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A revolução estética dos andarilhos do impeachment

Quem são os participantes da Marcha Pela Liberdade, que se encerra nesta quarta-feira após mais de um mês de caminhada rumo à capital federal

Por Gabriel Castro, de Brasília
Atualizado em 10 dez 2018, 10h22 - Publicado em 26 Maio 2015, 16h44

Logo depois de conceder uma entrevista na Associação Comercial de Taguatinga (DF), Renan Santos, de 31 anos, pergunta: “E aí, a gente estava parecendo esquerdista?”. Ele usa uma camiseta simples, lenço amarrado ao pescoço e uma manta marrom em torno dos ombros. Tem a barba crescida e o cabelo desarrumado. De fato, poderia facilmente ser tomado por militante do raivoso PSOL. Mas é um dos líderes da Marcha Pela Liberdade, que defende o liberalismo econômico e está em Brasília para pedir o impeachment de Dilma Rousseff.

Na entrevista coletiva, concedida na última segunda-feira, Renan era acompanhado de Kim Kataguiri, um franzino nipo-brasileiro de 19 anos, Fernando Holiday, negro, 18 anos, e Fabio Ostermann, 30 anos, que apresentava sinais de insolação.

A pergunta de Renan tem sentido: o idealizador da marcha e um dos coordenadores do Movimento Brasil Livre pretende desfazer alguns paradigmas estéticos dos liberais – ou direitistas, embora o termo seja menos usado pelo grupo. “Quero criar uma confusão na cabeça das pessoas de esquerda”, brinca ele. É uma revolução estética, não de conteúdo. “O liberalismo é mais antigo do que o marxismo”, pontua Renan, formado em direito pela Universidade de São Paulo (USP) mas dedicado à sua empresa de marketing digital.

Renan, Kim, Fernando e Fábio são parte de um grupo que percorre nesta quarta-feira seus últimos quilômetros de caminhada antes do “Dia D”: o dia em que entregarão ao Congresso Nacional um pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. É a primeira petição do tipo com robustez e fundamentação jurídica. O documento possui cerca de 3.000 páginas, baseia-se no parecer de juristas e cita a compra da refinaria de Pasadena, as “pedaladas fiscais” e o acordo de leniência com empreiteiras da Lava Jato.

A marcha saiu de São Paulo em 24 de abril com 22 participantes. Em Brasília, são aproximadamente 40, dos quais 15 estão na jornada desde o início. O ato foi organizado pelo Movimento Brasil Livre, que nasceu em novembro de 2014. Renan, o idealizador do protesto, tem faro marqueteiro. Foi ele, por exemplo, quem enxergou o potencial midiático de Kim Kataguiri, que começou a gravar vídeos para responder as barbaridades que ouvia em sala de aula e se tornou o rosto mais conhecido do movimento. Fernando Holiday tem uma história parecida. Ambos contam com o apoio da produtora de vídeos comandada por Renan – que já prepara um documentário sobre a marcha.

A caminhada rumo a Brasília foi inspirada em protestos semelhantes comandados Martin Luther King. A ideia era dar consequência aos protestos que mobilizaram milhões de pessoas em 15 de março e 12 de abril para protestar contra o governo Dilma. O movimento também é fruto da constatação de que falta à direita algo que a esquerda sempre explorou ao máximo: a linguagem do heroísmo e do sacrifício. “É uma forma de destruir o monopólio de todos os simbolismos que hoje a nossa esquerda mantém no país”, diz Kim Kataguiri.

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https://www.youtube.com/watch?v=x8nYw52lZEc

Composição – Os moradores de bairros de classe média e alta de São Paulo são maioria no grupo. Mas há figuras como o jovem Jean Batista, de 19 anos, que vive em Manaus (AM) e sempre estudou em escola pública, o encanador Uilson Vieira, de 42 anos, que mora em Aracaju (SE). “O governo do PT só escraviza o povo, principalmente no Nordeste, com o Bolsa Família. Isso forma um curral eleitoral”, diz ele, que alugou seu carro por 500 reais para bancar os custos da viagem até São Paulo.

