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“O Brasil está vivendo um estado de exceção”, diz urbanista

Estudo do urbanista Carlos Vainer aponta que as flexibilizações legislativas para a Copa do Mundo e para os Jogos Olímpicos alteram a dinâmica dos municípios em detrimento do interesse público

Por Bruno Huberman
19 dez 2011, 13h32

O urbanista Carlos Vainer acredita que o Brasil vive um momento “excepcional”. No entanto, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) não utiliza a palavra no sentido positivo do termo. Para ele, desde que o país foi eleito para receber os dois maiores eventos esportivos do planeta – a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos – a série de flexibilizações legislativas criaram um novo fenômeno urbanístico: as “cidades de exceção”.

Segundo um estudo feito por Vainer, os municípios passaram a ser geridos por interesses particulares, como os da Fifa e do Comitê Olímpico Internacional (COI), em detrimento do interesso público e dos direitos humanos. O urbanista teme que, passadas as competições, legislações aprovadas em caráter excepcional acabem virando regra. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

O que o senhor chama de cidade de exceção? A ideia de exceção no pensamento político se opõe a de estado de direito. São situações excepcionais nas quais as regras que regem o estado de direito ficam suspensas, como nas ditaduras e regimes autoritários. O que está acontecendo hoje é que as regras são estabelecidas por interesses casuísticos, que beneficiam apenas certas e poucas pessoas. Quando as regras gerais que regem o funcionamento e a vida da cidade são submetidas a regras excepcionais, surge a cidade de exceção.

Quais flexibilizações legislativas em vigor hoje se adequam a essa ideia de exceção? O Ato Olímpico, por exemplo, diz que todos os credenciados pelo COI (como funcionários e patrocinadores), têm automaticamente o direito ao visto de entrada no Brasil. Um dos atributos da soberania de uma nação é determinar quem entra em seu território. Pela Lei Geral da Copa, quem comprar uma entrada para o estádio terá direito automático ao visto. Ou seja, a Fifa e o COI, que são entidades privadas, darão o visto pelo Brasil. Outro exemplo: quem entra com mercadorias no país paga impostos. Contudo, os produtos que forem associados aos patrocinadores do COI e da Fifa estão isentos de tributações. Outro dia, propuseram a venda de bebida alcoólica dentro dos estádios durante a Copa. Mas o Estatuto do Torcedor diz que é proibido o consumo de álcool dentro dos estádios. Uma das propostas mais absurdas é a que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, que determina o limite de endividamento dos estados e municípios. Obras relacionadas à Copa poderão ultrapassar este limite. Não é permitido para construir posto de saúde ou para escola, mas para estádio pode.

O regime diferenciado de contratação, que muda as regras das licitações públicas para os megaeventos esportivos, e as outras flexibilizações facilitam a corrupção? A presidente Dilma Rousseff diz que o regime diferenciado de contratação é tão bom, que ajuda a reduzir a corrupção. Se é tão bom, por que não é usado para tudo? Já que acelera as obras e aumenta a transparência, deveria ser utilizado também para a construção de estradas, escolas e postos de saúde. O argumento não convence.

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O governo brasileiro é conivente com as organizações esportivas internacionais? Você acha que na Copa na Alemanha, em 2006, o estado alemão autorizou a Fifa a dar visto de entrada? Exigir, eles exigem tudo. O problema é saber o quanto você concede. Quando se permite que uma entidade privada comercialize álcool dentro dos estádios, o que vai contra as nossas leis, está submetendo o estado a interesses privados. Esse é um ponto. A Fifa não exigiu que fossem feitas concessões de recursos públicos para a construção de estádios, mas o BNDES está distribuindo essa “bolsa estádio” para os municípios. A subordinação do país a essa demanda significa a abdicação da soberania. A CBF, que é uma instituição privada, pode se submeter à Fifa se assim desejar. Outra coisa é empurrar essas exigências para o estado. Nós não elegemos o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, nem o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Artur Nuzman. A cidade se tornou um lugar de negócio, de homens de negócio, onde o cidadão passa a ser apenas um consumidor. A cidade de exceção é um regime de governo urbano que transforma a cidade num grande negócio.

Qual será o custo total da realização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos? Outro dia participei de um debate com o presidente da Autoridade Pública Olímpica (APO), Márcio Fortes, e perguntei quanto iria custar a Olimpíada. Qualquer capitalista minimamente sério pergunta, antes de fazer um investimento, quanto vai custar e quanto ele vai ganhar. Fortes disse que até março eles saberão. Mas as obras já começaram. Algum ministro do governo começa uma obra sem saber o orçamento? Uma coisa posso assegurar: estão sendo contraídas dividas enormes que serão pagas pelos governos federal, estaduais e municipais.

O Pan-Americano de 2007 no Rio de Janeiro praticamente não deixou nenhum legado para a cidade. O que é preciso fazer para que isso não se repita? Em 1963, no Pan-Americano de São Paulo, nenhum estádio foi construído. Houve apenas uma construção: a vila olímpica. Ela se transformou no Crusp, a moradia para estudantes da Universidade de São Paulo. Ou seja, se gastou pouquíssimo, tivemos os jogos e um legado. Os investimentos para 2016 são todos feitos no esporte comercial e de alto rendimento. Enquanto isso, os professores de educação física das escolas públicas ganham pouco e não há programas de difusão do esporte como cultura de massa e experiência coletiva nas escolas. Os 450 milhões de reais gastos na reforma do Maracanã em 2007 não serviram para nada, porque agora estão gastando mais 1 bilhão de reais. No Rio, eles querem expulsar os moradores da Vila Autódromo, que tem seus terrenos regularizados, porque estão muito próximos dos centros olímpicos. Por que não integrar o bairro à cidade? Com melhorias, saneamento básico, escolas. Isso sim seria um legado.

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