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No cenário de destruição, a esperança de vida persiste

Com trabalho duro, coragem e ajuda de voluntários, equipes de resgate desafiam o tempo e conseguem salvar gente em locais de difícil acesso

Por Bruno Guedes, João Erthal e Manuela Franceschini
16 jan 2011, 10h57

Marcio de Souza mostra as mãos, orgulhoso. Ajudou a tirar da lama três pessoas no bairro Conselheiro Paulino, em Nova Friburgo. “Ouvia o barulho delas e só cavava, cavava”, conta. Eram 5h40 da manhã de quarta-feira quando ele ouviu o que chama de “estalo”, mas era o ruído de uma pedra imensa que se partiu e trouxe casas, árvores e pessoas morro abaixo. Ele correu e viu o final da avalanche soterrar as últimas casas. “Vi muito cadáver aqui. E se procurar ainda acham mais”. Na tarde de sábado, caminhava sozinho pela rua olhando o estrago, incrédulo. “É difícil, viu. É difícil pra todo mundo.”

Marcio de Souza mostra as mãos: ele salvou três pessoas cavando a lama
Marcio de Souza mostra as mãos: ele salvou três pessoas cavando a lama (VEJA)

Marcio é uma entre centenas de pessoas que não perdem a esperança de encontrar gente viva nas cidades atingidas pela chuvas. O domingo amanhece com uma contabilidade trágica. Mais de 600 mortos, milhares de desabrigados e inúmeros desaparecidos. As buscas prosseguem, em condições extremamente difíceis. Há muita lama, árvores atravessadas no caminho, galhos. O acesso a muitos locais só é possível a pé, obrigando as equipes de resgate a caminhadas de muitos quilômetros, em subidas íngremes, travessias perigosas e risco de deslizamento.

Tudo isso tendo como base informações muito frágeis. A força da enxurrada mudou tudo de lugar. Mesmo quando a referência original é precisa, ela pode ter pouco valor para quem tenta localizar um parente ou amigo. Tudo foi revirado e misturado, soterrado sob uma espessa camada de lama que deixa entrever pedaços de carro, telhados de casas e outros poucos vestígios da vida que havia ali há menos de uma semana.

Nada disso desanima as equipes da Defesa Civil, dos Bombeiros, do Exército, e os voluntários que procuram ajudar. Essas pessoas são movidas pela esperança, embora encontrem a morte a cada passo. Próximo à igreja metodista, muito perto de onde esteve na sexta-feira o governador Sérgio Cabral, bombeiros conseguiram chegar a uma casa soterrada, onde morava Alexandra Câmara de Oliveira. Eles foram guiados por um tio dela, que não sabia ao certo se a sobrinha estava no Vale ou tinha viajado. Depois de quatro horas de trabalho, encontraram Alexandra morta, na cama. Acreditam que ela foi soterrada enquanto dormia. Ali perto, outro corpo, de um homem adulto não identificado foi encontrado.

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Mais adiante, pouco antes do ponto final de ônibus do Vale do Cuiabá, foram encontrados os corpos de uma família inteira. Grazieli Aparecida Teixeira Garcia, a mãe dela, Maria Francisca, e os filhos João Pedro, de 8 anos, e Luís Felipe, de 6. Depois do ponto, num lugar conhecido como Condomínio, mais um corpo – o de uma mulher de aproximadamente 70 anos, identificada por conhecidos como dona Eli.

A falta de equipamentos é outro problema recorrente. Em Teresópolis, as equipes da Lei Seca foram destacadas para ajudar no resgate. No entanto, sem ferramentas e cavando a lama com as próprias mãos, pouco puderam fazer. Em Itaipava, o major Ramon Camilo, do Corpo de Bombeiros, pede mais retroescavadeiras, equipamento fundamental para vencer a espessa camada de lama.

Sargento André Luiz Álvaro, do Batalhão de Campos Elísios, no Rio, que resgatou vítimas da tragédia na Região Serrana do Rio
Sargento André Luiz Álvaro, do Batalhão de Campos Elísios, no Rio, que resgatou vítimas da tragédia na Região Serrana do Rio (VEJA)

Mesmo assim, há histórias com final feliz. Como a vivida pelo sargento André Luiz Álvaro, do Batalhão de Campos Elísios, no Rio. Ele participou de um resgate especialmente difícil. A localidade rural conhecida como Tapera, no Vale do Cuiabá, ficou isolada na manhã de quarta-feira, depois da queda de uma ponte. Na única casa que restou de pé, 31 pessoas se abrigaram e permaneceram sem luz, água ou comida por 48 horas. A equipe de salvamento só chegou ao local na sexta-feira, depois de caminhar por duas horas e meia e improvisar uma ponte com pedaços de tronco e galhos. “Apesar de toda a experiência, não há como não se emocionar ao encontrar gente viva no meio de tanta tragédia”, diz André.

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O produtor de cinema Christian de Castro e sua mulher, Marta Zimpeck, viveram um dos momentos mais emocionantes da série de resgates. Eles estavam no Vale do Cuiabá na noite da terça-feira, 11, hospedados na casa de um amigo, o empresário Milton Tesseroli. Haviam subido para um jantar de negócios, e planejavam voltar para o Rio no dia seguinte. Durante a madrugada, o susto: o barulho da tempestade acordou o casal, que só pela manhã teria noção do tamanho da catástrofe que devastou o vale. “Era forte o cheiro de mato e terra durante o temporal. Pela manhã, soubemos que estávamos ilhados”, contou Christian.

A propriedade de Tesseroli – que perdeu uma casa em São Conrado, no Rio, em 1996, em um deslizamento de terra – nada sofreu. Na quarta-feira, a família do empresário foi resgatada de helicóptero. Christian e Marta entenderam que o fato de estar no Vale do Cuiabá naquele dia não era obra do acaso. “Achamos que tínhamos algo a fazer ali, e começamos a ajudar o Milton, que tem um veículo com tração nas quatro rodas e começou a circular dentro do limite que as barreiras permitiam”, lembrou ele.

Em uma das viagens pela Estrada do Cantagalo, auxiliando bombeiros, o produtor de cinema acabou participando do resgate dos trigêmeos Rafael, Tiago e Valentina, de um ano e meio. Eles foram salvos, junto com os pais e outras três pessoas da mesma família. “Valentina é o nome da nossa filha, foi de arrepiar”, emocionou-se o cineasta.

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