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‘Campanha no Rio de Janeiro foi muito despolitizada’

Jairo Nicolau, professor da UFRJ, critica predomínio da campanha negativa, com troca de acusações entre Luiz Fernando Pezão (PMDB) e Marcelo Crivella (PRB) no segundo turno

Por Daniel Haidar, do Rio de Janeiro
19 out 2014, 09h07

‘A disputa no Rio de Janeiro é muito personalizada e apequena o debate público. Tanto é que o estado bateu recordes de branco e nulo para todos os cargos’

Numa campanha que termina com o embate entre um candidato que gosta da imagem de “boa praça” e o outro tentando desempenhar o papel do religioso de “mãos limpas”, a discussão sobre propostas de governo, especialmente na área de segurança pública, passou longe do eleitor. A avaliação é do cientista político Jairo Nicolau, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nicolau afirma que a disputa entre o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) e o senador Marcelo Crivella (PRB) entrará para a história como uma das mais “despolitizadas” no estado. Embora as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), bases da polícia em favelas criadas no governo Sérgio Cabral (PMDB), estejam nos planos dos dois postulantes ao Palácio Guanabara, faltaram propostas para superar a crise que o modelo enfrenta – que vai além da ampliação do efetivo de policiais. Para Nicolau, essa ausência de debate é favorecida por uma característica peculiar do cenário político fluminense, onde PT e PSDB não têm a mesma força de outros estados: “O Rio de Janeiro sempre fica vulnerável a um cavaleiro que vai aparecer”, diz. Leia a entrevista ao site de VEJA.

Como entender uma vitória do governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) depois das manifestações que colocaram o antecessor Sérgio Cabral (PMDB) entre um dos principais alvos dos protestos? Na reeleição de Cabral em 2010, houve a maior vitória no Rio de Janeiro, acachapante, praticamente sem oposição. Mas, ao longo de quatro anos, o desgaste do governo foi tamanho que ele percebeu que teria dificuldade para fazer o sucessor. Então, Cabral saiu do governo para deixar Pezão governar um tempo e se descolar dele, que estava mal avaliado. Pelo menos até agora esse movimento deu certo. Na campanha, falou-se do Pezão como um “realizador”, um homem do interior, com vida simples, e assim se construiu sua imagem. No primeiro turno, em função da rejeição da classe média da capital ao ex-governador Anthony Garotinho e a uma campanha bem feita na televisão, Pezão conseguiu algo que a meu juízo era impossível há um ano. Não imaginava que um governador do interior, em um governo mal avaliado, conseguisse ser uma candidatura competitiva. Mas a conta do PMDB foi enfrentar o Garotinho no segundo turno. Marcelo Crivella (PRB) é uma surpresa completa porque ele sempre começa bem e morre na praia. Desta vez, não aconteceu isso.

Pezão está na frente das intenções de voto por ter o apoio tanto de Dilma Rousseff (PT) quanto de Aécio Neves (PSDB)? Crivella pode ter dificuldade se Aécio vencer? Não muda muito. Aécio foi razoavelmente bem votado no estado sem ter candidato a governador. O eleitor brasileiro faz esses ‘descasamentos’. Nenhum dos presidenciáveis ou dos candidatos a governador do Rio de Janeiro têm dificuldades de convivência entre si.

O que significaria a vitória de Crivella, considerando que seria o primeiro caso de um governador eleito ligado à Igreja Universal do Reino de Deus? O Rio de Janeiro é um dos casos mais extremos no qual o eleitorado é pouco orientado pelos partidos. Partidos que polarizam a disputa nacional (PT e PSDB) não foram bem aqui. O Rio de Janeiro funciona muito em função de personagens. Crivella é uma liderança carismática, bom comunicador, canta o próprio jingle. Por ter sido formado em escola religiosa, é bom orador, tem certa simpatia da população, sobretudo a mais pobre do estado. A política do Rio de Janeiro desde os anos 1980 é assim. Essas lideranças ascendem, levam com elas seu grupo, depois reconstroem o domínio estadual. Crivella, sendo eleito, provavelmente vai fazer a mesma coisa. Não é provável que vá surgir um “Crivellismo”, mas certamente vários deputados e prefeitos do interior vão se bandear para a base do governo. A probabilidade maior é que Pezão vença, mas é uma eleição aberta.

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Como avaliar essa mistura de política e religião na candidatura de Crivella? Muita gente teme a mistura de política e religião, ocupação de cargos por critérios religiosos. Isso assusta, mas é forte dizer que a Igreja Universal chega ao governo. Isso pode até vir a acontecer na prática, preocupa, mas é difícil tratar desse tema sem ser preconceituoso. Temos uma elite política que não se organiza e abre espaço para isso. Sempre ficamos vulneráveis a um cavaleiro que vai aparecer.

Se perder a eleição, o PMDB vai liderar a oposição? Essas negociações são muito personalizadas. As bancadas dos partidos são fragmentadas na Assembleia Legislativa. É sintomática a fragilidade do PT e do PSDB no Rio de Janeiro. Solitariamente, um governante monta sua estrutura. Não vai ter problema com prefeitos e deputados. Há uma tendência de virar em direção de quem está governando o estado.

Pezão estaria eleito no primeiro turno caso as Unidades de Polícia Pacificadora não estivessem em crise? O que me causou certa surpresa é que o tema da segurança não teve o destaque que teve em outras eleições. A reeleição do Cabral em 2010 foi pela invenção da UPP. Pezão ganhou bem na Zona Sul do Rio, com voto anti-Garotinho e pró-UPP. Da parte da classe média carioca, a adesão ao Pezão veio daí. É a aposta numa política com mais acertos do que erros. Mas essa é uma campanha muito despolitizada. Achei uma eleição com muita ênfase na trajetória dos candidatos e pouca discussão sobre grandes temas que interessam ao Rio de Janeiro. No horário eleitoral, Pezão foi basicamente um sujeito simples e boa praça que quer fazer coisas para você. E Crivella foi o David contra o Golias, o cara das mãos limpas. É uma campanha muito despolitizada. Desta vez, pela natureza dos personagens, tudo ficou muito aguado e todo dia foi igual. A estratégia dos dois foi fazer campanha negativa, explorando denúncias contra Cabral e, do outro lado, o vínculo do Crivella com a Igreja Universal. A disputa no Rio de Janeiro é muito personalizada e apequena o debate público. Tanto é que o estado bateu recordes de branco e nulo para todos os cargos.

O mérito pelo crescimento de Pezão é do marqueteiro Renato Pereira? Pezão tem uma equipe excepcional de marketing político. É um político desconhecido, não é da capital e não é técnico. Tudo caminhava para ele não encaixar. É mérito da equipe de marketing, de criar uma narrativa para ele muito eficiente. Também deram sorte contra Garotinho, que é muito bom de campanha mas sofria enorme rejeição. Já Lindbergh Farias (PT) teve dificuldade para falar com o eleitor tradicional do PT.

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