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O roubo que daria um filme

VEJA teve acesso aos bastidores da maior apreensão de carga roubada ocorrida no país. O lote importado de projetores de cinema abasteceria quadrilhas internacionais e o bando brasileiro receberia o pagamento em fuzis

Por Leslie Leitão 15 Maio 2015, 23h30

Tratado como um crime menor, de violência controlada e pouca visibilidade nas apurações, o roubo de cargas segue quase impune e batendo inglórios recordes no Brasil – cresceu 16% em 2014 em relação ao ano anterior, e ultrapassou a casa de 1,2 bilhão de reais em prejuízos com a perda de mercadorias. Um episódio recente, porém, a cujos detalhes VEJA teve acesso, registra um raro ponto a favor nesse triste histórico. Agindo em conjunto, as polícias do Rio de Janeiro e de Mato Grosso do Sul desvendaram um crime, recuperaram a mercadoria e puseram na cadeia a metade do bando responsável pelo maior roubo de carga já registrado no país: 120 kits de projeção de cinema, avaliados em 35 milhões de reais. No processo, puderam esmiuçar o modo de operação dos bandidos – entre eles um policial – e revelar uma rede de receptação e repasse de produtos roubados com ramificações internacionais. Mais: estabeleceram uma conexão direta entre o roubo e o tráfico de armas para o Brasil.

O destino da carga era o Paraguai, de onde seria repassada para “clientes” na Argentina, Bolívia e Canadá; parte retornaria ao Brasil, via Foz do Iguaçu. Os projetores foram despachados para a fronteira em cinco carretas que seguiram rotas distintas, mas uma foi interceptada em Minas Gerais e as outras, localizadas em Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, e em Colatina, no Espírito Santo. O inquérito corre em sigilo, mas VEJA apurou, com base nos depoimentos de cinco dos nove integrantes da gangue, que as negociações para o repasse da mercadoria eram conduzidas diretamente por um policial civil da tropa fluminense, Maurício Bastos Silva, agora foragido. Seu interlocutor era o vereador paraguaio Mario Niz, da cidade de Pedro Juan Caballero, envolvido em uma série de escândalos no seu país. “Era esse policial que tinha o contato do receptador fora do Brasil”, afirma a delegada Ana Cláudia Medina, de Campo Grande.

Pelo trato entre Silva e Niz, a mercadoria seria trocada – por 30% de seu valor – por fuzis, “mais valiosos do que ouro”, na comparação de um dos marginais. É a prova concreta do que a polícia já sabe há tempos: não só cargas de eletrônicos, mas também carros roubados são entregues a quadrilhas fora do país em troca de armamento, que por sua vez é revendido com enorme lucro por aqui. No Rio de Janeiro, a meca do comércio ilegal de armas, o preço de um fuzil flutua entre 40 000 e 60  000 reais, dependendo do calibre.

O lote de projetores havia sido importado dos Estados Unidos e da Bélgica para suprir mais de uma centena de salas de exibição a ser inauguradas até o fim do mês, como parte de um programa da Ancine. Do porto do Rio, foi levado para o depósito de uma empresa, a Lumari Transportes, em Vigário Geral, no subúrbio do Rio. Em um fim de semana, o bando estacionou cinco carretas no galpão e surrupiou tudo. Não havia vigilantes, e as câmeras não estavam funcionando. No decorrer das investigações, a delegada Ana Cláudia e seu colega carioca, Marcelo Martins, estabeleceram o envolvimento dos donos da própria Lumari no crime. “Eles já haviam registrado outros dois furtos de mercadorias nesse mesmo endereço. Não temos dúvida de que o modus operandi era fazer a carga desaparecer e registrar queixa, sendo que os ladrões eram eles mesmos”, afirma Martins, que conseguiu na Justiça a decretação da prisão preventiva dos empresários e de mais três envolvidos no esquema.

Nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo são praticados 82% dos roubos e furtos de carga no país, em depósitos ou diretamente em caminhões nas estradas. Fica no Rio o lugar onde mais se roubam cargas no planeta – o bairro da Pavuna, à beira da Via Dutra. No estado inteiro, no ano passado, foram registrados 5 889 ataques. Mas é em São Paulo, em um raio de 100 quilômetros a partir da cidade de Campinas, que se dá a maior parte das ações – 8 510 em 2014, uma média de 23 por dia. Lá a polícia também desvendou um assalto espetacular ocorrido no começo do mês: dez caminhões de mercadorias levadas do depósito de uma rede de lojas foram recuperados, e o maior ladrão de cargas do estado, Albiazer Maciel de Lima, o Bia, foi preso. Aos 38 anos, ele estava foragido desde 2001, quando foi condenado a mais de cinquenta anos de prisão por uma série de assaltos. Antes desse crime, Bia comandara outra ação cinematográfica, em julho de 2014, quando seu bando invadiu o galpão de uma fábrica de eletrônicos e levou mais de 34 000 telefones celulares, tablets e notebooks, avaliados em 20 milhões de reais. Só uma fração do butim foi recuperada, no Paraguai.

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Os dois casos anunciados pelas polícias de Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo nas últimas semanas são absoluta raridade no caldo geral de inação e falta de recursos que fermenta o roubo de carga no Brasil. No estado vice-campeão em ocorrências, o Rio, a unidade responsável pelas investigações não conta com mais do que cinquenta policiais e quatro viaturas. É quase o mesmo pessoal que reúnem as poderosas quadrilhas do país – só que com frota bem mais modesta.

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