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“Será a economia, e não os projetos sociais, que conseguirá eliminar a pobreza”

Em entrevista exclusiva, o especialista em economia criativa Steven Pedigo fala sobre o novo modelo econômico, baseado na produção de conhecimento

Por Mariana Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 21 set 2015, 13h37

O intenso processo de urbanização que ocorre em todo o mundo tem trazido importantes impactos econômicos. Um dos principais deles é o surgimento de uma classe de trabalhadores remunerados não pela fabricação de bens, mas pela produção de ideias, conhecimento e tecnologia. Chamada de classe criativa, esse grupo é formado por 150 milhões de profissionais globalmente e é responsável por mais da metade de tudo o que é consumido no mundo.

Hoje, países com forte presença da classe criativa dispõem de maior potencial para se desenvolver economicamente. Seguindo essa avaliação, o Creative Class Group, empresa americana especializada no tema e fundada pelo teórico Richard Florida, criou o Global Creativity Index. Trata-se de um ranking em que 139 nações são analisadas de acordo com sua capacidade de oferecer oportunidades e criar inovação. E, quanto mais acelerado o processo de urbanização, mais alta a colocação de cada país.

Para falar sobre o estudo e analisar como o Brasil pode evoluir para se tornar referência em inovação e economia criativa, o americano Steven Pedigo participa nesta terça-feira do Fórum de Economia Criativa da Faculdade Belas Artes, em São Paulo, com transmissão ao vivo pela internet. Pedigo é diretor de Creative Cities & Civic Innovation da Universidade de Nova York (NYU), diretor do Creative Class Group e um dos responsáveis pelo ranking. Por telefone, ele conversou com o site de VEJA sobre o novo momento da economia mundial em que o papel das cidades se mostra cada vez mais preponderante. E adiantou uma de suas principais constatações: “É a economia, e não os projetos sociais, que conseguirá eliminar a pobreza”. Abaixo, os principais trechos da entrevista.

Para começar, qual a diferença entre inovação e criatividade?

Vamos supor que você tenha um problema para resolver. Se buscar sete maneiras diferentes de resolvê-lo, isso é criatividade. Agora, se escolher apenas uma das possíveis soluções e tentar aperfeiçoá-la sob todos os aspectos, buscando formas de tornar essas ideias mais comercializáveis e eficientes, isso é inovação. Em muitos casos, a inovação acontece através da tecnologia.

Nos seus estudos, o senhor fala sobre a transformação do capitalismo, que passa de um modelo industrial para outro baseado em criatividade e conhecimento. Como isso ocorre?

No século XIX, a maioria das economias dependia do plantio e da agricultura. Aos poucos, houve uma mudança do modelo agrícola para o industrial, ou seja, combinar técnicas e processos de manufatura e produzir alimentos e serviços. Foi o surgimento da cultura do automóvel, que impactou o desenvolvimento de muitas cidades. Agora, aquela economia baseada em produtos industriais, trabalho físico e recursos naturais está dando lugar a uma nova economia, impulsionada por ideias. É a transformação da economia industrial na economia do conhecimento. Até 2011, Wall Street comandava a economia americana. Hoje, o que impulsiona é tecnologia, design, mídia e publicação. São estas as peças fundamentais, capazes de agregar valor econômico.

A força de trabalho já reflete essa transformação?

Sem dúvida. O principal sintoma é a consolidação da classe criativa, composta por cerca de 150 milhões de pessoas no mundo todo. Nos Estados Unidos, representam 32% da força de trabalho e no Brasil, 20%. Em termos percentuais não é muito, mas sua importância está no valor econômico que é capaz de gerar. Metade dos salários e rendimentos vem da classe criativa. E se olharmos pelo viés dos gastos – comida, transporte etc. – a classe criativa controla 70% das despesas discriminadas nos Estados Unidos. Trata-se de gente bem educada, com acesso a muito mais fontes de recursos que o setor industrial e agrícola, por exemplo.

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E em relação a outras atividades profissionais, há alguma mudança?

Pela primeira vez na história, tanto cidades quanto negócios dependem da aplicação da tecnologia em seus espaços, e todos os profissionais respondem a isso. Desde o início deste século, o que se vê é a importância crescente da tecnologia em todos os setores e atividades profissionais. É quase uma nova ciência. Por isso, as universidades desempenham papel fundamental ao difundir o conceito e a importância da inovação e da tecnologia. As pessoas estão mais espertas do que nunca, valorizando educação e treinamento.

Pode-se dizer que o acesso à educação é maior?

Até certo ponto, sim. Mas há milhões de pessoas deixadas de lado neste novo modelo econômico por não terem formação ou treinamento. E isso ocorre muito mais do que antes. Porque no modelo industrial era possível integrar esse contingente ensinando determinadas técnicas. Só que agora a execução de tarefas depende de conhecimento. A inclusão é muito mais complexa, o que só aumenta a desigualdade. É um momento propício às oportunidades, mas que, ao mesmo tempo, cria uma cisão social muito grande.

