O que dizia a reportagem de VEJA
Em maio de 2005, VEJA publicou uma reportagem revelando o monstro que se cria quando se misturam no mesmo ambiente interesses públicos, privados e políticos. Um diretor da ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) foi flagrado em uma gravação de vídeo recebendo propina e narrando em detalhes o funcionamento de uma estrutura clandestina de arrecadação de dinheiro. As imagens correram o mundo e provocaram o maior escândalo político desde o impeachment do presidente Fernando Collor. O Congresso instaurou uma comissão parlamentar de inquérito e, a partir dela, desvendou-se uma enorme rede de corrupção envolvendo gente graúda do governo, parlamentares e empresários. O esquema, batizado de mensalão, arrecadava dinheiro em empresas públicas para subornar deputados.
Quarenta pessoas estão sendo processadas por crimes de corrupção e formação de quadrilha. Agora, quase três anos depois, a Polícia Federal concluiu a investigação sobre a gênese do escândalo. Os Correios eram exatamente aquilo que as imagens mostraram – um covil usado pelos políticos para desviar dinheiro público mediante a indicação de pessoas para ocupar cargos estratégicos. Funcionava nos moldes de uma organização criminosa, com chefes, escalões de comando, contabilidade própria, ameaças, extorsões e pagamentos de propina.
VEJA teve acesso ao relatório final da Polícia Federal sobre o caso. O documento revela o poder de destruição de uma das piores pragas da política brasileira: o loteamento de cargos. Em 130 páginas, a Polícia Federal disseca, a partir dos Correios, a maneira como os políticos tomam de assalto empresas públicas para satisfazer interesses pessoais e partidários. O relatório ajuda a entender por que deputados e senadores, independentemente de credo ou ideologia, vivem numa guerrilha permanente para indicar seus afilhados para cargos no governo federal, estadual ou municipal. Fica evidente que a meta a ser perseguida é o binômio poder e dinheiro – principalmente dinheiro, que compra o poder. Maurício Marinho, o funcionário filmado recebendo propina, foi escolhido para ocupar o cargo pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), uma das catorze agremiações aliadas ao governo.
O que aconteceu depois
• O relatório foi entregue pela Polícia Federal à Procuradoria da República no Distrito Federal algumas semanas depois da publicação da reportagem da VEJA. O material totalizava 133 volumes. Também faziam parte do relatório fitas VHF e volumes referentes a escutas telefônicas e quebra de sigilo autorizadas pela Justiça.
• Em março de 2008, a 10ª Vara da Justiça Federal no Distrito Federal, atendendo a um pedido dos procuradores, prorrogou o prazo para a Procuradoria da República analisar o relatório da Polícia Federal sobre o inquérito dos Correios. O prazo foi estendido por 60 dias. De acordo com a Procuradoria, o pedido de prorrogação foi feito por conta do grande volume de material a ser analisado.
• No dia 11 de setembro, o Ministério Público Federal no Distrito Federal denunciou à Justiça o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ); os então funcionários Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) Maurício Marinho, Antônio Osório, Fernando Godoy, Julio Imoto e Eduardo Coutinho; o ex-presidente da estatal João Henrique de Almeida Souza; o ex-presidente da Eletronorte, Roberto Garcia Salmeron; e Horácio Batista, primo de Antônio Osório.
• Em outubro, um mês após a denúncia, a ECT volta a ser alvo de investigações da Polícia Federal. Um novo esquema de fraude na empresa é descoberto e 16 pessoas são presas sob suspeitas de desviar 21 milhões de reais. A semelhança com a ação criminosa também feita dentros dos Correios e descoberta em 2005, que culminou no escândalo do mensalão, faz a Polícia Federal batizar a operação de Déjà vu (já visto, em francês).
• Quase um ano após o recebimento do relatório da Polícia Federal pela Procuradoria da República e quatro meses depois da denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF), o processo contra os envolvidos no esquema de corrupção dos Correios continua em andamento na 10ª Vara da Justiça Federal no Distrito Federal. De acordo com consulta feita pela VEJA.com, o despacho mais recente do juiz Ricardo Augusto Soares Leite ao processo de número 2008.34.00.027841-0, publicado no último dia 22 de janeiro, concedia mais dez dias de prazo aos reus para responderem à acusação.