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A herança maldita de Agnelo

Quatro anos não serão suficientes para o Distrito Federal se recuperar do rombo deixado pela mais desastrosa administração de sua história

Por Gabriel Castro, de Brasília
17 fev 2015, 07h23

O Distrito Federal sempre foi referência de bons serviços públicos na comparação com o resto do país. A explicação é evidente: por sediar os três Poderes da República, a capital recebe um gordo auxílio do Fundo Constitucional. Os salários da segurança – e parte dos da saúde e educação – são pagos pela União. O governo local arrecada todos os impostos que, no resto do país, se dividem entre autoridades municipais e estaduais, além de embolsar ao mesmo tempo recursos dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios. A economia brasiliense, movimentada pelos salários dos servidores públicos, tem uma arrecadação alta e baixos níveis de desemprego. A renda per capita é a maior do país.

Por isso, o recém-empossado governador Rodrigo Rollemberg (PSB) não esperava que, em vez de anunciar o início de programas de governo ou de grandes obras, tivesse de gastar todas as energias do começo de mandato para cortar gastos e cancelar investimentos. Mas é só o que ele tem feito desde que assumiu o cargo, em um esforço para amenizar a profunda crise financeira na qual o ex-governador Agnelo Queiroz (PT) jogou o Distrito Federal.

Há três semanas, o governo anunciou um pacote de 21 medidas que incluem aumento de ICMS sobre a gasolina, revisão da tabela do IPTU e o fim da isenção de IPVA para carros zero. O governo promete extinguir 60% dos cargos comissionados, os secretários andarão em carros populares e nenhuma obra de peso será iniciada num horizonte próximo. Antes disso, Rollemberg já havia anunciado um inédito parcelamento dos salários dos servidores. É isso mesmo: na rica capital do país, falta dinheiro para a folha de pagamento. “Não há condição de pagar. Se não parcelarmos, alguém terá que ficar sem receber”, justifica o secretário de Fazenda, Leonardo Colombini.

O pacote anunciado pelo governo vai devolver 400 milhões de reais aos cofres locais em 2015 e outros 800 milhões de reais em 2016. Ainda é muito pouco para desfazer a herança maldita de Agnelo. A estimativa é de que o rombo ao final de 2015 seja de 5 bilhões de reais.

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As dimensões do desajuste só ficaram mais claras depois das eleições: o petista teve apenas 20% dos votos e ficou fora até mesmo do segundo turno. As engrenagens do governo pararam quase simultaneamente. O caso mais dramático foi o da saúde. A rede pública chegou a ter 215 itens itens em falta, como medicamentos essenciais, gaze e luvas esterilizadas. Médicos e professores de creches cruzaram os braços. As empresas de ônibus circulavam de forma precária, com interrupções frequentes nos serviços. O mato se alastrou pela cidade, a coleta de lixo chegou a ser suspensa, viaturas ficaram paradas. Tudo isso porque acabou o dinheiro do governo.

Durante a transição, a equipe de Rollemberg constatou que Agnelo elevou salários, distribuiu cargos comissionados e inflou contratos de forma inconsequente, em um último esforço para ganhar popularidade. O novo governador recebeu o governo com 64 000 reais em caixa para gastar.

Não há solução no curto prazo. A nova gestão considera que, se ao fim de 2018 as contas mensais deixarem o vermelho, terá sido uma grande vitória. A prioridade é evitar o colapso total. Alguns dos programas orçados não têm recursos para chegar até maio.

O descontrole foi tão grande que, no início deste ano, o Ministério Público do Distrito Federal montou uma força-tarefa para mapear os desvios. Mal começaram a fazer o diagnóstico, os promotores encontraram um cenário perturbador, com pagamentos superfaturados, convênios nebulosos e a existência – acredite – de “contratos verbais. “Apesar do histórico de corrupção nos governos do Distrito Federal, a devassa feita nas contas públicas na última gestão é a mais grave da história”, diz o promotor Marcelo Teixeira, um dos integrantes do grupo de trabalho. O esforço começa a apresentar resultados. O Ministério Público já apresentou uma ação de improbidade por causa de um superfaturamento de pelo menos 30 milhões no contrato de reforma do autódromo de Brasília. Sim, meio à penúria, Agnelo fechou um contrato de quase 300 milhões de reais para restaurar o espaço, como parte de um acordo para receber uma prova da Fórmula Indy em março deste ano. Ele também ordenou uma reforma de 1,5 milhões de reais na residência oficial do governo e abriu licitação para adquirir 40 toneladas de carne, incluindo 800 quilos de camarão.

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Sem caixa para pagar a dívida de mais de 3 bilhões de reais deixada pelo antecessor, a nova gestão tenta negociar com as empresas que mantêm contrato com o governo. A situação dos serviços públicos deve continuar crítica pelos próximos meses.

Agnelo assumiu o governo após outra crise, a motivada pela queda do então governador José Roberto Arruda. Mas, naquele caso, o problema era de gestão e não de caixa. O governo fechou 2010 no azul. Desde então, o déficit só se acumulou.

Por isso, a nova equipe sabe que é acompanhada por uma sombra: a da intervenção federal. “Nós vivemos nos últimos anos um misto de irresponsabilidade incompetência e corrupção que levou o Distrito Federal a essa situação. A crise financeira é tão grave que coloca em risco a nossa autonomia política”, diz Rodrigo Rollemberg. “Essa é uma ameaça real”, reforça a secretária de Planejamento, Leany de Sousa.

No caso do Distrito Federal, o tema é mais sensível porque a autonomia política é recente. Só em 1990 é que os moradores da capital do país passaram a eleger seus próprios governantes. Até então, a não havia assembleia legislativa e os governadores eram nomeados pelo Presidente da República.

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Agnelo, que ficou de fora até mesmo do segundo turno na sua tentativa de reeleição, encerrou o mandato sem admitir o descontrole nas finanças e dedicou seu último dia de governo à inauguração de um novo centro administrativo vazio, sem energia e rede de internet, depois de atropelar a lei para garantir a concessão de um habite-se às pressas. O prejuízo estimado é de 17 milhões de reais por mês. Foi o último presente do governador antes de embarcar tranquilamente para uma temporada em Miami. Não é por acaso que os promotores locais estudam apresentar uma ação contra o petista por danos morais coletivos à população da capital do país.

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