Nações mais criativas são também mais prósperas?

Para ser criativo é preciso ter acesso a educação. A partir daí é possível gerar valor e atingir a prosperidade. Talvez seja preciso repensar a forma de ensinar, usando, por exemplo, cursos livres mais concisos. Em Nova York, há uma ONG que faz isso muito bem. Recebe secretárias, garçonetes e taxistas e ensina programação. Essas pessoas, que ganhavam cerca de 27.000 dólares por ano, passam a ganhar 100.000 dólares por ano. Isso é prosperidade. É a economia, e não os projetos sociais, que conseguirá eliminar a pobreza.

O Brasil é um país criativo?

De modo geral, a América Latina tem uma classe criativa que cresce incrivelmente rápido, mas demora um pouco mais para atingir o topo do que nos Estados Unidos ou no Reino Unido. Isso ocorre porque nesses locais são raras as instituições educacionais reconhecidamente importantes e que contribuem para esse processo. Em todos os países em desenvolvimento, o acesso a instituições de ensino de qualidade é muito limitado.

Além da educação, o que mais contribui para os avanços tecnológicos?

Costumamos relacionar criatividade à tecnologia, mas se as ruas não forem seguras, se as escolas não forem boas e se não houver infraestrutura, a tecnologia fica comprometida. Locais com pouca infraestrutura, caso de São Paulo e da Cidade do México, podem tirar partido disso e oferecer oportunidades nessas áreas como forma de encontrarem um caminho para o desenvolvimento. A criação de infraestrutura é um dos principais condutores da nova economia. O Brasil vive enormes desafios de urbanização, de economia informal, de como incluir pessoas. Para vencê-los e se tornar referência em criatividade, é preciso ter instituições fortes. Sem investimentos nem um sistema educacional melhor, não há como avançar.

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Qual país o senhor citaria como exemplo para o Brasil?

A Coreia do Sul, que de país emergente tornou-se referência. Isso foi feito devido a muitos investimentos em infraestrutura e tecnologia. Não tem segredo. Sem investir ninguém sai do lugar. E não é qualquer tipo de investimento, mas naquele capaz de mudar a economia. E não estou falando apenas de investimento do governo, mas também do setor privado. É um ambiente colaborativo, mas também competitivo. Isso é igual no setor privado.

Na América Latina, os profissionais são bem competitivos, mas não muito colaborativos. Por quê?

Isso acontece por uma razão cultural. Eles têm medo de que suas ideias serão roubadas e levadas embora. A razão disso está na corrupção. O papel do governo é eliminar a corrupção e garantir uma forma de proteger as ideias de cada um. Mas os governos parecem não se importar muito com isso.

Qual o papel das cidades na nova economia?

Por muito tempo, as cidades foram locais onde ninguém queria estar. Hoje, as pessoas dependem de estar nas cidades para produzir. Não tem nada a ver com as grandes companhias de manufatura, com o trabalho físico baseado no uso de recursos naturais da indústria. Estou falando de geração de ideias. E esse novo fluxo produtivo acaba sendo organizado pelas cidades. Elas estão se revitalizando, os negócios estão voltando. As oportunidades são crescentes. Pessoas criativas querem estar próximas de pessoas criativas. As cidades são estações de trabalho onde as pessoas conectam umas com as outras.

Quem é mais criativo, o profissional de humanas ou de exatas?

Não vou responder essa (risos). Olha, não acho que tem de ser um ou outro. São maneiras diferentes de encarar as coisas. Profissionais de humanas costumam olhar o grande quadro, enquanto os de exatas são mais específicos. As disciplinas que impulsionam a economia criativa misturam as duas áreas, combinando design, tecnologia, arte, cultura. São formas diferentes de criatividade. Não é um mais criativo do que o outro, mas cada um é focado no seu tema. Não podemos esquecer que existe inovação em advocacia, em administração, em qualquer profissão.

As pessoas são pagas para ter ideias?

Sem dúvida. São pagas para ter ideias e opiniões. Quando penso em contratar alguém, é porque considero aquela pessoa esperta, mas também porque você ela tem um ponto de vista, uma opinião interessante sobre o mundo. Pessoas bem-sucedidas têm ideias inovadoras, seja em qualquer área, e as que apresentam novos pontos de vista e mudam a percepção geral sob certos aspectos. Opiniões e pontos de vista mais influentes são aqueles baseados em dados. Estamos caminhando cada vez mais para as decisões baseadas em dados. Não é a simples percepção, mas aquilo o que é comprovável e que, portanto, pode criar estratégias de serviços e produtos.

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Qual a profissão do futuro?

As que ajudem a visualizar melhor os dados disponíveis e que, a partir disso, permitam que sejam tomadas as melhores decisões.

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