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“Nunca vi diferença entre um filho adotado e um filho biológico”

Paula Abreu poderia ter engravidado, mas preferiu aumentar a familia de outra forma; para ajudar mães como ela, a advogada lançou um guia sobre o assunto

Por Fernanda Nascimento
30 Maio 2011, 07h14

A advogada Paula Abreu não consegue contar nos dedos quantas vezes teve que responder que pode ter filhos biológicos, sim. Não foi por falta de opção ou por caridade que, aos 31 anos, decidiu adotar Davi, hoje prestes a completar três anos. Até hoje, Paula enfrenta olhares assustados quando afirma, com orgulho, que não sonha em engravidar e não tem planos de ter um filho biológico.

Para ajudar mães que, como ela, escolheram outra maneira de aumentar a família, Paula lançou A Aventura da Adoção (Ed. Thomas Nelson Brasil, 272 páginas, R$ 29,90). No livro, ela relata o processo de adoção de seu filho, desde a decisão até a adaptação. Em entrevista ao site de VEJA, a advogada conta as dificuldades e surpresas que teve até a chegada de Davi. Abaixo, os principais trechos da entrevista, concedida na sexta-feira, 48 horas depois do Dia Nacional da Adoção, data criada para incentivar a discussão em torno da questão.

Como foi a decisão de adotar uma criança?

Eu sempre quis isso, desde muito jovem. Eu nunca vi diferença entre um filho adotado e um filho biológico. Se eu achasse que era diferente, não teria adotado uma criança. Eu e meu marido queríamos ter as duas coisas e não fazíamos distinção do que seria primeiro ou segundo. Quando resolvemos ter um filho, entramos com o processo de adoção – que poderia ser muito longo – e também parei de tomar pílula anticoncepcional. O projeto era ter um filho, não importava de que forma.

Você se sentiu julgada por sua escolha?

Existe muito preconceito e ignorância, mas não é por mal. É falta de informação mesmo. Uma das coisas que me motivou a escrever o livro foi tentar preencher esse vazio que encontrei até em pessoas muito próximas, muito queridas. Elas faziam perguntas e comentários desagradáveis sem saber que podiam me magoar.

O que você ouvia das pessoas?

Uma coisa que eu sempre escutava era: “Mas por que primeiro você não tem um filho seu?”. Eu sempre respondia: “Vai ser meu, você vai ver, vai ter até certidão de nascimento dizendo que é meu”. Outra pergunta que eu acho horrível, até pior: “Adotar? Por que você não tem uma filho de verdade?”. A resposta para isso eu aprendi com uma amiga de um grupo de apoio: “Mas ele é de verdade, pode encostar nele para você ver”. Pessoas que eu mal conhecia me perguntavam se eu não podia ter filhos. Não necessariamente eu respondo de uma forma agressiva, mas dou uma resposta que faça a pessoa pensar. Às vezes ela pergunta sem se dar conta do que está falando. São questões presentes no inconsciente coletivo ignorante.

Isso te desmotivou?

As pessoas têm alguns preconceitos bestas e perguntavam se eu não tinha medo de adotar uma criança que não tenha meu gene ou se não tinho medo da criança se revoltar contra mim no futuro. Você não diz para uma grávida: você não tem medo de perder o bebê, morrer durante o parto ou que seu filho nasça com problemas de saúde? Ninguém fica perguntando esse tipo de coisa. Sempre é tudo lindo e maravilhoso, só se fala em coisas boas. Na adoção é o contrário. As pessoas ficam expondo os pontos negativos, alguns totalmente fantasiosos.

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Como foi o apoio da família e dos amigos?

Eu sempre fui embaixadora da adoção, então contei para todo mundo e adorava conversar sobre o assunto. Mas mesmo que os amigos apóiem e às vezes perguntem como está o processo, não é a mesma coisa que uma gravidez biológica. É um momento bem solitário, porque ninguém fica toda hora perguntando, ninguém dá presente – até porque não dá para comprar nada.

Quanto tempo durou o processo?

Foi rápido. Nós demos entrada no processo de adoção no mês de janeiro e adotamos no dia 12 de agosto, quinze dias depois de estarmos oficialmente habilitados. Como não foram nem sete meses, digo que tivemos um filho prematuro (risos).

