem mesmo venham a notar os efeitos.

De acordo com o médico, as queimaduras sofridas no incêndio da boate não foram o fator mais grave. “O paciente que apresenta maior nível de queimadura teve, no máximo, 40% do corpo afetado”, conta. Outra preocupação é com o tratamento psicológico. Os pacientes estão recebendo apoio emocional desde o primeiro momento em que acordam. “O emocional é muito importante. Os traumas decorrentes podem ser muito fortes”, alerta o médico.

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