Fernando Holiday, por sua vez, deixou o curso de Filosofia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e, quando voltar a Carapicuíba (SP), onde mora, deve iniciar um pré-vestibular. Quer cursar jornalismo. Ele vive com a mãe, funcionária pública aposentada. A renda da casa não chega a 2 000 reais mensais. Hábil com as palavras, Holiday se tornou um dos oradores “oficiais” do movimento – e um bom exemplo para desmentir a tese de que apenas a “elite branca” se opõe ao governo. “Isso é lorota para tentar separar a população. Em todos os lugares por onde passamos, as pessoas não suportam mais esse governo”, afirma.

Uma figura peculiar no grupo é Ian Garcez, que tem 24 anos e mora em Florianópolis. O jovem percorreu toda a caminhada usando sapato social, calça e camisa de manga longa. Ian formou-se em geografia mas, hoje, se dedica ao estudo da história da arte e ao seminário de filosofia de Olavo de Carvalho, uma das referências intelectuais do conservadorismo brasileiro.

O grupo que marchou até Brasília abriga diversidade de ideias. Há os que se intitulam liberais (defensores de um Estado restrito às funções essenciais), os que se identificam como conservadores (que também pedem mais liberdade econômica, mas dão relevância a pautas como a oposição ao aborto) e aqueles que simplesmente se indignaram com a corrupção no governo petista e decidiram reagir.

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Mas, como mostram os casos de Kim (que largou a universidade no primeiro semestre), Fernando, Jean e Ian, existem alguns traços em comum: um deles é a descrença no sistema educacional, ainda muito influenciado por ideias de esquerda. Outro ponto unânime é a desconfiança nos partidos políticos – mesmo os de oposição.

O sentimento só ganhou força na semana passada, quando o PSDB decidiu não pedir o impeachment de Dilma neste momento. O senador Aécio Neves, presidente da sigla, virou alvo preferencial do grupo. Na entrevista desta segunda-feira, o nome dele foi mais citado do que o de Dilma.

O comportamento também mostra que os integrantes do MBL possuem algo que a militância apartidária só agora começa a ter: estratégia. Os ataques ao presidente da sigla (e não ao PSDB como um todo) são uma tentativa de constranger o tucano a adotar uma postura mais incisiva. Os líderes da marcha sabem que, entre os deputados federais do PSDB, a tese do impeachment é amplamente apoiada. “Se o impeachment não for colocado em votação, ao menos a gente abre uma vala e mostra quem são os oposicionistas em sintonia com a voz das ruas e quem não está”, diz Renan.

A caminhada rumo à capital federal incluiu percalços. O grupo normalmente hospedou-se em lugares cedidos por apoiadores da causa. Nem sempre havia chuveiros. Quase nunca havia camas e os participantes dormiram em colchões infláveis. Alguns optaram por hotéis de baixo custo – pagos do próprio bolso. A roupa precisou ser lavada em pias de banheiro. Mas nenhum dos participantes demonstra arrependimento. Nem mesmo depois do maior susto da marcha: Kim Kataguiri e Amanda Alves, de 28 anos, foram atropelados em um trecho de caminhada noturna, perto da cidade de Abadiânia (GO), no último sábado. Ele feriu o braço e o abdômen, mas voltou a caminhar com o grupo no dia seguinte. Amanda machucou a cabeça e levou dez pontos na testa, mas deve estar em Brasília nesta quarta, quando o pedido contra Dilma Rousseff será apresentado ao Congresso Nacional. Não faltou nada para construir a narrativa de heroísmo e sacrifício dos andarilhos do impeachment.

Renan Santos, líder da Marcha Pela Liberdade, concede entrevista em Taguatinga (DF)
Renan Santos, líder da Marcha Pela Liberdade, concede entrevista em Taguatinga (DF) (VEJA)
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