Você esperava aguardar mais tempo?

A partir do momento que você está habilitado, entra em uma fila e é feito um cruzamento de dados entre as crianças disponíveis para a adoção e o que cada casal procura. Talvez não tivessem tantas pessoas na minha frente que aceitavam dois irmãos, uma idade mais ampla e eram indiferentes à raça como eu.

Alguns casais procuram perfis muito específicos. Por isso o processo pode ser lento em alguns casos?

Conhecer um abrigo brasileiro é muito importante para quem está pensando em adotar. Esse desencontro entre a fila dos pretendentes a adoção e as crianças disponíveis existe pela falta de contato das pessoas com as realidade dos abrigos. Porque lá você vê que a realidade não é a criança branca, recém-nascida e menina. Você começa a ver outras realidades que talvez você não esteja considerando na hora de fazer a ficha do perfil.

Como foi decidir o perfil do seu filho?

Preencher a ficha é muito constrangedor. Porque o formulário tem detalhes que eu nem imaginava que alguém pudesse escolher. É um momento importante para tomar suas decisões, mas diante de alguns detalhes eu pensava: se eu engravidasse, não poderia escolher isso.

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Quais escolhas te chamaram a atenção?

Você pode escolher não só a raça, mas os traços. Há também opção pelo tipo de cabelo, se é cacheado, liso, crespo, afro. Eu nem me lembro direito, fui colocando indiferente em tudo. E não é só dizer se aceita doenças ou não. Há uma lista enorme, que vai desde coisas mais leves como hiperatividade até paralisia cerebral, HIV, Síndrome de Down. Você pensa: meu Deus, parece que eu estou num shopping escolhendo um produto ou montando um carro na concessionária. Na hora fiquei muito surpresa.

Foi difícil a decisão de aceitar ou não um filho com doenças mais graves?

Eu pensava: se eu engravidar, posso ter uma criança com síndrome de down ou paralisia. Mas naquele momento eu não tinha condições financeiras nem tempo para dedicar a um filho com necessidades especiais. Se isso acontecesse, claro que largaria tudo para cuidar dele. Mas pensei que estava fazendo uma escolha e que eu também tenho alguns sonhos. Fiz uma concessão para mim, para nós como casal.

Como foi a chegada de Davi?

Recebi um telefonema da assistente social dizendo que havia uma criança com menos de um mês disponível. Era um menino, negro. Estranhei, pois estávamos na fila há apenas quinze dias. Liguei para o meu marido e falei: nosso filho chegou. Fomos para o fórum ver o processo, pegamos os papéis e corremos para o abrigo. De lá, liguei para a assistente social na hora perguntando o que precisava fazer para ir embora com meu filho naquele instante.

Você estava preparada?

Eu não tinha nada, ele veio para casa com a roupinha do corpo. Digo que às duas da tarde entrei em trabalho de parto e às cinco já estava com meu filho em casa. Sempre brinco com as minhas amigas, mães biológicas: sabe aqueles nove meses que você passou lendo livros, comprando roupinhas? Comigo aconteceu tudo em três horas. Fomos a uma loja e compramos tudo, do algodão até o berço. Não esperava um recém-nascido. Achava que seria uma criança com cinco ou seis anos.

Você pretende ter outro filho?

Eu pensava em adotar duas crianças e ainda engravidar de um terceiro filho. Hoje nós não queremos ter mais nenhum. Mas se eu decidir ter outro filho não vou querer engravidar, mas sim adotar mais uma vez. Quando não tinha filhos, tinha curiosidade de engravidar, amamentar… Mas a adoção pra mim foi uma coisa tão emocionante que eu faço questão de repetir se eu tiver outro filho.

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As pessoas entendem sua opção por não ter filhos biológicos?

Acho que não. A maioria não entende. Às vezes as pessoas expressam isso verbalmente, às vezes vejo por sua expressão que ela pensa que eu digo isso só porque nunca tive um filho biológico.

Você conheceu outras mulheres que fizeram essa opção?

No meu grupo de apoio existem várias mulheres que fizeram essa escolha, mais do que eu imaginava. Quando eu descobri essas pessoas, fiquei aliviada, porque as pessoas me tratavam como maluca. Foi um conforto encontrar outras mães que optaram por adotar.

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