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Crise expõe dificuldade de Dilma com palanques

No pior momento em dois anos e meio de governo, presidente não consegue se comunicar com a população, com discursos monótonos e incompreensíveis

Por Gabriel Castro, de Brasília
27 jul 2013, 13h53

Nos últimos dois anos e meio, a presidente Dilma Rousseff desfrutou de índices elevados de popularidade. Em abril deste ano, a aprovação ao seu governo batia a casa dos 70%, superior à de todos os seus antecessores desde a redemocratização do país. Três meses depois, Dilma viu sua taxa de apoio cair pela metade e, segundo pesquisas, não venceria mais a disputa presidencial de 2014 de maneira folgada – o que chegou a ser dado como certo mesmo por oposicionistas.

No intervalo entre os dois momentos, manifestantes tomaram as ruas das principais cidades do país, em uma onda de protestos que respingou em todos os governantes. Mas, no caso de Dilma, há razões especiais para se preocupar. A inflação crescente, o baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a falta de conquistas palpáveis jogam contra o governo. O plano de recuperação tem um entrave relevante: a dificuldade da presidente em comunicar-se com a população.

Nos últimos tempos, as limitações de oratória de Dilma se somaram ao tom oportunista, de autopromoção. Na última quarta-feira, a presidente esteve em Salvador para participar de um seminário em comemoração aos dez anos da chegada do PT ao poder. Como nos tempos da campanha eleitoral de 2010, ela dividiu o palco com o padrinho e antecessor no cargo, Luiz Inácio Lula da Silva. Especialmente em um momento de popularidade baixa, Dilma sabe que não pode se restringir aos pronunciamentos técnicos sobre programas do governo, como costuma fazer. Porém, não consegue se adaptar ao estilo palanqueiro nem tem a empatia de Lula com a plateia. Acabou fazendo um discurso monótono e com alguns trechos incompreensíveis, repleto de elogios a si mesma. “Nós queremos fazer mais e podemos fazer mais, justamente porque fizemos”, disse ela. A presidente elencou algumas de iniciativas de seu governo, burocraticamente.

Lula falou antes da sucessora. Ainda mais à vontade do que quando era presidente, ele soltou quatro palavrões, confessou que fez troça com Barack Obama e chamou de “babaca” um operário que, em 1989, não quis lhe apoiar. O público, formado por militantes petistas, acompanhou com atenção as palavras do petista, reagindo com risos e aplausos. Dilma, quando subiu ao palanque, teve uma recepção fria.

Dois dias antes, a presidente já havia escorregado: na cerimônia de recepção ao papa Francisco, ela falou como se estivesse inaugurando uma ponte – e, mais uma vez, a autopromoção ganhou espaço. “O Brasil muito se orgulha de ter alcançado extraordinários resultados nos últimos dez anos na redução da pobreza, na superação da miséria e na garantia da segurança alimentar à nossa população”, disse ela.

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A crise recente jogou a presidente contra as cordas. Nesse contexto, ressurgiu o discurso petista da luta de classes, que perdeu parte da força – e da utilidade – durante a primeira parte do mandato de Dilma. Como ocorre sempre no partido, o coro foi puxado por Lula. Agora, o ex-presidente intensificou sua atuação para tentar resgatar a imagem do governo.

Na última semana, ele deu as caras por duas vezes: em um evento de mulheres em Brasília e no ato de Salvador. Nos dois casos, falou por cerca de uma hora e abusou do tom agressivo contra todos que não comungam do projeto petista. Em 2005, durante a crise do mensalão, Lula defendeu a tese de que as denúncias eram uma conspiração das elites contra seu governo. Acabou sobrevivendo. Mas a presidente, inclusive por não possuir a origem nem os laços com o PT do antecessor, não consegue se valer da mesma tática.

Estreante – Dilma nunca havia disputado uma eleição até que, em 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva apostou no nome dela para sucedê-lo e deu certo. O que a campanha não escondeu foi a falta de traquejo de Dilma para passar uma mensagem clara aos espectadores de seus discursos.

O padre Antônio Vieira, que passou pelo Brasil durante o século XVII e até hoje é referência de bom orador, dizia que um sermão bem sucedido exigia o bom manejo de cinco peças: a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo e a voz. Dilma possui um estilo truncado e costuma usar um tom de voz que, muitas vezes, soa autoritário.

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Os pronunciamentos da presidente, quase todos de improviso, não empolgam o público: repletos de anacolutos, frases entrecortadas e afirmações dúbias, eles avançam aos trancos.

“Achamos imprescindível nos dirigir a essa questão, à questão urbana, que é extremamente grave em outros países do mundo também, em países ricos e desenvolvidos, mas, num país pobre como o nosso, entre parênteses pobre, porque não foi investido suficiente, nos últimos anos, nesta área. Nós somos pobres nesta área, e não foi investido, primeiro, por conta da crise da dívida e, segundo, porque não foi investido”, discursou a presidente, no último dia 17 de julho, na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, em Brasília.

Em suas andanças pelo país, onde se depara com um público menos escolarizado, Dilma também sofre para se comunicar de forma eficiente e, frequentemente, recorre a números e estatísticas, como no ano passado, em Castanhal (PA): “O programa Minha Casa Minha Vida, ele assegura para a faixa de renda de até… Familiar que ganha até 1 600 reais, ele assegura que o estado brasileiro, o governo federal, ele cubra 90% a 95% – dependendo do valor da renda – o imóvel para que a pessoa dessa faixa de renda tenha uma moradia digna, onde possa criar seus filhos, ter suas amizades, ter segurança porque a casa dá segurança e, sobretudo, como eu disse para vocês que esse é um programa para a família, esse… E como na família – todo mundo sabe aqui que na família, em qualquer família, a mãe tem um papel fundamental, esse é um programa, também, que assegura às mães, que estão cuidando dos seus filhos, o direito de ter a casa em seu nome quando ela separar e o encargo dos filhos ficar para ela”.

O marqueteiro de Dilma, João Santana, aposta que os índices de aprovação da presidente vão melhorar até o fim do ano. As más notícias se acumulam na economia, mas, ressalvado um desastre, como um estouro do desemprego, o mais provável seria a recuperação de ao menos uma parte do eleitorado perdido.

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Não é a crença do especialista em marketing político Carlos Manhanelli. Ele afirma que a popularidade real de Dilma é a atual, depois da queda aguda. “Dilma subiu numa bolha, que agora estourou”, diz. Segundo Manhanelli, a imagem ainda é uma barreira para Dilma: “Dois anos antes de a lançarem à Presidência, eles trocaram a imagem de gerentona pela de mãe do PAC”, diz Manhanelli. “Mas é a natureza de sargentona que sempre prevalece.”

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