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A ética dos incomuns em Brasília

Por Da Redação
6 nov 2009, 20h09

A dona-de-casa Francisca Gonçalves Lima tem 31 anos, quatro filhos e um teto na cidade de Recanto das Emas, na periferia de Brasília. Ela deve 200 reais de aluguel. Há uma semana, temendo ser despejada, Francisca sofreu um colapso nervoso � e, num ato de atroz desespero, pingou veneno de rato no suco dos filhos. Em seguida, ingeriu a dose restante. Todos, felizmente, sobreviveram. Francisca está internada, sob escolta policial. Francisca é uma cidadã comum.

Quando deixar o hospital, será presa. Pela lei de Deus, ela pecou. Pela lei dos homens, ela será punida. Este é o mundo dos brasileiros sem privilégios. A 30 quilômetros do barraco de Francisca, protegidos pelo confortável manto dos poderes da nação, há uma casta de homens e mulheres que não se submete às mesmas leis e aos mesmos costumes. São os políticos, ou os “incomuns” – aqueles que, como bem explicou o presidente Lula ao defender as ilegalidades cometidas pelo senador José Sarney, “não podem ser tratados como pessoas comuns”.

Sob o infalível perdão do presidente, eles continuam cometendo toda sorte de transgressões, algumas aparentemente pequenas em dolo, como enganar os idosos com promessas de reajuste de pensão, outras em escala, como a constante tentativa de afrontar as leis vigentes. Ao contrário dos homens comuns, eles não crêem que possam sofrer sanções morais, legais e muito menos políticas. Para salvar a própria alma, Dante Alighieri conheceu os pecados do mundo percorrendo os círculos do Inferno descritos n’A Divina Comédia. Os gabinetes da Esplanada dos Ministérios oferecem excursão semelhante.

Na semana passada, esse sistema cínico, de cuja ética relativa apenas poucos e bons escapam, sofreu um choque de realidade. O Supremo Tribunal Federal (STF) começou o julgamento do chamado “mensalão mineiro” que tem como principal implicado o senador tucano Eduardo Azeredo. Ele é acusado de ter recorrido aos favores financeiros nunca desinteressados do hoje notório Marcos Valério, “o carequinha que fazia chover dinheiro” na expressão memorável do petebista Roberto Jefferson. O ministro Joaquim Barbosa, relator do caso, encontrou indícios suficientes para recomendar a abertura de processo criminal contra o senador.

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Esperança – A decisão do STF, que ainda precisa ser confirmada pelos demais ministros, mostra que, ao contrário do que alguns políticos gostariam, nem tudo está controlado. Joaquim Barbosa, durante o julgamento, chegou a sugerir que o caso do senador tucano fosse analisado simultaneamente com seu similar mais famoso, o mensalão petista – esquema milionário de desvio de recursos públicos idêntico aos dos tucanos, mas ampliado pelo governo Lula para também subornar congressistas.

Juridicamente, a ideia parece inexequível, mas sua simples proposição revela a disposição da Justiça em condenar e punir a gênese dos grandes escândalos de corrupção: o caixa 2 dos políticos.

O principal método empregado por Lula para afirmar a ética dos incomuns é sua prolífica língua. Dia sim, outro também, o presidente arenga diretamente às massas, num diálogo sem intermediários que lembra o populismo de Getúlio Vargas. Suas mais recentes investidas deram-se contra a imprensa e o Tribunal de Contas da União. Incomodado com as críticas que recebe nos jornais, Lula afirmou que “o dever da imprensa é informar, não fiscalizar”. Engano. O dever da imprensa, numa democracia liberal, é também o de fiscalizar o governo. Na mesma linha, o presidente criticou duramente as auditorias do TCU, que tem determinado a paralisação de obras do governo com evidências de irregularidades. As declarações sugerem que a ética de Lula costuma contrariar o princípio democrático da crítica.

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Lega do de Lula – Esta nova plataforma ética dos incomuns deve muito ao presidente Lula. Ainda no século XIX, a república brasileira assentou-se sobre o presidencialismo, uma forma de governo que favorece o personalismo dos governantes e a emergência de líderes carismáticos. A tradição autoritária da cultura brasileira conduziu ao modelo político atual, no qual o poder concentra-se inteiramente nas mãos do presidente. Diz o filósofo Roberto Romano, da Universidade de Campinas: “Nessas condições, o líder se torna um messias, os políticos próximos a ele tendem a imitar seu comportamento. Assim, ele vira um mito. Qualquer crítica ao líder carismático, portanto, vira blasfêmia”.

A influência moral de Lula é tamanha que até a oposição mimetiza suas atitudes. Eduardo Azeredo, no decorrer do julgamento, disse que não sabia sobre o esquema – como o presidente fizera no escândalo do mensalão. Quando enfrentar seu julgamento por tentativa de homicídio, Francisca, a cidadã comum que envenenou seus filhos num acesso de loucura, não poderá dizer que não sabia. Ela poderá pegar até 30 anos de prisão. Seus filhos crescerão sem mãe. É assim no mundo das pessoas comuns.

Leia a reportagem completa em VEJA desta semana (na íntegra somente para assinantes).

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