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Hospitais para presidiários apresentam condições subhumanas de tratamento

Falta de estrutura, condições de higiene precárias e equipe médica aquém do necessário foram problemas encontrados por fiscalização feita pelo Cremesp

Por Da Redação
14 abr 2014, 11h21

Pacientes-detentos recebem os mais pífios cuidados de saúde nos hospitais de custódia do Estado de São Paulo. Pelo menos 1.070 pacientes, que são ao mesmo tempo presidiários, são amontoados em macas precárias, em alojamentos ou galpões que não contam sequer com a infraestrutura mínima de higiene para receber tratamentos básicos de saúde. O cenário de degradação foi fiscalizado pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) e documentos foram reunidos em um levantamento realizados entre os meses de maio e julho do ano passado em três hospitais de custódia do Estado: as duas unidades de Franco da Rocha, na Região Metropolitana, e a de Taubaté, no interior. Os resultados da vistoria deram origem ao livro Hospital de Custódia: Prisão sem Tratamento, finalizado na semana passada.

Entre os principais problemas apontados pelo Cremesp estão a péssima estrutura física e a ausência de um tratamento adequado para os internos. Na maioria das unidades, a limpeza era quase inexistente. Havia restos de comida debaixo das camas, quartos com urina e fezes e cheiro forte de fumaça de cigarro nos ambientes em que os pacientes dormiam. “Nenhuma das unidades apresentou laudo da Vigilância Sanitária nem do Corpo de Bombeiros”, afirma o psiquiatra forense Quirino Cordeiro, membro do Cremesp e um dos coordenadores da fiscalização.

A maioria dos pacientes tinha como único tratamento a medicação. Faltavam psiquiatras, psicólogos, farmacêuticos e terapeutas ocupacionais. Uma das unidades visitadas tinha apenas 28 dos 72 profissionais de saúde necessários. “Na maioria dos locais, o período da noite fica sem nenhum médico plantonista. Muitas vezes os agentes de segurança penitenciários fazem o papel de farmacêutico ou de auxiliar de enfermagem. Não há tratamento individualizado. O foco acaba sendo o tratamento medicamentoso, até em doses mais elevadas”, afirma Cordeiro.

Prisão perpétua – Segundo o vice-presidente do Cremesp, o psiquiatra Mauro Aranha de Lima, a dinâmica encontrada nos hospitais de custódia impede que eles cumpram sua função: tratar os pacientes e cessar a periculosidade. “Esses pacientes, quando cometeram crimes, estavam doentes, não tiveram dolo nem culpa e por isso não receberam uma pena, mas, sim, uma medida de segurança, para que sejam tratados. Só que, sem esse tratamento, o quadro deles só piora e eles acabam condenados à prisão perpétua, já que, sendo tratados dessa forma, nunca estarão aptos a retornar ao convívio social”, afirma ele, que também coordenou a fiscalização.

Os psiquiatras explicam que a situação observada nesses locais ainda segue a lógica manicomial, em que o doente mental não tem o tratamento adequado e fica segregado da sociedade. A Lei Federal 2.216, de 2001, determinou a extinção desse modelo. A partir de então, o país deveria passar a priorizar um tratamento com foco na reinserção social do paciente, seja infrator ou não. “Sabemos que, com um tratamento adequado, um paciente com quadro psicótico pode sair da internação em alguns meses, dando seguimento ao tratamento de forma ambulatorial. Nesses hospitais, há internos que estão lá há décadas. Ou seja, é uma lógica de prisão e não de saúde”, afirma Lima.

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O próprio Código Penal prevê que o paciente em medida de segurança permaneça, no mínimo, um ano em hospital, antes de ser avaliado novamente por um perito.

Sem tratamento – Ex-paciente do Hospital de Custódia 2 de Franco da Rocha, um estudante que não pode ser identificado afirma ter visto seu quadro de dependência química piorar nos meses em que ficou internado. A unidade 2 é destinada a doentes que já estão próximos da desinternação. Muitos já têm autorização para ficar alguns dias por semana em casa. “Todo mundo voltava com droga e havia conivência dos funcionários. Era eu voltar de casa ao hospital para ter recaída. Não existe tratamento.”

A internação prolongada, muitas vezes por períodos acima do necessário, criou um problema de falta de vagas nos hospitais de custódia. “Hoje temos 500 pessoas presas em penitenciárias aguardando vaga nos hospitais”, diz Paulo Eduardo de Almeida Sorci, juiz-corregedor dessas instituições.

Se o tratamento nos hospitais já é inadequado, nas prisões, ele é inexistente. O pintor A., de 37 anos, passou dois anos e três meses em Centros de Detenção Provisória (CDPs), antes de ser encaminhado ao Hospital 1 de Franco da Rocha. Preso por roubo, ele foi considerado inimputável porque assaltava sob o efeito de drogas e para alimentar a dependência química. “No CDP, ficavam 46 presos em uma cela que cabiam oito. A droga rolava solta, como podia me tratar?”, questiona o ex-detento.

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Sorci afirma que, para minimizar o problema, foi criada, há dois meses, uma ala para esses pacientes na Penitenciária 3 de Franco da Rocha. “Lá eles têm atendimento médico especializado. Todos os doentes mentais que estão em presídios estão sendo transferidos para lá”, diz o juiz. Para os fiscais do Cremesp, essa não é a alternativa mais adequada. Sorci afirma que nomeou doze peritos extras para que as avaliações dos pacientes sejam agilizadas.

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(Com Estadão Conteúdo)

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